Título: Candidatos fazem investimentos conservadores
Autor: Perez , Antonio
Fonte: Valor Econômico, 04/10/2012, Especial, p. A16

Quando o assunto é o próprio bolso, o político brasileiro é, antes de tudo, um conservador. É o que mostra um levantamento do Valor com as declarações de bens dos candidatos a prefeito nas capitais com mais de 1% das intenções de votos nas pesquisas eleitorais. Do mais rico entre eles, o empresário Mauro Mendes (PSB), de Cuiabá, dono de um patrimônio que supera os R$ 115 milhões, ao menos aquinhoado, o professor Pantaleão (PSOL), de Goiânia, cujo único bem é um fusca 1973 de R$ 2 mil, o que se vê é pouca disposição para aplicações financeiras mais sofisticadas.

Se a política é como as nuvens, que exibem um novo formato a cada olhar, o patrimônio dos políticos é composto, em sua maioria, por bens para lá de palpáveis - e quase não se altera. Do total declarado pelos candidatos, que atinge R$ 380,9 milhões, cerca de R$ 102,5 milhões - o equivalente a 26,9% de todos os bens - referem-se a terrenos, propriedades rurais, imóveis urbanos (residenciais e comerciais) e benfeitorias. E esse número é provavelmente muito maior, já que a declaração leva em conta o valor que consta na escritura dos imóveis, e não o chamado valor de mercado - ou seja, quando poderia ser obtido, de fato, pela venda do bem. Outros R$ 178,2 milhões do bolo de R$ 380,9 milhões representam participações diretas dos candidatos como sócios em empresas, seja por cotas ou ações.

Juntos, propriedades imóveis e negócios somam R$ 280,7 milhões - ou 73,7% do patrimônio total. Sobrariam, em tese, R$ 100 milhões para investir. Como mais R$ 13 milhões representam outros bens - como veículos, animais, títulos de clube e obras de arte -, o dinheiro na mão dos candidatos para aplicações financeiras resume-se a cerca de R$ 87 milhões. E na hora de aplicar esses recursos, sobra conservadorismo. Os aportes em renda fixa lideram com R$ 6,702 milhões. ACM Neto (DEM), sexto mais rico, com patrimônio de R$ 13,3 milhões, é o que mais tem dinheiro na modalidade. São R$ 1,183 em produtos do Bradesco e do Banco do Brasil. Dentro do universo da renda fixa, as opções também são convencionais, com os aportes concentrados em Certificados de Depósito Bancário (CDB) de grandes instituições de varejo. O único que destoa entre os candidatos na hora de aplicar é José Serra (PSDB), que briga com Fernando Haddad (PT) por uma vaga no segundo turno em São Paulo. O tucano, cujos bens somam R$ 1,47 milhão, tem R$ 494 mil em Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) emitidas pela Caixa Econômica Federal.

O panorama não muda muito quando se analisa o dinheiro em fundos de investimento. Dos 30 candidatos que declararam ter aplicações na modalidade, apenas três se aventuram para além das carteiras de renda fixa. Gustavo Fruet (PDT), terceiro colocado em Curitiba, é adepto dos multimercados, modalidade mais sofisticada, em que o gestor é livre para aplicar nos mercados de ações, câmbio e renda fixa. Com patrimônio de R$ 2,260 milhões, ele possui R$ 215 mil em fundos multimercados do Itaú. Mauro Nazif (PSB), terceiro na disputa à Prefeitura de Porto Velho, tem R$ 515 mil em um fundo de ações da categoria carteira livre. Daniel Coelho, segundo colocado na corrida em Recife, tem R$ 135 mil em fundos de ações geridos pelo Bradesco.

O valor somado aplicado por todos os candidatos em fundos de investimento, de R$ 43,7 milhões, pode, à primeira vista, impressionar, revelando um gosto dos políticos pela modalidade. Afinal, representaria 11,5% do patrimônio total dos aspirantes a prefeito. Mas o número agregado é enganoso. Dois candidatos concentram as aplicações em fundos. Disparado na liderança está Marcio Lacerda (PSB), favorito à Prefeitura de Belo Horizonte, com um fundo exclusivo (formado só para atendê-lo) de R$ 35,4 milhões. Em seguida, aparece Gabriel Chalita (PMDB), quarto colocado na disputa em São Paulo. Sétimo candidato mais rico, com um patrimônio de mais de R$ 11 milhões, ele declarou ter com R$ 4,8 milhões em um fundo de investimento. Sem contar Lacerda e Chalita, o valor total do patrimônio dos candidatos aplicado em fundos cai para R$ 3,5 milhões. Além de aplicar pouco na categoria, os candidatos, ignoram completamente as gestoras de recursos independentes e acorrem aos grandes bancos de varejo, com liderança inconteste do Banco do Brasil.

O conservadorismo empedernido do político brasileiro é mais visível ainda quando o pequeno valor das aplicações diretas na bolsa de valores. Dos candidatos pesquisados, apenas 14 declararam ter ações. E o total destinado à bolsa é de apenas R$ 524,2 mil. Mauro Mendes, o mais rico entre todos os candidatos à prefeitura de uma capital, tem somente R$ 45,5 mil investido em ações. O campeão do mercado acionário é Mário Português, vice-líder nas pesquisas de intenção de votos em Porto Velho. Ele declarou R$ 311,78 mi em papéis da estatal Eletrobras. O valor pode até parecer alto, mas representa ínfimos 1,13% do patrimônio de R$ 27,5 milhões do candidato, o quarto mais rico entre todos os pesquisados pelo Valor.

O candidato que mais foge das aplicações convencionais é José Serra, que tem R$ 494 mil em LCIs da CEF

Mário Português, aliás, é um dos 18 aspirantes a prefeito que guardam dinheiro debaixo do colchão. Ele declarou ter R$ 1,8 milhão em "dinheiro em espécie". Aplicado na nova caderneta de poupança, que remunera o investidor com 70% da taxa básica de juros (Selic), esses recursos renderiam este mês aproximadamente R$ 7,7 mil líquidos. E dinheiro parado significa perda de poder de compra. O efeito corrosivo da inflação faz com que R$ 1,8 milhão hoje não compre a mesma quantidade de bens daqui um ano. Mesmo assim, o volume declarado de "dinheiro em espécie" atinge R$ 6,5 milhões, mais do que o dobro, por exemplo, do que as aplicações somadas dos candidatos em planos de previdência privada complementar (R$ 2,72 milhões). Quem mais tem dinheiro "debaixo do colchão" é Carlos Amastha (PP), favorito à Prefeitura de Palmas, capital do Tocantins. Com um patrimônio de R$ 18,1 milhões, o que o coloca na quinta posição entre os mais ricos, ele mantém R$ 2 milhões em dinheiro vivo.

Por mais chocante que pareça, essa falta de entusiasmo dos políticos pelo mundo dos investimentos reflete, segundo especialistas consultados pelo Valor, o perfil do investidor brasileiro típico. "Essas pessoas [os candidatos] não são de outro Brasil, elas representam, para o bem e para o mal, o jeito como o brasileiro lida com as finanças pessoais", afirma William Eid Junior, coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A preferência arraigada do brasileiro por imóveis na hora de aplicar o dinheiro tem suas raízes, por exemplo, na convivência por um longo período com taxas de inflação elevada. Como a moeda não cumpria uma de suas funções básicas, que é servir de reserva de valor, o jeito era correr para os chamados ativos reais, no jargão dos economistas. "Isso explica esse viés fortíssimo por imóveis. O preço de uma casa, um apartamento, um terreno pode até variar, mas o sujeito sabe que daqui a 10, 20, 30 anos a propriedade estará lá. Quem conviveu muito tempo com inflação alta e até hiperinflação aprendeu que imóvel é sinônimo de proteção", afirma o professor da FGV.

A opção pela renda fixa, na seara das aplicações financeiras, é também uma reação natural ao ambiente em que o investidor brasileiro viveu nos últimos anos. Com taxas de juros nominais de dois dígitos por muitos anos, era fácil ganhar dinheiro sem se arriscar na bolsa. E o melhor caminho dentro do universo da renda fixa eram os títulos públicos e os papéis privados de baixíssimo risco, como os CDBs de grandes bancos. A ordem era ter dinheiro em um investimento que segui-se o Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI), que anda sempre de mãos dadas com a Selic. "Os juros extraordinariamente altos após o Plano Real estimularam essa cultura do CDI, do ganho fácil no curtíssimo prazo com risco praticamente zero. E as pessoas ainda não tiveram tempo de se adaptar a esse cenário de taxa de juros de um dígito", diz o economista Alexandre Espírito Santo, professor de Finanças do Ibmec-RJ e economista-chefe da Way Investimentos.

A falta de apetite do brasileiro por renda variável também passa pelo histórico ruim do mercado de capitais brasileiro, que até meados da década de 90 não era dos melhores. O "crash" da bolsa de valores de São Paulo no segundo semestre 1971, após um primeiro semestre de alta exuberante das ações, afastou uma geração inteira do mercado acionário, lembra Espírito Santo. Outro episódio marcante foi o caso "Naji Nahas", em meados de 1989, quando o estouro de operações especulativas com papéis da Vale realizadas pelo investidor libanês Naji Nahas fez soçobrar a bolsa de valores do Rio. "Quem tem hoje por volta de 50 anos ainda é marcado por esses casos e foge da bolsa. O mercado era visto como um cassino, e as pessoas queriam a segurança do juro de curto prazo ou do tijolo e do cimento", afirma Espírito Santo.