Título: Draghi joga a bola no colo dos políticos
Autor: Charlton, Emma ; Mnyanda, Lukanyo
Fonte: Valor Econômico, 05/10/2012, Finanças, p. C2

Como se esperava, a conferência de imprensa após a reunião do BCE, que decidiu manter a taxa de juros em 0,75%, não trouxe novidades e a decisão foi unânime. Talvez em função da melhora nas condições do mercado após a reunião de setembro, o que poderia induzir certa complacência nos governos no que diz respeito à continuidade de programas de equilíbrio fiscal, Mario Draghi concentrou seu discurso no cenário econômico, com seus riscos e preocupações.

É o caso da Espanha, assunto não comentado, que ainda não formalizou um pedido de ajuda, estando exatamente no mesmo ponto há um mês, com a diferença de que paga bem menos hoje para rolar suas dívidas. Claro que a descompressão dos "yields" (retorno ao investidor) dos países periféricos face à certeza de suporte do BCE é positiva, mas não é suficientemente sustentável sem decisões políticas apropriadas.

Draghi foi direto ao ponto ao afirmar que cabe aos governos decidir o que fazer, já que o programa (de compra de ativos, o OMT) existe. Essa posição do BCE vem sendo sustentada há meses - não se pode fazer pelos governos o que eles mesmos não fazem.

Mesmo quando a Espanha pedir resgate, lembra o HSBC em relatório, ainda será preciso verificar se os governos serão capazes de cumprir as condições impostas pelo programa e se a população aceitará tais medidas. "O BCE pode apenas comprar tempo, mas não providenciar a solução."

O imbróglio política-economia mantém-se firme e forte, com as posições bem delimitadas de Alemanha (principalmente) e os países na alça de mira do mercado (Espanha e Itália).

Ao enfatizar o cenário de inflação elevada - 2,7% no último dado - e distante da meta (em torno, mas abaixo de 2%), o BCE parece dar sinais de que uma ação convencional como um novo corte de juros não é provável até o fim do ano, como apostam todas as instituições ouvidas previamente pelo Valor Data. Mesmo considerando que a "headline inflation" (a medida "cheia") tem sido contaminada pela alta de preços de energia e de impostos - uma medida decorrente de ajuste fiscal - a projeção central do HICP (CPI harmonizado) da zona do euro é de 2,5% para este ano e 1,9% para 2013. Daí decorrem as expectativas de que os juros sejam novamente reduzidos apenas em dezembro, quando novas projeções serão divulgadas pelo BCE, inclusive para 2014.

No mercado, dada a atividade econômica anêmica, já se espera inflação menor para o ano que vem. Outras possibilidades são aventadas, como um corte na taxa de depósitos (hoje em zero), mas mesmo Draghi se diz pouco seguro sobre os possíveis efeitos dessa medida. Na conferência de setembro chegou a afirmar que o BCE está em "águas desconhecidas" sobre este assunto.

Tudo somado, não há porque esperar do BCE novas medidas não convencionais para resolver questões estruturais dos membros da união monetária, ou mesmo para sustentar a reiterada afirmação de Draghi de que "o euro é irreversível".

Que venham os pedidos formais de ajuda, memorandos de entendimento assinados e a operacionalidade do ESM (novo fundo de socorro). A bola está quicando e quem tem que chutar agora são os governos.