Título: Mercado livre ainda está restrito a grandes consumidores
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Fonte: Valor Econômico, 25/10/2006, Caderno Especial, p. F2

Em novembro de 1999, a Carbocloro deu um passo pioneiro no mercado de energia elétrica, tornando-se a primeira consumidora livre do país. A decisão abria a oportunidade para que a empresa do setor de cloro-soda, cujos gastos com as contas de luz superavam 30%, pudesse ter maior liberdade e poder de negociação na escolha do fornecedor de um de seus principais insumos de produção.

O contrato da empresa, que tem sede em Cubatão (SP), foi acertado com a paranaense Copel. Sete anos depois, a Carbocloro hoje é atendida pela Cesp, mas não está mais sozinha no mercado livre.

Números da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) apontam que existem mais de 500 consumidores livres hoje no país, respondendo por cerca de um quinto da energia consumida. A principal razão da migração do mercado cativo - atendido pelas distribuidoras e sem a possibilidade de escolher o fornecedor - para o livre é a redução nas contas de luz, que ficam entre 10% e 20%, em média, mais baratas. O crescimento de participantes, no entanto, tem perdido fôlego nos últimos meses. "Existem muito poucas empresas que não aproveitaram essa oportunidade", afirma o sócio da Comerc, Cristopher Vlavianos.

Criado e desenvolvido o mercado livre, agora surgem três novas questões: como ampliá-lo trazendo novas empresas e novos setores econômicos, aumentando a competitividade de quem ainda não tem livre escolha? É possível aumentá-lo, incorporando pequenas e médias empresas que têm menor capacidade de gestão do que as maiores?

Hoje o mercado livre está restrito ainda aos grandes consumidores de energia. As empresas ligadas à tensão igual ou superior a 69 kV e com demanda maior que 3 MW podem tornar-se livres. Já quem tem demanda superior a 500 kW tem uma opção especial, mas pode buscar apenas as fontes alternativas, um mercado ainda restrito. Pequenas e médias indústrias, hospitais, hotéis, grandes redes de varejo e shoppings estão de olho nessa questão. "Quanto mais opções nós tivermos, melhor. Ainda mais com um cenário de médio e longo prazos apontando para preços mais altos", diz o superintendente da Associação Brasileira da Indústria do Vidro (Abividro), Lucien Belmonte.

"Nem uma dezena de hospitais, shoppings ou hotéis que tenho conhecimento se tornaram consumidores livres", afirma o presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Paulo Mayon. Por que isso ocorre? Algumas empresas ainda têm contratos com suas distribuidoras, mas expirando em 2007 e 2008 - desse universo alguns já estudam a migração para o mercado livre, assim que o contrato com a distribuidora estiver encerrado. Outros conseguiram tarifas especiais, mais baixas, das distribuidoras, mas essa redução não será eterna. "Esses contratos especiais estão baseados em bases antigas, quando a energia estava mais baixa, e a tendência, como vivemos um período de formação da nova energia, é de que os preços subam", diz Mayon.

Há duas articulações entre empresários e comercializadoras visando à ampliação do mercado livre, que hoje responde por 25% da carga de energia do país (estimativas apontam que, com novas regras, a expansão de consumidores livres poderia dobrar essa carga nos próximos anos). Uma está em discussão na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Trata-se da audiência pública 33, que considera que as cargas de energia de diversas unidades de uma mesma empresa possam ser somadas para que se atinja demanda igual ou superior a 500 kW, o que permitiria que elas pudessem se tornar livres e buscar energia em fontes alternativas, como pequenas centrais hidrelétricas (PCH) ou biomassa, cuja implementação é mais ágil. Ou seja, uma rede de locadoras, bancos, cadeia de hotéis e de lojas poderiam se beneficiar com a regra. A minuta da resolução foi lançada em 2005. As audiências públicas foram feitas no fim daquele ano. Agora ela está em discussão final e a diretoria da agência, que deve se reunir para discutir o tema em novembro, poderá divulgar uma resolução sobre o tema até o fim deste ano.

Em outra frente, as comercializadoras e indústrias buscam ampliar os limites de demanda e tensão para que mais empresas possam ingressar no mercado livre. "Não existe um cronograma para que a ampliação seja concretizada", diz Vlavianos. Uma das idéias presentes seria a redação de um novo cronograma que buscasse a redução da demanda de 3 MW para 2 MW já em 2008. A partir daí novas reduções na demanda poderiam ser feitas. "Isso permitiria que empresas pudessem fazer o planejamento", diz o sócio da Comerc.

A ampliação do mercado livre também seria uma forma de resolver um problema de isonomia entre empresas que têm opções a mais na hora de escolher de quem compram energia e as que só podem comprar de sua distribuidora.

O fim do racionamento e a posterior queda no consumo total do país trouxeram uma sobra conjuntural de energia no mercado, o que despertou a atenção de indústrias pelo país afora para ingressar no mercado livre, no qual os preços de energia estavam muito mais baixos que no mercado cativo. O número de clientes livres, que no início de 2001, não superava os 10, explodiu rapidamente, hoje ultrapassando 500. Ampliar o universo, no entanto, não é tarefa simples.

As distribuidoras poderiam sofrer uma queda em seu faturamento, que vem se recuperando desde o racionamento, quando as elétricas viveram momentos turbulentos. Outro ponto é que os impostos - municipais, estaduais e federais - representam quase metade da conta de luz. Ao lado da ampliação do mercado livre, reduzi-los seria outra forma de ampliar a competição e reduzir os preços. (R.R.)