Título: Em Minas Gerais, ninguém mais o chama de 'Aècinho'
Autor: Totti, Paulo
Fonte: Valor Econômico, 25/10/2006, Especial, p. A16

Nos últimos trinta anos, Minas Gerais abrigou governadores com espécies distintas de virtudes e defeitos: são bons políticos e maus administradores, ou bons administradores e maus políticos. Tancredo Neves e Itamar Franco pertenceriam à primeira categoria. Hélio Garcia e Eduardo Azeredo, à segunda.

"Aécio tenta superar o descompasso, ser bom político e bom administrador. E está conseguindo". A opinião não é de um marqueteiro da campanha para a reeleição de 2006. Nem mesmo dos aspirantes a marqueteiro que já começam a aparecer para a campanha presidencial de 201O. A "constatação" é de Otávio Dulci, cientista social e cientista político da Universidade Federal de Minas Gerais, o mais velho dos dez irmãos Dulci, entre os quais se destaca Luiz, o único ministro com gabinete no mesmo andar e a trinta metros de onde despacha o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto.

Neto de Tancredo Neves, filho do ex-deputado federal Aécio Cunha (hoje, fazendeiro no Vale do Jequitinhonha), enteado de Gilberto da família dos banqueiros Faria, primo do ex-ministro da Fazenda Francisco Dornelles (PP-RJ, eleito senador), ex-freqüentador mais assíduo de casas noturnas em Ipanema e Leblon, no Rio, do que de bares em Savassi e Santa Tereza, em Belo Horizonte, divorciado pai de Gabriela, 15 anos, Aécio da Cunha Neves, 46, adquiriu tal estatura no governo do Estado "que ninguém mais o chama de Aècinho", segundo Otávio Dulci.

Aécio elegeu-se deputado constituinte aos 23 anos, em 1988, e a vida alegre de Brasília não abafou o herdado instinto político. Foi dele a emenda constitucional do direito de voto aos 16 anos. Voltar à Câmara e eleger-se presidente da Casa seria uma sequência natural para quem tinha ainda pouca experiência de palanques, mas capital imenso para gastar nos bastidores. Até mesmo a frustrada tentativa de ser prefeito de Belo Horizonte, em 1992 (quarto lugar numa eleição vencida pelo atual ministro de Desenvolvimento Social, Patrus Ananias), serviu para dar musculatura a um político com ambição de disputas mais duras.

Começava a onda hegemônica do PT na capital mineira, que perdura até hoje, e não bastou ser neto-secretário de Tancredo. A derrota deu-lhe humildade e seqüela disso é o elegante cacoete de evitar parecer arrogante. Usa no "minha opinião", "penso eu", "na limitação de minhas forças", "acho", "no meu modesto entender", com tanta frequência que essas expressões são as primeiras a desaparecer quando a transcrição de suas entrevistas começa a exceder o espaço das páginas em que serão publicadas. E isso lhe confere outra característica, mineiríssima, de quem faz política como um atleta olímpico de florete, atinge o adversário, mas não o fere, deixa-o sentir-se em condições de enfrentar um novo combate... ou aliar-se ao vencedor.

Essas eram as virtudes que se esperavam que Aécio exercitasse, eleito governador em 2002. A primeira surpresa foi a constituição do secretariado. Poucos políticos e muitos técnicos. Dentre os últimos, alguns com perfeita adaptação à política, como Wilson Brumer, secretário do Desenvolvimento Econômico, executivo de multinacionais que hoje se orgulha de ter sob sua jurisdição a Cemig, "prova cabal de que uma estatal pode ser bem administrada, dispensando a privatização".

Outro técnico, José Augusto Anastasia, Secretário de Planejamento e Defesa Social, se ajustou tanto à equipe, que Aécio, em engenhosa formação de chapa para a reeleição, lhe deu o lugar de vice e ele será o governador por nove meses, se houver a desincompatibilização em 2010. O vice atual, Clésio Andrade, acabou suplente do candidato a senador Eliseu Rezende (PFL), mas dona Adriene Barbosa Andrade, que pretendia ser senadora, foi nomeada conselheira do Tribunal de Contas (R$ 22 mil mensais).

A segunda surpresa foi a habilidade com que Aécio associava política e administração. Já no primeiro mês de governo, mandou selecionar, em cada um dos 853 municípios do Estado, a obra - ou serviço - que a população mais desejava. Atendeu a todos, segundo um assessor.

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Competente, audaz, moderna, foram os adjetivos atribuídos à administração de Aécio durante estes quatro anos. Quando anunciou déficit zero nas contas do Estado, foi a Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) que patrocinou a campanha comemorativa. Seu extenso balanço inclui crescimento de 4,2% no PIB regional em 2005, contra média nacional de 2,3%: o recorde de exportações de janeiro a julho de 2006 de US$ 8,44 bilhões e, como declarou ao Valor na edição de ontem, um crescimento no emprego industrial superior ao de São Paulo em 2005 - dados corretos do Caged: a indústria de São Paulo empregou em 2005 78.033 pessoas, 3,67% a mais que no ano anterior; a indústria de Minas Gerais empregou 28.396, 4,86% a mais que no ano anterior).

O resultado eleitoral é que Aécio somou 7.482.809 votos em 1 de outubro (77,03%) . Seu adversário, Nilmário Miranda, do PT, ex-ministro de Lula, foi o segundo, com minguados 2.140.373 (22,03%). Com tais dados, Marcos Coimbra, diretor do instituto Vox Populi, conclui que nesta temporada de votos, há dois nítidos vencedores no Brasil inteiro: Aécio e Lula. Isso alimenta a certeza em todos os círculos políticos de Minas de que Aécio já é candidato e está em campanha para 2010, com a intenção, segundo Henrique Hargreaves, fiel ministro da Casa Civil no governo Itamar Franco, de "fechar Minas" e partir para a Presidência com até 90% dos vôos no segundo colégio do país.

É possível Aécio "fechar Minas", unificar o Estado eleitoralmente em 2010?, Valor perguntou a Fernando Pimentel, expressão influente do PT nacional e prefeito bem avaliado de Belo Horizonte. "Aécio está qualificado para ser presidente. Pode-se dizer o mesmo de José Serra ", respondeu Pimentel. Mas fez ressalvas: "Minas conta muito na política nacional e Aécio sabe explorar um sentimento mais ou menos generalizado de Estado relegado -digo sentimento, porque, na realidade o governo Lula foi uma mãe para Aécio, que não pode se queixar do apoio federal. Mas para fechar Minas ele terá que conversar com outras forças políticas importantes do Estado. E as expressões importantes da atual política de Minas, à exceção de Aécio, estão todas do nosso lado: José Alencar, Patrus Ananias, Hélio Costa....(Fernando omite a auto-referência).

Para que haja entendimento com Aécio, não basta ser mineiro, o que já seria bom, ou, mesmo, ser qualificado, mas é preciso mais: sabermos o que pensa, por exemplo, sobre a área social, política externa, função e missão do Estado. A prática política na segundo mandato vai sinalizar mais do que boas palavras ou relacionamento afável".

Enquanto os eleitores de Aécio alimentam a esperança de "fechar Minas" e até obter o apoio de Lula para 2010, Aécio atua no sentido de aumentar a influência dentro do seu partido, o PSDB - que não pretende abandonar, tem-se como certo. Aos que testemunham suas aparições ao lado de Geraldo Alckmin - ontem, o candidato tucano à Presidência da República completou a décima sétima viagem a Minas desde o início da campanha no 1 turno -, é evidente o empenho do governador reeleito em demonstrar-lhe apoio.

Para a recepção a Alckmin na semana passada, em Uberaba, onde o tucano derrotou Lula por exatos 15 votos (68.390 contra 68.375), Aécio atuou com militante entusiasmo: pediu apoio do presidente da Federação da Agricultura; mobilizou as associações de criadores de gado da região; providenciou os salões do Royal Buffet, luxuosa casa de eventos e manteve mobilizado o esquema de sua própria campanha: 48 rapazes e moças viajaram 10 horas de ônibus de Belo Horizonte a Uberaba para sacudir grandes bandeiras à entrada da reunião-comício.

Carla, uma das figurantes, disse que fazia tudo de graça, por simpatia a Geraldo. Já José, "me chamam Juca", ex-agente de segurança, 62 ,aposentado, disse que ganhava R$ 450 por mês para participar da campanha. "Essa graninha ajuda a aposentadoria de salário mínimo". De Uberaba, Aécio e Alckmin viajaram para Varginha e de lá para Santa Catarina. Ontem estavam ambos em Belo Horizonte e hoje em São Paulo.

Ao acompanhar Alckmin em outros estados, Aécio aumenta sua exposição no PSDB nacional como leal e esforçado companheiro. Ao percorrer Minas, porém, cumpre um outro objetivo: impedir que se amplie no Estado a vantagem do primeiro turno de Lula sobre Alckmin: 5.192.439 (50,8%) contra 4.151.507 (40,62%). Os maliciosos podem interpretar essa ampliação como uma adesão não revelada do governador reeleito à fórmula Lulécio, que Aécio, publicamente repudiou. Os institutos de pesquisa não revelam os dados estaduais que compõem os índices do Sudeste publicados. Marcos Coimbra limita-se a afirmar que, "em geral, seguem a tendência nacional".(Colaborou Ivana Moreira, de Belo Horizonte)