Título: Como melhorar comunicação entre o governo e o mercado?
Autor: Takar , Teo ; Sato , Karin
Fonte: Valor Econômico, 27/09/2012, Investimentos, p. D2

O filme se repete. Seja por causa do aumento no preço da gasolina ou do imposto sobre extração de minério de ferro ou ainda devido às medidas cambiais, a relação entre governo e mercado volta e meia está em crise. Desta vez, o alvo é o pacote para o setor elétrico. As críticas não são tanto dirigidas às medidas em si, apesar de elas não terem agradado os investidores. O problema principal, dizem especialistas consultados, foi a forma como as mudanças foram comunicadas. A conta-gotas, em clima de mistério, elas causaram temor nos investidores e até hoje são motivo de dúvidas.

O problema da comunicação entre governo e mercado não se restringe ao Planalto, afirmam esses mesmos especialistas. Membros de governos anteriores, seja nas esferas federal, estadual ou municipal, também já causaram estragos na hora de divulgar assuntos que interferem diretamente em companhias abertas.

"O governo não faz de propósito. Geralmente, ele procura discutir suas ideias por meio da imprensa para sentir a receptividade", afirma João Nogueira Batista, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Prova disso é que dias antes do anúncio completo do pacote do setor elétrico os investidores já se deparavam com grande volatilidade dos papéis.

A primeira declaração da presidente Dilma Rousseff afirmando que o preço da energia iria cair ocorreu em 30 de agosto, mas a publicação da Medida Provisória 579 com as regras para renovação das concessões que vencem a partir de 2015 foi feita no dia 12 de setembro. Nesse período, as ações das companhias de energia registraram movimentação financeira muito acima da média e quedas bruscas, de quase 30% em um único dia, nunca vistas nessas empresas e incomuns entre papéis que compõem o Índice Bovespa. As maiores perdas acumuladas no período foram de Transmissão Paulista PN (-43,9%), Cesp PNB (-43,9%) e Cemig PN (-33,4%).

Primeiro, houve o anúncio da redução nas tarifas de energia pela presidente Dilma em pronunciamento à nação em 6 de setembro. Já no dia 11, em evento com empresários, foi feita uma apresentação das novas regras de concessão. Algumas informações foram consideradas por analistas do setor como imprecisas e só foram esclarecidas no dia 12, com a publicação da MP 579, e no dia 17, com o Decreto 7.805, regulamentando a MP. "O governo poderia prestar atenção ao fato de que está mexendo com empresas de capital aberto e divulgar o pacote de uma vez só", sugere Nogueira Batista.

"O "timing" foi errado", avalia o professor sênior da Escola de Direito da FGV e ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Ary Oswaldo Mattos Filho. Para o jurista, o governo quis dar relevância política às medidas, ao ressaltar os efeitos benéficos sobre a inflação e o setor produtivo, mas acabou não tomando alguns cuidados para tornar a informação mais transparente e homogênea. "Se houvesse maior preocupação com governança corporativa, poderia publicar um documento detalhando as medidas em seu site logo após o fechamento da bolsa, em vez de fazer os investidores aguardarem a publicação da MP no dia seguinte", diz Mattos Filho.

Os especialistas ponderam que um maior cuidado do governo no tratamento da informação não impediria a queda das ações, mas evitaria o "efeito gangorra" dos papéis e a circulação de boatos e informações desencontradas. "Tudo que o governo fala tem poder direto sobre as ações, gerando ou destruindo valor", afirma o diretor de pesquisa e estratégia da Mercatto Gestão de Recursos, Paulo Veiga.

Jorge Simino, diretor de Investimentos da Fundação Cesp, avalia que a comunicação do governo sobre as medidas poderiam ter acontecido após o fechamento dos pregões. "A reação do mercado, talvez um pouco exagerada, deve ter sido causada por isso", diz. A forma da comunicação não teria impedido a queda das ações, mas o movimento poderia ter sido atenuado.

A saída, dizem os especialistas, seria um trabalho intenso de educação nas esferas de governo sobre o funcionamento do mercado, com ênfase em comunicação e transparência. "O governo e as agências reguladores precisam aprender a se comportar. A CVM poderia tentar fazer esse trabalho educativo, promovendo workshops com técnicos e membros do governo", diz Nogueira Batista, do IBGC. "Mas considero que a situação hoje já é melhor do que há 10 anos", completa ele.

Entre os fatos mais lembrados de ruídos de comunicação nas estatais está o comentário do ex-presidente da Agência Nacional de Petróleo (ANP) Haroldo Lima, em 2008, sobre o potencial (até então desconhecido) de um dos campos do pré-sal e que fez as ações da Petrobras dispararem. Já o ex-governador de São Paulo Claudio Lembo teve de fazer um acordo com a CVM por ter falado antes da hora sobre o cancelamento da oferta de ações da Nossa Caixa, em 2006. O "castigo" foi justamente escrever a 27 outros governadores uma carta sobre a importância de seguir as regras não só do cargo público, mas de gestor de empresa de economia mista, enfatizando que informações com impacto sobre a companhia aberta, antes de serem tratadas em público, devem ser comunicadas à CVM.