Título: Fundo reduz custo de empresas
Autor: Bautzer, Tatiana
Fonte: Valor Econômico, 26/10/2006, Finanças, p. C1

A fabricante de sistemas de transporte e elevação de cargas Eidt-Ciriex, de Porto Alegre, elevou em 25% sua capacidade de produção com mais dinheiro em caixa. A metalúrgica Aubert, de São Paulo, ganhou uma concorrência para vender à Companhia Siderúrgica Nacional dispensando pagamento antecipado em sua proposta. A HCI, de Guarulhos, quitou a dívida bancária e faz adiantamentos a fornecedores quando necessário.

As três empresas descobriram uma maneira de reduzir o custo do endividamento em até 40% em relação às operações bancárias: o fundo de recebíveis. Todas usaram o Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) estruturado pela Rio Bravo para a Abimaq, associação que reúne fabricantes de máquinas e equipamentos. Uma das maiores vantagens é a menor tributação sobre operações de recebíveis, além de juros mais baixos.

A garantia para o crédito é a tradicional duplicata ou até mesmo um contrato de fornecimento (antes da entrega física da mercadoria). A possibilidade de antecipar recursos antes da entrega da mercadoria é a grande inovação do fundo, já que os bancos só aceitam antecipar recursos depois da produção. As taxas variam de acordo com a empresa, mas não ultrapassam 1,5% ao mês, até 0,5 ponto percentual menos do que as empresas ouvidas pelo Valor pagariam nos bancos. Apesar do porte médio ou pequeno dos tomadores de recursos, as clientes do fundo fornecem para grandes corporações como CSN, Voith, Petrobras, Vale, Klabin, Votorantim ou Usiminas. Como os investidores consideram o risco de pagamento das empresas compradoras, o custo cai.

A Rio Bravo já captou R$ 200 milhões de investidores, ainda não totalmente aplicados. Espera-se um rendimento de cerca de 130% do CDI considerando o porte das empresas envolvidas, segundo o diretor Alexandre Rhinow. "Já compramos R$ 20 milhões em direitos creditórios gerados por 50 empresas", explica o executivo. Os recursos podiam ser tomados de fornecedoras de 63 grandes corporações que estavam credenciadas pela Rio Bravo até o início de outubro. Ao longo do mês, o número de grandes empresas credenciadas subiu para 200. Além dos grandes grupos nacionais, múltis como ThyssenKrupp, Esso, Shell, Dow Química, Alcan, Alcoa e Caterpillar integram a "lista de sacados".

Na prática, o fundo dá acesso ao mercado de capitais para companhias que não conseguiriam captar recursos fora dos bancos. Em relatório da agência de avaliação de risco Standard & Poor's, o analista Pedro Gazoni afirma que a estruturação de fundos com ativos multicompanhias e com garantias parciais de crédito darão acesso a "empresas menores que não têm como arcar com custo de criar um FIDC só para securitizar seus ativos".

Até agora, os FIDC concentravam-se na securitização de créditos já gerados pelos bancos. Segundo dados da S&P, as emissões até julho de 2006 têm 18% de participação de empréstimos pessoais, 11% da carteira de veículos, 20% de recebíveis imobiliários e 15% de exportações. Os fluxos futuros representam 23% do total de emissões.

Com o aumento do número de empresas envolvidas na operação, os novos fundos de recebíveis têm que processar um volume maior de documentação. Depois do período inicial de cadastramento, leva-se de três dias a uma semana entre a entrega da duplicata e o depósito na conta da empresa.

O presidente da Abimaq, Newton Mello, disse que teve a idéia de criar o fundo quando a Petrobras voltou a construir plataformas petrolíferas e aumentou pedidos de máquinas no ano passado. "Muitas empresas não tinham capital de giro para produzir alto volume de válvulas, bombas e redutores. Precisávamos de um instrumento que permitisse o adiantamento de recursos com o contrato assinado, mas antes da emissão da nota fiscal", explica. A maior parte dos fundos de recebíveis só aceita duplicatas de mercadorias já entregues- nesse caso, o único risco é o da empresa compradora. Quando a mercadoria ainda não foi entregue, há também o risco operacional do fornecedor, que terá que cumprir o contrato e entregar o produto. Neste caso, em que o recebível é "a performar", é necessária a contratação de um seguro de performance para cobrir a perda do investidor se a venda não se concretizar. O seguro de performance é pago pelo empresário e o preço depende do histórico de fornecimento da empresa. Esse tipo de antecipação não é possível em bancos, e tornou-se mais importante para a indústria de máquinas com aumento de investimentos por outras companhias como Vale do Rio Doce e indústrias de papel.

Empresários com ciclo de produção mais longo estão vendo no fundo de recebíveis não apenas um custo financeiro menor, mas uma vantagem competitiva. Um bom exemplo é o da Eidt-Ciriex, fabricante de máquinas de transporte e elevação de cargas. As máquinas levam cinco meses para ser produzidas e custam mais de R$ 1 milhão. "Meu custo financeiro caiu 40%", afirma o sócio da empresa, Sérgio Eidt. A taxa mensal do desconto de recebíveis é de 1,4% ao mês, e o custo das linhas de capital de giro para a empresa oscilava entre 1,8% e 2,2% ao mês. Cerca de 40% dos clientes da Ciriex estão cadastrados no Fundo da Abimaq e, com mais flexibilidade financeira, a empresa consegue aceitar volume maior pedidos que requerem alto investimento para produção antes do recebimento do adiantamento. "Tenho como aumentar minha produção em 25%", diz.

A metalúrgica Aubert ganhou um contrato com a CSN fazendo uma proposta de venda de redutores de velocidade sem adiantamento pela siderúrgica. Com o contrato fechado, conseguiu adiantar os recursos junto ao fundo de recebíveis. O sócio Luiz Aubert resolveu comprar a matéria-prima - chapas e rolamentos- à vista ao invés de pagar nos tradicionais 45 dias, conseguindo descontos de 3 a 8%. "Com isso reduzi o custo de produção e aumentei a margem líquida", diz.

Aubert, que fornece para CSN, CST, Gerdau, Usiminas, Vale do Rio Doce, Klabin, Ripasa e Votorantim, conta que resolveu usar o fundo de recebíveis porque ouvia falar bem do financiamento, mas queria testá-lo. A taxa de juros efetiva caiu de 1,8% a 2% ao mês para 1,6%. Mas há outros custos, como impostos e reciprocidade nos bancos, que o empresário considera relevantes. "Não preciso comprar produto de capitalização ou manter saldo em conta", compara. Tomar recursos com recebíveis também não entra como dívida nos balanços das companhias ou no cadastro do Banco Central.

Outra grande vantagem é fiscal. "Considerando a diferença de incidência de IOF e CPMF, o custo total diminui 0,5 ponto percentual", afirma Marcelo Lima, diretor financeiro da HCI, empresa distribuidora e fabricante de tubos e conexões industriais com sede em Guarulhos. Desde a segunda quinzena de agosto, a HCI já fez seis operações, num total de R$ 5,9 milhões, sempre usando duplicatas para a Petrobras.

O recebível não paga IOF, de 0,11% do valor total, e a CPMF, de 0,38%, incide só uma vez. "Numa conta garantida, eu pago CPMF quando uso o crédito recebido para pagar minhas despesas e uma segunda vez, quando transfiro o pagamento para o banco." No fundo de recebíveis, o pagamento feito pelo fornecimento vai direito para o investidor e não passa pela conta da empresa média. A taxa de juros da linha de recebíveis para a HCI não muda muito em relação à recebida nos bancos- cerca de 1,5% ao invés de 1,6% ao mês. "Antecipar os recursos aumenta a flexibilidade do caixa, tanto para subsidiar fornecedores quanto para enfrentar eventuais atrasos de pagamento", diz Lima. O diretor financeiro da HCI está pedindo cadastramento de outros clientes da empresa no fundo para fazer operações similares. Além da Petrobras, outros clientes da HCI cadastrados no fundo são Quip e Braskem.