Título: STF chega à maioria para condenar nove réus
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 28/09/2012, Política, p. A13

O Supremo Tribunal Federal (STF) chegou, ontem, à maioria de seis votos para condenar nove réus, entre eles o delator do mensalão e presidente do PTB, ex-deputado Roberto Jefferson, e o deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP) por corrupção passiva no processo do mensalão.

Votaram pela condenação de ambos o relator do processo, Joaquim Barbosa, o revisor, Ricardo Lewandowski, além dos ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Gilmar Mendes. Também há maioria para condenar Costa Neto por lavagem de dinheiro. No caso de Jefferson, há cinco votos para puni-lo por esse crime contra apenas um pela absolvição, que foi proferido por Lewandowski. Jefferson recebeu R$ 4 milhões do publicitário Marcos Valério e a maioria dos ministros considerou que tanto no caso dele quanto no de outros réus houve compra de apoio político.

Além de Jefferson e Costa Neto, sete réus tiveram maioria de votos pela condenação: o ex-deputado federal Pedro Corrêa (PP-PE), o ex-deputado Bispo Rodrigues (PL-RJ), o ex-deputado federal pelo PTB Romeu Queiroz (atualmente do PSB-MG) e o ex-deputado José Borba (PMDB), atual prefeito de Jandaia do Sul; o ex-assessor parlamentar João Cláudio Genu, o ex-tesoureiro do PL Jacinto Lamas, e o ex-sócio da corretora Bônus Banval Enivaldo Quadrado.

O julgamento com relação a esses réus será retomado na segunda-feira. Ainda faltam os votos dos ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e do presidente da Corte, Carlos Ayres Britto. O ministro José Antonio Dias Toffoli terá que terminar seu voto, interrompido no início da noite, quando ele teve que deixar o STF para comparecer à sessão noturna de julgamentos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Os ministros discutiram o item que trata do envio de dinheiro para parlamentares, com 13 réus e acusações de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Nele, houve uma discussão que serviu como prévia ao último item do julgamento, que envolve a acusação de formação de quadrilha contra o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu.

A ministra Rosa Weber concluiu que, no caso dos parlamentares que receberam dinheiro do valerioduto, o que houve foi uma co-autoria de crimes, e não quadrilha. Para ela, todos receberam dinheiro e cometeram crimes, mas isso não significa que eles se organizaram com um objetivo comum e estrutural para se perpetuar numa organização criminosa. "Eu não vislumbro associação dos acusados para delinquir, praticar indeterminadamente crimes. Houve mera coautoria, envolvendo a prática de diversos crimes", disse.

A ministra Cármen Lúcia também chegou à mesma conclusão e absolveu todos os oito acusados de formação de quadrilha julgados ontem. "Eu acompanho a divergência da ministra Rosa, pois o que caracteriza a quadrilha é um liame permanente, o que eu não vislumbrei", disse Cármen. "Eu não consigo me convencer de que houve a reunião para práticas criminosas. O que se buscava era cada qual o seu interesse", continuou a ministra. "Eu vejo muito mais o concurso [de crimes] do que a quadrilha."

Outros ministros discordaram dessa tese, mostrando que os debates serão intensos até o fim do julgamento. "Eu não tenho essa percepção de que se possa de antemão entender que o crime de quadrilha só pode ser aplicado para quem vive do crime", afirmou Fux. "O nosso paradigma de organização criminosa é a quadrilha e aqui ela se comprovou", completou.

Os votos de Rosa e Cármen por absolvições ao crime de quadrilha não significam, porém, que vão se repetir no julgamento de Dirceu. Isso porque a própria Rosa Weber advertiu que nos casos de quadrilha "verifica-se uma agravante genérica ou até mesmo uma qualificadora". Com isso, ela quis dizer que, uma vez devidamente comprovada a quadrilha, o tribunal deve aumentar a pena. E, no caso específico de Dirceu, a pena mínima estaria prescrita, ou seja, ele só seria punido de fato caso uma agravante fosse considerada pela Corte. "A quadrilha, na minha compreensão, é a estrutura que causa perigo por si mesma para a sociedade", disse Rosa.

Outro debate intenso se deu no julgamento das acusações de lavagem de dinheiro. Desde a segunda-feira, Lewandowski vem defendendo a tese de que um mesmo fato nem sempre resulta em dois crimes. Para ele, o recebimento de dinheiro indevido não significaria automaticamente que houve também ocultação dessa verba. Ou seja, o político pode ser condenado por corrupção, mas não por lavagem.

Ontem, o revisor conseguiu a adesão de alguns integrantes da Corte a esse argumento. Mesmo assim, até mesmo os ministros que concordaram com a tese de Lewandowski a utilizaram para poucos réus. Rosa Weber afirmou que "o recebimento [de dinheiro] maquiado não implica necessariamente em lavagem". Mas, dos 12 réus ligados a partidos políticos que foram acusados por lavagem, ela condenou nove. Absolveu apenas Genu, Rodrigues e Borba. Quanto aos dois primeiros, ela apontou "falta de provas de que agiram com dolo". Já com relação a Borba, disse que "diferentemente dos demais, ele não se serviu de profissionais da lavagem e de pessoas interpostas para receber o dinheiro".

Cármen Lúcia absolveu apenas Borba: "Eu acho que ele recebeu [dinheiro] de quem estava praticando ato de corrupção, a Simone Vasconcellos [ex-funcionária de Marcos Valério], mas não houve ocultação nem dissimulação."

Apesar das três absolvições, Rosa Weber consagrou uma tese que vai levar a outras condenações por lavagem, e não apenas no mensalão. Para a ministra, a empresa ou corretora que é utilizada para lavar quantias de terceiros tem que ser responsabilizada. Segundo ela, o chamado "dolo eventual", ou a mera ciência da elevada probabilidade da procedência criminosa, devem ser considerados para punir os crimes de lavagem. "Não admitir o dolo eventual significa excluir umas das formas mais graves de realização da lavagem que é a contratação de terceiros", justificou Rosa. Ela enfatizou que, no mensalão, houve essa contratação de terceiros. "A Guaranhuns era uma verdadeira lavanderia", exemplificou, lembrando a empresa que foi utilizada por políticos.

Pelo segundo dia consecutivo, os ministros alegaram que não estão mudando os entendimentos anteriores do STF e tampouco flexibilizando garantias da defesa. Fux afirmou que não defendeu a tese de que cabe à defesa provar sua inocência. O que ocorre, segundo ele, é que "o réu que invoca um álibi tem o dever de prová-lo". Celso de Mello ressaltou que "a jurisprudência do STF de décadas salienta que cabe ao Ministério Público provar os fatos". Mas, segundo ele, se o réu "invocar fatos modificativos, a prova devolve-se a ele, sem que isso implique em ofensa à presunção de inocência". "O álibi é um fato que modifica a alegação do Ministério Público", explicou. "O STF não está incorrendo em anormalidade de conduta", completou Ayres Britto. "O tribunal está reproduzindo a sua jurisprudência", enfatizou.

A sessão também foi marcada por pedidos dos ministros por ética na política. Cármen Lúcia, que, além de atuar no Supremo, preside o TSE, concluiu o seu voto com um apelo. Ela disse que as condenações de políticos não devem significar desesperança para a população nem descrença na política. "Meu voto não é absolutamente qualquer desesperança na política, menos ainda desconsideração da necessidade da política para que se tenha um Estado democrático de direito", afirmou. "A política é necessária e deve ser muito difícil. São 513 pessoas completamente diferentes tendo que chegar a um consenso", continuou, referindo-se à Câmara dos Deputados, onde se concentraram as acusações de crimes no mensalão. Segundo ela, o sistema brasileiro acolhido em 1988, quando foi promulgada a atual Constituição Federal, é muito difícil e que governos sem maioria parlamentar tendem a não se sustentar. Mas afirmou também que "é preciso cumprir o tão difícil sistema político brasileiro com ética". "Eu não gostaria que, a dez dias da eleição, o jovem brasileiro desacreditasse da política por causa do erro de um ou de outro", disse a ministra.

Gilmar Mendes lembrou que, na época anterior à deflagração do escândalo do mensalão, entre 2003 e 2004, houve várias migrações de políticos para partidos que, depois, foram acusados de receber dinheiro. "Em 30 dias houve 14 migrações para o PL", exemplificou, citando o atual PR. Para o PTB, houve mais de 30 migrações. Para o PP, 11.

No intervalo da sessão de ontem, o ministro Marco Aurélio Mello levantou a possibilidade de Joaquim Barbosa não ser eleito à presidência da Corte. "Eu fico preocupado diante do que percebo no plenário", disse. "O presidente deve ser algodão entre metais e não um metal entre os metais", completou, referindo-se às discussões tensas entre Barbosa e Lewandowski durante o julgamento do mensalão. A tradição na Corte é a de a eleição para a presidência ser tratada como mera formalidade. Sempre é eleito para o cargo o ministro que está há mais tempo no STF e ainda não exerceu a presidência. Seguindo essa ordem, Barbosa será o próximo presidente. Pela tradição, a eleição seria feita apenas para confirmar o seu nome. Mas Marco Aurélio advertiu que esse modelo não é automático. "Não é por aclamação. As cédulas são distribuídas e há votação", disse.