Título: Bolívia insiste em ter a posse dos ativos das petrolíferas
Autor: Schüffner, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 25/10/2006, Brasil, p. A4

Na reta final das negociações entre as companhias petroleiras e o governo da Bolívia - faltam quatro dias para o prazo final estabelecido pelo Decreto Supremo de nacionalização -, a negociação não avançou em relação aos pontos mais polêmicos do contrato, como a posse dos ativos e a transferência de eventuais arbitragens dos tribunais internacionais para La Paz. Fontes que acompanham as negociações, ouvidas pelo Valor, reconhecem alguns (pequenos) avanços em relação à minuta original, mas no geral, a impressão é que ainda persistem "graves problemas", como resumiu o executivo de uma grande empresa.

A Bolívia insiste em pontos que constavam da primeira versão do contrato recebido pelas empresas (e comentado por fontes do setor em matéria publicada pelo Valor em 18 de setembro) e que é muito semelhante à versão divulgada ontem pelo jornal boliviano "La Prensa" (quadro ao lado). O governo de Evo Morales propõe, por exemplo, que a propriedade dos ativos de produção de gás e petróleo, incluindo equipamentos das empresas ali instaladas, passem para a estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), que não teria nenhum ônus com essa "transferência". Além da Petrobras, a Bolívia está negociando com mais nove empresas.

Caso isso seja levado adiante, aparentemente a Petrobras, Repsol e Total teriam de ceder para a estatal boliviana, entre outros ativos, a propriedade de um gasoduto que liga a região de Yacuíba (onde estão os campos de San Alberto e San Antonio) a Rio Grande, onde começa o Gasbol. Esse exemplo, considerado descabido no Brasil, mostra o nível de dificuldade nas negociações. Tanto que há quem preveja que os contratos, se forem mesmos assinados até sábado, terão vários cláusulas inconclusas, relativas ao modelo econômico. "Uma companhia pode resolver assinar só para ganhar tempo", diz uma fonte.

Executivos da Petrobras, em outras ocasiões, já afirmaram que a empresa não tem interesse em ficar no país vizinho apenas como uma prestadora de serviços.

Outro ponto ainda sem solução diz respeito ao atendimento obrigatório e prioritário do mercado doméstico boliviano. "Eles querem uma cláusula obrigando as companhias a atenderem o mercado em qualquer condição. Mas há um risco, no caso da produção em um campo novo, de o governo decidir oferecer gás subsidiado à população sem nenhuma remuneração do investimento", exemplifica.

A Bolívia também quer que os contratos estabeleçam que no caso de não cumprimento da cláusula de atendimento doméstico, o campo de gás seja tomado pela YPFB. "E se a empresa desistir dos contratos no meio do caminho, tem de entregar os ativos para YPFB sem remuneração", explicou.

Outro ponto de discórdia é a intenção da Bolívia de levar as companhias a desistirem de uma cláusula - que consta no atual contrato - que elege um tribunal internacional para resolução de controvérsias comerciais. O governo de Evo Morales pretende transferir o palco de qualquer disputa futura para La Paz, mas as companhias não concordam.

O contrato em vigor prevê que qualquer disputa tem de ser discutida no Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos, que é um órgão para resolução de controvérsias do Banco Mundial. E caso a Petrobras tenha que recorrer a esse tribunal, vai se abrigar em um acordo de proteção de investimentos firmado entre a Bolívia e a Holanda, sede da Petrobras Netherlands, que controla os ativos da estatal brasileira naquele país, já que o Brasil não tem acordo similar com a Bolívia. Esse não é o caso da espanhola Repsol, da francesa Total ou da inglesa BG, só para citar algumas empresas afetadas pelo decreto.

Além dos os contratos de exploração e produção de gás e petróleo, a Petrobras ainda terá de negociar a indenização para entregar as duas refinarias que controla para a YPFB e o reajuste do preço do gás que é importado pelo Brasil.