Título: Declarações de mineiro provocam mal estar no PSDB
Autor: Totti, Paulo
Fonte: Valor Econômico, 25/10/2006, Especial, p. A16

As declarações do governador Aécio Neves a favor de um diálogo entre governo e oposição já no dia seguinte à eleição presidencial, independentemente de quem vencer, desagradou integrantes da cúpula do PSDB. A reação a uma aproximação é mais forte em São Paulo. Lideranças expressivas do partido avaliam que a estratégia de Aécio é manter a porta aberta para o diálogo com o governo, enquanto se prepara para ser o grande opositor em 2010, caso Lula vença as eleições.

Os aliados do governador eleito de São Paulo, José Serra, trabalham com o cenário de um clima politicamente acirrado pós-sucessão. "O clima não é determinado pela vontade dos contendores, mas por fatos objetivos, como os que acontecem no país desde o episódio do mensalão", afirmou o vice-governador eleito de São Paulo, Alberto Goldman.

Segundo Goldman, "nada indica que teremos a mesma transição tranqüila que marcou o cenário de quatro anos atrás". O tucano paulista procurou demarcar distância entre Aécio Neves e os demais governadores em relação ao conjunto do partido. "Os partidos não são um instrumento do Executivo. Os governadores têm que ter uma relação institucional com o presidente, mas a relação política é outra, onde as tensões vão continuar", disse. O futuro vice-governador de São Paulo descredencia os possíveis interlocutores do lado petista. "Eles perderam a respeitabilidade. Lá, não se salva ninguém", disse.

Secretário-geral do PSDB, o deputado Eduardo Paes (RJ) afirmou que não só Aécio, mas o próprio Serra devem atuar com moderação em relação ao governo federal, mas duvida da eficácia de manobras pacificadoras. "Não faz parte do script nem de Aécio e nem de Serra um 'day after' complexo. O problema é a bagunça que o governo se meteu, já que as investigações não vão parar", afirmou.

Será que o dia seguinte ao da eleição terá o condão de sumir com o Lorenzetti?", perguntou o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), referindo-se ao ex-chefe da área de inteligência da campanha de Lula à reeleição, Jorge Lorenzetti, apontado como responsável pela negociação de um dossiê antitucanos com Luiz Antônio Vedoin, empresário envolvido na máfia das compras superfaturadas de ambulância.

Uma das principais críticas dos tucanos ao governador mineiro diz respeito ao momento em que Aécio escolheu para lançar a proposta de diálogo. "Ainda estamos em clima de eleição e este momento é o da disputa. O PSDB tem que ser repensado mesmo, mas tudo isso é pós-eleitoral. Depois da eleição, o vencedor vai anunciar proposta, os governadores vão se encontrar e sempre haverão os adesistas, por trás de uma proposta de preservação da governabilidade", afirmou o deputado Arnaldo Madeira (SP).

Em reserva, outros deputados tucanos reagiram negativamente à iniciativa de Aécio, argumentando que, ao defender uma agenda de governadores de todos os partidos, que incluiria reformas política e tributária, Aécio está se antecipando como interlocutor e desvalorizando o papel da Câmara. A Casa, segundo eles, não poderia ficar sujeita a agendas do governo federal ou de governadores.

Virgílio discordou da avaliação de Aécio, segundo a qual o cenário atual é "o pior" desde que ele começou a fazer política. "Eleição é assim mesmo: acirrada", disse. Para o líder, a oposição ao governo nunca impediu que o PSDB votasse a favor de propostas importantes ao país.

No Planalto, a reação foi de cautela. O governo federal só concorda em conversar sobre a reforma tributária dos governadores, proposta ontem, no Valor, por Aécio Neves, depois de cessadas as negociações para votação do texto em tramitação há quase quatro anos no Congresso. E coloca mais uma condição: a discussão tem que envolver os prefeitos, que pressionam pelo aumento de um ponto percentual no Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Caso contrário, apesar de todos os lados considerarem que a reforma é imprescindível, ela continuará parada no Parlamento, sem acordo para votação.

O debate sobre a reforma tributária já dura mais de uma década no Congresso e pouco avançou. No início de 2003, Lula foi até a Câmara, junto com os 27 governadores, para levar a proposta do Executivo que tinha como eixo central a unificação da legislação do ICMS e a redução de 44 para quatro, cinco ou seis o número de alíquotas (dependendo das negociações políticas) para combater a guerra fiscal. O mandato está acabando, Lula já prometeu aos empresários que fará a reforma caso seja reeleito mas, até o momento, só foram prorrogadas a Desvinculação das Receitas da União (DRU) e a CPMF, que já precisam de nova prorrogação. Pontos importantes como o Fundo de Desenvolvimento Regional, a própria unificação do ICMS e a compensação dos Estados por conta das perdas com a Lei Kandir ficaram parados, sem avanços.