Título: Interferência política na Anatel cresceu, aponta pesquisa da Câmara Americana
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 25/10/2006, Brasil, p. A2

As interferências políticas na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aumentaram neste ano, além de haver uma sobreposição cada vez maior de competências entre o órgão regulador e o Ministério das Comunicações. É essa a percepção de empresários e executivos do setor ouvidos pela Câmara Americana de Comércio (Amcham), que divulgou ontem uma nova pesquisa sobre os trabalhos da agência. Na avaliação geral, a Anatel tem sido estrangulada pela falta de recursos financeiros e pela baixa capacitação do quadro de pessoal, com reflexos sobre as atividades de fiscalização.

De 2005 para 2006, cresceu de 45% para 61% a proporção de empresários e executivos que vêem ingerência política na Anatel "sempre". No ano passado, 6% responderam que "nunca" há interferência no órgão regulador - desta vez, ninguém optou por essa resposta. A sondagem baseia-se em questionário enviado a 70 agentes do setor - entre operadoras, associações, fabricantes, fornecedores e consultorias.

"Existe uma visão claramente favorável à manutenção da agência como órgão independente", afirmou Rodrigo D'Ávila Mariano, integrante da força-tarefa da Câmara Americana que estuda questões regulatórias. Mariano ressaltou que o setor condena a prática de interferências. "A independência é vista como essencial para o investimento privado."

Esse é o quarto ano consecutivo em que a Amcham preparou o relatório sobre a Anatel. A pesquisa demonstra que se generalizou a percepção de "duplicidade de funções" e "invasão de competência" entre as atividades da agência reguladora e do Ministério das Comunicações. Em 2003, no início do governo Lula, isso nunca ocorria para 5% dos entrevistados, raramente para 66% e geralmente para 29% - ninguém respondeu sempre na ocasião.

Hoje, a avaliação é inversa: para 14% dos agentes, sempre há sobreposição de funções - o que acontece geralmente para 66%, raramente para 17% e nunca para apenas 3%. Nesse período (2003-2006), vários episódios opuseram a Anatel e o Ministério das Comunicações, principalmente na gestão do ministro Hélio Costa, que assumiu no ano passado.

Costa polemizou com o órgão regulador na criação de um telefone popular voltado à população de baixa renda, interferiu no cronograma de conversão de pulso para minuto no sistema de cobrança das ligações fixas locais e ameaçou intervir na agência para obrigá-la a suspender uma licitação dos direitos de uso de de faixas de freqüência para o serviço de acesso à internet por banda larga sem fio (WiMax). No governo Lula, o órgão regulador também bateu um recorde e teve quatro presidentes diferentes.

Outras referências negativas dizem respeito à pouca fiscalização da exploração dos serviços de telecomunicações e à lentidão dos processos. Para 70% dos entrevistados, a Anatel raramente atende à dinâmica do mercado, com a edição e revisão de regulamentos em virtude do desenvolvimento tecnológico. O principal reflexo disso é que a agência enfrenta de forma inadequada as questões regulatórias relacionadas à convergência digital, diz a maioria dos agentes do setor.

Obviamente, a pesquisa também traz uma série de pontos positivos do órgão regulador. Apesar das dificuldades orçamentárias, 56% acreditam que a agência atua com eficiência na fiscalização de operadoras clandestinas e 61% afirmam que ela sempre ou geralmente aplica com eficácia as políticas públicas definidas pelos poderes Executivo e Legislativo. Houve ainda melhoria na percepção de transparência da Anatel, embora muitos defendam que as reuniões do conselho diretor sejam tornadas públicas, a exemplo do que ocorre na Aneel, reguladora do setor elétrico.

A sondagem preparada pela Amcham foi entregue ao Ministério das Comunicações, à Casa Civil e à própria Anatel. Procurada, a assessoria de imprensa da agência não comentou os resultados da pesquisa, mas afirmou que qualquer contribuição ao aperfeiçoamento dos seus trabalhos é considerada bem-vinda.