Título: A importância do uso de garantias nas PPPs
Autor: Pulino, Marcos Vinicius
Fonte: Valor Econômico, 26/10/2006, Legislação & Tributos, p. E2

As parcerias público-privadas (PPPs) são um poderoso instrumento de que dispõe a administração pública para promover o desenvolvimento sócio-econômico e o bem-estar social. Para que a sociedade brasileira possa desfrutar plenamente dos seus benefícios, o parceiro público deve estar pronto a oferecer garantias contra o risco de seu inadimplemento. Este artigo propõe-se a explicar qual a importância das garantias, e quando devem ser usadas.

Instituídas em caráter pioneiro no Brasil pelo Estado de Minas Gerais, e hoje presentes também na União e em diversos estados e municípios, as PPPs são modalidades de contratos administrativos que permitem ao Estado tirar proveito do know-how e da capacidade de investimentos do setor privado na execução de obras e serviços de interesse público, sob regulamentação e fiscalização estatais. A partir de critérios de seleção de propostas, de incentivos ao desempenho e de alocação de riscos não de todo viáveis em concessões e obras públicas tradicionais, as PPPs possibilitam extrair mais serviço de cada centavo pago pelo contribuinte ou usuário. Isso aumenta a eficiência na aplicação dos recursos da sociedade, como manda o artigo 37 da Constituição Federal.

Uma característica das PPPs é que, para prestar os serviços contratados, o parceiro privado deve, em regra, realizar, a suas expensas, pesados investimentos cujo retorno se dará, no todo ou em parte, por meio de pagamentos do parceiro público ao longo do prazo contratual, sempre após o início dos serviços. Essa configuração expõe o parceiro privado ao risco de que o parceiro público queira renegociar o contrato (explícita ou implicitamente, dando nova interpretação às regras) após realizados os investimentos, ou que não possa pagar o que deve, em razão de restrições financeiras.

Tal risco não é privilégio de contratos com o setor público: contratos entre empresas privadas para execução de projetos de infra-estrutura ao redor do mundo procuram minimizar o espaço para a renegociação implícita ou explícita, por exemplo, detalhando os efeitos de cada evento imaginável, e contam com sólidas garantias contra o inadimplemento. Há, porém, dois agravantes nas PPPs: o setor público brasileiro (1) sujeita-se a regime especial de execução, sendo em regra mais difícil exigir o cumprimento de suas obrigações do que as do setor privado; e (2) tem classificação de risco de crédito inferior à de outros países com programas de PPP, que já atingiram o "investment grade".

-------------------------------------------------------------------------------- Se bem utilizadas, as garantias podem proporcionar economias relevantes a usuários e contribuintes nas PPPs --------------------------------------------------------------------------------

O risco apontado presumivelmente levaria o parceiro privado a embutir na proposta apresentada na licitação da PPP o custo de suportá-lo, resultando em preços mais altos para o Estado ou o usuário, e, por conseguinte, em menor eficiência. As garantias têm por finalidade minimizar esse risco, reforçando o crédito do parceiro privado, de modo que este possa obter o pagamento mesmo se o parceiro público recusar-se a (ou não puder) efetuá-lo.

Indaga-se se, ao proporcionar via alternativa à cobrança por precatórios, tais garantias estariam criando classe de credores privilegiados do Estado, em violação ao artigo 100 da Constituição Federal, que prevê o regime dos precatórios. A resposta é negativa. O artigo 100 tem por finalidade regular a apropriação de bens do patrimônio estatal, e não assegurar a igualdade entre os credores. Não há, portanto, violação ao artigo 100 em arranjo de garantias que faculte ao credor a execução forçada contra bens de garantidor privado, ou de garantidor estatal desde que este goze de autonomia patrimonial em relação ao Estado e que seus bens sejam passíveis de penhora.

Também se tem perguntado se a constituição de garantias nas PPPs conflitaria com o artigo 163, inciso III da Constituição Federal, que diz caber a lei complementar disciplinar a concessão de garantias pelas entidades públicas. Novamente, a resposta é não. Essa regra foi regulamentada pela Lei Complementar nº 101 - a Lei de Responsabilidade Fiscal. O artigo 40 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabelece condições e restrições à concessão de garantias, trata apenas da concessão de garantia em operação de crédito, o que em geral não inclui as PPPs. Não havendo restrições à prestação de garantias em PPPs, a administração publica poderá prestá-las sempre que isso estiver de acordo com sua legislação de regência e for a melhor maneira de atender ao interesse público.

O principal critério para avaliar a conveniência das garantias será a eficiência, a que já nos referimos. Em cada PPP o Estado deve analisar, de um lado, como os riscos assumidos pelo parceiro privado se traduzem em custos para o projeto, segundo modelos econômicos; e, de outro, os custos associados à constituição de garantias: estas serão tanto mais úteis quanto menor o comprometimento de recursos materiais, financeiros e humanos do Estado requerido (tal comprometimento pode ser reduzido, por exemplo, dando-se garantias pelo menor valor e prazo viáveis, e adotando-se estrutura garantidora centralizada e enxuta). Sendo os benefícios superiores aos custos em relação a determinada PPP, as garantias devem ser oferecidas.

O Estado não pode furtar-se à busca da eficiência no uso dos recursos da sociedade, sendo a prestação de garantias nas PPPs um fator importante nessa busca. Se bem utilizadas, as garantias podem proporcionar economias relevantes para contribuintes e usuários, ajudando a tornar viáveis projetos de infra-estrutura cruciais ao desenvolvimento do país.

Marcos Vinicius Pulino é advogado e sócio responsável pelas áreas de regulação e project finance do escritório Levy & Salomão Advogados

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