Título: 'Fogo amigo' atinge rival de Chávez perto da eleição
Autor: Murakawa , Fabio
Fonte: Valor Econômico, 04/10/2012, Internacional, p. A13

O eleitor desavisado do candidato de oposição na Venezuela, Henrique Capriles, poderá votar errado no domingo. Isso porque a cédula eleitoral (veja imagem), que exibe repetidas vezes os rostos dos candidatos sob o logotipo de cada partido que o apoia, não reflete uma série de baixas recentes na coligação do principal rival do presidente Hugo Chávez.

Essas baixas, além de confundirem o eleitor, sugerem que parte da oposição prefere uma vitória de Chávez, há 14 anos no poder, a um triunfo de Capriles. Segundo fontes, há vários motivos possíveis para isso. Dentre eles, a saúde do presidente, que se diz curado de um câncer contra o qual vinha lutando desde meados do ano passado.

Pelo sistema eleitoral venezuelano, um híbrido entre votação eletrônica e convencional, os eleitores pressionam em uma tela sobre o rosto de seu candidato e de seu partido preferidos. Depois, recebem um papel impresso com o voto e o depositam em uma urna.

No dia 11 de setembro, porém, os partidos Vota Piedra, Cambio Pana e Manos por Venezuela retiraram oficialmente seu apoio a Capriles. Como o prazo para mudanças da cédula eleitoral se esgotara em 23 de julho, os votos dados a essas legendas não serão contados, apesar de elas ainda aparecerem na cédula com o rosto do candidato opositor. Ou seja, quem pressionar a imagem de Capriles sob esses três partidos terá o voto anulado.

Mais bizarro é o caso dos eleitores votarem na legenda Unidad Democrática, sob cuja bandeira também figura o rosto de Capriles na cédula eleitoral. Como o partido anunciou apoio a Reina Sequerra, os votos dados a essa legenda serão contabilizados a favor dessa candidata nanica, apesar de a foto ser de Capriles. Outra coincidência ruim para Capriles é que o nome dessa legenda é muito parecido com o da Mesa de Unidade Democrática (MUD), a coligação opositora que o apoia. A MUD reúne mais de 20 partidos, da extrema esquerda à extrema direita, dentre eles legendas tradicionais como o Copei e a Ação Democrática (AD), que se revezaram no poder durante décadas antes de Chávez chegar à Presidência, em 1999.

O "fogo amigo" contra Capriles ficou mais evidente na semana passada, quando um importante dirigente do Copei, Aldo Cermeño, anunciou em rede nacional que retirava seu apoio pessoal à candidatura de oposição. Cermeño, um ferrenho crítico do chavismo, fez mais que isso. Disse que Capriles representava "não um projeto de governo, mas o projeto de um partido" e declarou, para o espanto de todos, seu apoio a Chávez. A justificativa foi a de que Capriles tentava se parecer demais com o atual presidente para vencer a eleição. "Entre a cópia e o original, eu fico com o original", disse Cermeño, que foi deputado e governador do Estado de Falcón entre 1989 e 1995.

Ontem, foi a vez de outro histórico rival de Chávez, o deputado opositor William Ojeda, declarar seu voto no presidente. "Abertamente, chamo [os eleitores] a votar no candidato Hugo Chávez por duas razões essenciais: pela garantia que ele brinda à ênfase social nas políticas públicas e porque, em sua gestão, haverá estabilidade institucional no país", disse Ojeda.

Ele já havia sido expulso de seu partido, Un Nuevo Tiempo, por ter apoiado o debate sobre um suposto "pacotaço neoliberal", trazido recentemente à tona por chavistas e que supostamente estaria no programa de governo de Capriles, que nega sua autoria.

Segundo fontes, a saúde do presidente Chávez pode estar por trás dessa divisão recente na oposição. Pela Constituição venezuelana, se o presidente se afastar nos primeiros quatro anos de mandato, seu vice assume o cargo, mas novas eleições devem ser convocadas imediatamente. Caso o afastamento ocorra nos dois últimos anos de mandato, o vice assume, e o cronograma eleitoral é mantido. "O que temos que levar em conta é que o presidente está muito, muito doente", disse um empresário ligado à oposição, sob a condição de anonimato, sugerindo que Chávez pode não ter saúde para completar um novo mandato de seis anos. Por esse raciocínio, interessa mais a parte da oposição enfrentar um chavismo sem Chávez do que entregar o poder a Capriles, cujo partido, Primero Justicia, é novo na cena política venezuelana.

Mas essa versão não é unânime. Para uma importante figura do chavismo, há uma insatisfação na coalizão opositora, sobretudo entre quadros da AD e do Copei. "A equipe de Capriles está totalmente desvinculada dos partidos que o apoiam. Quem sustenta Capriles é um grupo econômico, conformado por grandes empresários, mais que um grupo político."

Uma fonte do governo brasileiro corrobora em parte com essa visão. "Não sei se por estratégia própria ou por uma posição política, Capriles deixou em segundo plano o pessoal da AD e do Copei", diz. "Em termos de marketing político eles estão muito associados ao passado."

Uma fonte próxima a Capriles, porém, diz que o interesse de Cermeño e Ojeda pode ser outro. "Eles nunca fizeram parte da campanha e têm o preço deles", diz. "Para nós, é uma perda zero. Capriles não faz parte dessa velha guarda de políticos, que pensa mais com o estômago do que com a cabeça."