Título: Oferta escassa limita projetos de expansão
Autor: Rockman, Roberto
Fonte: Valor Econômico, 25/10/2006, Caderno Especial, p. F4

As grandes indústrias interessadas em realizar expansões de processos que dependam do suprimento de gás natural terão de esperar. "Não há gás disponível no mercado, a não ser para contratos interruptíveis", alerta Luiz Antônio Veiga Mesquita, membro do Conselho Diretor da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace). "Somente se encontrará suprimento contínuo de gás natural em 2010", acrescentou Mesquita.

O diagnóstico dos grandes consumidores industriais encontra ressonância nas previsões da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estatal encarregada do planejamento do setor elétrico. "Existe um real problema em relação ao gás natural", admite o presidente da Empresa de Pesquisas Energéticas, Maurício Tolmasquim. "Enfrentaremos, até 2009, uma situação de oferta limitada", acrescentou ele.

Visto com grande simpatia como um substituto limpo para o poluente óleo combustível na indústria e como alternativa e complemento para o modelo hidrelétrico nacional, o gás natural vive a sua pior crise desde que se iniciou, em meados da década passada, um movimento para a expansão acelerada deste energético a partir das importações da Bolívia. A crise foi deflagrada depois que se descobriu, nos meses de agosto e setembro, que não havia disponibilidade de gás natural suficiente para garantir a operação de usinas termelétricas.

A produção das termelétricas havia sido requisitada com o objetivo de garantir a recuperação dos níveis de reservatórios de algumas hidrelétricas, que haviam sido redirecionados para dar suporte a um quadro de estiagem na região Sul. Dos 5 mil MW de capacidade de geração em termelétricas requisitados para operar nesta situação, apenas 1 mil MW encontraram suprimentos de gás natural para atender à solicitação.

"O que preocupa a indústria nesta situação é a possibilidade de, diante de um suprimento insuficiente de gás natural, ser preterida em relação à geração térmica", afirmou o diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), Adriano Pires. Ele acredita que se ocorrer um cenário de maior crescimento econômico do país, diante do baixo ritmo de entrada de nova capacidade de geração de energia, "a indústria poderá vir a sofrer cortes de suprimento".

Questionado sobre se o gás natural poderá ser direcionado para usinas térmicas, em detrimento do consumo industrial, Tolmasquim admitiu que poderá existir uma certa competição entre os diferentes segmentos consumidores. Mas lembrou que as termelétricas normalmente têm sido acionadas ocasionalmente por pequenos períodos. "Até 2009, se tivermos um bom regime de chuvas, é possível que não tenhamos de utilizar a energia elétrica das termelétricas."

Tolmasquim atribuiu a responsabilidade pelo quadro atual da relação entre oferta e demanda de gás natural ao governo Fernando Henrique Cardoso, lembrando que somente metade das usinas termelétricas do Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT) adotado pelo governo anterior acabou sendo implementada. "Além disso, não previram de onde viria o gás natural para atender a esses projetos, nem definiram a logística necessária para isso", acrescentou.

Ele acrescentou que o governo federal conta, para 2008, com um incremento da oferta de gás natural de 24 milhões de metros cúbicos, provenientes de jazidas da região Sudeste do país. Com esse incremento, a produção nacional deverá elevar-se a 40 milhões de metros cúbicos diários.

Para 2009, a expectativa é de que outros 8 milhões de metros cúbicos diários sejam agregados à produção nacional. No mesmo ano, o Brasil deverá iniciar a importação de 20 milhões de metros cúbicos por dia de Gás Natural Liquefeito (GNL). "Em 2009, a situação estará resolvida", disse ele.

Enquanto a relação entre oferta e demanda não se normaliza no segmento de gás, o que se tem é um cenário de preços crescentes, em boa parte devido à revisão dos valores cobrados pelo gás boliviano sob a visão nacionalista do governo de Evo Morales. De acordo com Pires, desde setembro de 2005 até junho deste ano, o preço do gás boliviano subiu 60%. Neste mês de outubro, ocorreu um novo reajuste, de 2,1%.

"O gás boliviano custa hoje US$ 4,00 por milhão de BTU na boca do poço. Os bolivianos falam em aumentar os preços para até US$ 8,00 por milhão de BTU", disse o consultor e diretor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Pedro Andréa Krepel. "Isso é mais do que o mercado doméstico brasileiro pode suportar", acrescentou. Segundo ele, ao mirar nas cotações praticadas no mercado norte-americano, o governo boliviano está misturando preços do mercado spot com contratos de longo prazo. "Os preços para contratos de longo prazo, como o firmado entre Bolívia e Brasil, são mais baixos que o do mercado spot", analisou Krepel.