Título: Problemas vêm da 'herança maldita'
Autor: Melloni, Eugênio
Fonte: Valor Econômico, 25/10/2006, Caderno Especial, p. F3

O governo federal manda um recado aos autoprodutores de energia elétrica: o segmento é considerado um dos protagonistas do atual modelo do setor elétrico e deverá continuar a ter papel relevante no próximo governo, se Lula se reeleger. "A visão deste governo e do próximo é a de que os autoprodutores são fundamentais para a sustentabilidade do setor energético", enfatiza Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estatal criada para cuidar do planejamento do setor elétrico.

No Ministério de Minas e Energia, o discurso é o mesmo. "Os grandes consumidores industriais figuram entre os protagonistas do novo modelo institucional do setor elétrico, adotado por esse governo", lembra uma fonte do ministério que prefere não se identificar. "A atuação deste segmento é essencial para o dinamismo do ambiente de contratação livre", acrescenta.

O ministério e a EPE mantém o discurso afinado também ao rebater as críticas de especialistas e representantes de segmentos da indústria e do setor energético relacionadas, principalmente, ao cenário atual para investimentos em autoprodução, com as dificuldades para a viabilização de empreendimentos já licitados e com a elevação dos preços dos energéticos. Para os dois órgãos, parte significativa dos problemas enfrentados atualmente pelos autoprodutores redunda de falhas do modelo institucional implementado no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso.

Em relação à expansão do setor elétrico, o governo federal reconhece que grande parte das concessões de hidrelétricas obtidas por grandes consumidores industriais no governo passado não foi implementada, seja devido a problemas ambientais, seja porque ocorreram mudanças de expectativas desses agentes. Segundo a fonte do Ministério de Minas e Energia, "os autoprodutores foram induzidos ao erro pelo governo anterior, impelidos a assumir projetos com elevada incerteza ambiental e pagar ágios exorbitantes".

Segundo a mesma fonte, existem atualmente 2.700 MW em usinas hidrelétricas em poder de investidores como Alcoa, Cia. Vale do Rio Doce e Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) que não foram agregados ao sistema. "Com as ações do governo as licenças ambientais estão sendo obtidas e os empreendimentos estão acontecendo", disse o representante do ministério.

"O governo anterior fingia que estava expandindo o setor. Licitava o projeto, dizia que tinha obtido ágio, mas na verdade criava um problema para o empreendedor, que tinha de viabilizar o projeto, e para a área ambiental", complementou o presidente da EPE, que paralelamente atua como coordenador do programa de governo da candidatura Luiz Inácio Lula da Silva para a área energética. Tolmasquim cita o exemplo da hidrelétrica de Santa Isabel, cuja concessão foi devolvida pelos seus empreendedores, como exemplo da "irresponsabilidade" do governo anterior. "Essa usina estava prevista para um rio virgem e, segundo o Ibama, não haveria como viabilizá-la", disse Tolmasquim.

O deputado federal José Carlos Aleluia (PFL-BA), que apresentou e defendeu vários projetos na Câmara dos Deputados durante o governo FHC, afirma que o país caminha para um quadro de energia mais escassa e de preços em elevação porque não houve investimentos. Para o deputado, "o governo atual desmontou o modelo do setor elétrico como alguém que desmonta um carro e não sabe remontá-lo". "O atual governo teve quatro anos para resolver esses problemas", disse David Zylbersztajn, que presidiu a Agência Nacional do Petróleo (ANP) no governo FHC.

Desde o início do governo Lula, em 2003, até agosto de 2006, foram agregados ao parque gerador nacional 13.494 MW, que absorveram investimentos de R$ 19 bilhões, pelos dados da EPE. Tolmasquim lembrou que, em 2003, dos 49 projetos de usinas hidrelétricas licitados entre 1998 e 2002, 46, somando 13.037 MW de capacidade instalada, não haviam saído do papel devido a fatores como entraves ambientais e questionamentos judiciais. Segundo ele, desse total, 18 usinas, somando 8.141 MW de capacidade instalada, já tiveram as obras retomadas.

Outras 17 usinas, com 3.744 MW de capacidade instalada, já obtiveram licenças ambientais e estão habilitadas para os próximos leilões de energia nova. O governo trabalha agora, segundo Tolmasquim, para viabilizar as 11 usinas restantes, com cerca de 1.150 MW de capacidade de geração conjunta.

Tolmasquim negou ainda que as regras do novo modelo tenham proporcionado obstáculos à continuidade dos investimentos de autoprodutores em novos projetos de geração no atual governo. "Estamos cobrando um ´fator alfa´ baixíssimo, irrisório, muito menor do que se pagou em ágio no governo passado", disse ele, referindo-se ao ônus criado para os agentes que atuam na geração de energia elétrica que atuam no mercado livre.

A retração dos autoprodutores, segundo ele, foi motivada pela ausência, nos leilões, de projetos de geração que oferecessem energia mais barata, ao gosto destes investidores. Tolmasquim considera que o país atravessa uma "entressafra" na oferta de projetos de geração de energia elétrica de custo baixo, o que pode ser creditado, segundo ele, ao abandono do planejamento da expansão do setor elétrico no governo FHC. A expectativa dele é a de que novos projetos mais adequados às necessidades dos autoprodutores deverão surgir em breve, com a conclusão dos estudos de inventários de rios que estão sendo realizadas pela EPE.

Tolmasquim negou ainda que a elevação do custo da eletricidade que vem sendo registrada nos mercados regulado e livre tenha influência de um maior número de usinas termelétricas no sistema elétrico. "Na verdade, a participação das termelétricas na geração se manteve estável com o passar do tempo", afirmou.

Segundo ele, os preços se elevaram porque praticamente esgotou-se a sobra de energia elétrica que foi criada após o racionamento de energia elétrica, em 2001. "A sobra, que atingiu cerca de 8 mil MW, proporcionou energia mais barata por um período de até três anos", disse ele.

Em relação ao processo de eliminação dos subsídios cruzados existentes na tarifa de energia, Tolmasquim lembrou que esse processo se iniciou no governo anterior. "No início deste governo, reduzimos o ritmo da retirada dos subsídios justamente para não impactar os grandes consumidores", afirmou. O governo Lula postergou de 2006 para 2007 o prazo final para o fim da eliminação dos subsídios cruzados.