Título: O mapa da ideologia da Câmara dos Deputados
Autor: Roma, Celso
Fonte: Valor Econômico, 25/10/2006, Opinião, p. A14

Um mapa da ideologia permite visualizar a posição que os partidos políticos efetivamente ocupam na Câmara dos Deputados. Por meio dele, também é possível detectar sinais de perigo na conduta partidária, como a falta de coerência entre a ideologia professada e a postura nas votações do plenário. O desempenho dos partidos nesse aspecto pode ser avaliado como positivo em se tratando da 49ª à 51ª legislatura. Entretanto, o alarme soou na 52ª, durante o primeiro mandato do presidente Lula.

Em primeiro lugar, a tarefa de classificar os partidos é um desafio e tanto. Seus filiados têm dificuldade em se autoposicionarem na escala ideológica, porque o referencial que utilizam está obsoleto. Parlamentares tendem a associar direita ao conservadorismo e esquerda à oposição ao governo, devido à vivência de um regime autoritário em décadas precedentes, e desconsideram que o conteúdo da agenda política do país mudou com a inclusão de alguns temas e a exclusão de outros. Apesar disso, segundo as pesquisas realizadas no Congresso, dois pequenos grupos de deputados se localizam nas extremidades da escala, enquanto a maioria se situa ao centro, atribuindo a si um perfil incompatível com as opiniões que eles expressam nas entrevistas. O comunicado que os políticos fazem sobre a sua ideologia está impregnado de juízo de valor. Por tais motivos, recomenda-se que os partidos sejam hierarquizados com base em seu comportamento observado nas votações da Câmara a respeito do conjunto de projetos de lei, proposta de emenda constitucional, apreciação de veto, entre outras matérias apreciadas. Um programa estatístico foi usado para processar os votos nominais dos deputados e situar sua legenda no espaço político. Essa estratégia de análise revelou-se eficaz, não obstante a ressalva de que a agenda de votações é controlada pelo Colégio de Líderes e pelo presidente da República, resultando em que o mapa capture basicamente a reação dos partidos às iniciativas do governante.

A ilustração a seguir mostra a posição que os partidos marcaram na Câmara dos Deputados entre 1991 e 2004. O eixo vertical do gráfico denota, salvo engano, uma escala da esquerda à direita; o eixo horizontal, cada ano de sessão legislativa; e as linhas, o posicionamento de um partido em relação aos demais.

-------------------------------------------------------------------------------- Em alguns momentos a intensa movimentação dos partidos é aceitável, mas preocupa a incoerência de algumas legendas --------------------------------------------------------------------------------

Neste mapeamento, nota-se a rivalidade entre um ajuntamento de centro-direita e um de esquerda cujos integrantes podem ser facilmente identificados por sua sigla partidária. O aspecto do gráfico sugere que a distância entre esses grupos é apenas moderada e que os partidos tendem a manter sua posição relativa uns aos outros. Na direita figura o PFL. De início posicionado ao centro, o PSDB deslocou-se para a direita no governo Fernando Henrique e desde então aí permanece, junto com seu parceiro de longa data. O PDS/PPR/PPB/PP, além de confundir o eleitorado com a mudança de nomenclatura, está caminhando paulatinamente da direita para o centro. No centro localiza-se o PMDB devido à divisão interna de suas bancadas, uma parte pende para a direita e outra, para a esquerda. No centro-esquerda residem o PSB e o PPS (mais centralizado). No setor da esquerda, o PT se manteve por um longo período no extremo da escala e, no governo Lula, inclinou-se para o meio, posição mais compatível com a moderação do seu discurso e programa de governo. Os partidos trabalhistas foram os únicos que literalmente saltaram de um campo ideológico a outro. O PDT, de orientação esquerdista, rumou para o centro-direita, enquanto o PTB seguiu em direção contrária. Embora sejam pouco representativas junto ao eleitorado (e foram excluídas do mapa para torná-lo legível), as pequenas siglas - PCdoB, PSTU, PV, Prona, entre outras - posicionam-se de forma coerente com o perfil que lhes é atribuído. O PL é uma exceção entre elas, movendo-se da direita para o centro e deste setor para o centro-esquerda.

A movimentação das legendas no espaço político é aceitável sob certas circunstâncias, como a observada após o afastamento do ex-presidente Fernando Collor em 1992, quando os principais partidos, com exceção do PT, deixaram de lado suas diferenças e convergiram para o centro na tentativa de salvaguardar o governo Itamar Franco de uma crise institucional. O que preocupa é a incoerência revelada atualmente por alguns partidos. Na atual legislatura, o PDT, o PP, o PTB e o PL rabiscaram um pedaço do mapa, desmanchando parte do arranjo partidário em consolidação. Nesse momento, pedetistas opõem-se a um governo de centro-esquerda, encabeçado por um partido com o qual se aliou em anos anteriores. Pepebistas, petebistas e peelistas antes apoiavam governos de centro-direita e agora sustentam um de centro-esquerda, fato que constitui forte indício de cooptação pela oferta de cargos e verbas governamentais, pois não parece crível que eles se converteram de uma hora para outra. Alguns deles foram castigados na eleição de 2006. O PL, apesar de ter competido com a chancela do governo, levou uma lição das urnas ao ser contido pela cláusula da barreira. O PTB teve o mesmo destino. O PDT escapou dela por um triz. O PP saiu ileso, por ora.

Em poucas palavras, é necessário analisar a evolução do posicionamento dos partidos no mapa da ideologia para que os oportunistas sejam identificados e punidos nas próximas eleições para Câmara dos Deputados. Cabe aos eleitores resolver mais um problema político causado por seus representantes.

Celso Roma é doutor em ciência política pela USP e e especialista em estudos legislativos.