Título: Revisor absolve José Dirceu de corrupção ativa
Autor: Basile, Juliano ; Exman, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 05/10/2012, Política, p. A19

Lewandowski: ministro defendeu a tese de que o MP acusou Dirceu apenas porque ele estava na Casa Civil na época do mensalão

O Supremo Tribunal Federal (STF) somou ontem três votos pela condenação do ex-ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, contra apenas um pela sua absolvição e a expectativa é a de que a Corte o considere culpado por compra de apoio político de aliados na próxima sessão, marcada para terça-feira, quando serão conhecidos mais seis votos. Além de Dirceu, há também três votos para condenar José Genoino, ex-presidente do PT, e quatro para punir Delúbio Soares, ex-tesoureiro do partido.

A 32ª sessão foi marcada, primeiro, por um amplo voto do revisor do processo do mensalão, ministro Ricardo Lewandowski, pela absolvição de Dirceu e, em seguida, pela constatação de que ele deve ficar em minoria no STF. Isso porque, além de três ministros - o relator, Joaquim Barbosa, Rosa Weber e Luiz Fux - terem condenado formalmente Dirceu por corrupção ativa, Lewandowski foi contestado com intervenções ao longo do seu voto por todos os demais integrantes da Corte, com exceção de José Antonio Dias Toffoli.

Lewandowski defendeu a tese de que o Ministério Público acusou José Dirceu apenas porque ele ocupou o posto de ministro-chefe na época em que parlamentares receberam dinheiro do esquema que foi montado pelo publicitário Marcos Valério. Segundo o revisor, não há provas contra Dirceu, mas apenas depoimentos.

"Eu não descarto até que ele seja o mentor dessa trama criminosa, mas o fato é que isso não encontra ressonância nas provas dos autos", afirmou Lewandowski. "Após vasta instrução probatória, o MP limitou-se a potencializar o fato de Dirceu exercer funções públicas para imputar-lhe diversos crimes sem dar-se ao trabalho de descrever as condutas delituosas que teriam sido praticadas por ele."

Lewandowski disse ainda o depoimento do delator do mensalão, Roberto Jefferson, não deveria ser levado em conta, pois ele também é réu no processo. "São imputações, a meu ver, muito mais políticas do que estritamente jurídicas", afirmou, qualificando Jefferson como "inimigo fidalgal de Dirceu".

O voto do revisor foi contestado antes mesmo de ele terminar de lê-lo por seis ministros da Corte. Com isso, já há maioria no STF para concluir em sentido contrário a Lewandowski e a tendência é a de Dirceu ser condenado por corrupção ativa na retomada do julgamento, na terça-feira.

O presidente do STF, ministro Carlos Ayres Britto, lembrou Lewandowski que, num depoimento, Jefferson afirmou que Dirceu pediu a ele que indicasse alguém ao então tesoureiro do PT Delúbio Soares para viajar a Portugal para tratar de interesses do PT. A viagem teria sido realizada para a obtenção de dinheiro para o PT e o PTB. "Jefferson falou que o objeto da viagem seria obter valores para campanha, aos dois partidos", disse Britto.

"Aos dois não", respondeu Lewandowski. "Seria ao PTB. Eu estou contrapondo o depoimento de um réu (Jefferson) que ele desmentiu depois em juízo", continuou o revisor. "Ele não desmentiu", rebateu Britto. "Ah, perdão, excelência. Estou tão envolvido com as provas", justificou-se o revisor, após checar os autos.

Apesar de não usar o depoimento de Jefferson, Lewandowski utilizou o do réu que mais sofreu acusações no processo - Marcos Valério. Segundo o revisor, o publicitário disse que a viagem a Portugal teria o objetivo de negociar a venda da Telemig para a Portugal Telecom, e não para desviar dinheiro para partidos. Com isso, ele qualificou Valério como negociador do banqueiro Daniel Dantas, que tinha interesse no controle da telefônica portuguesa, e não como "broker" de Dirceu - definição utilizada por Barbosa. "Cada qual faz a sua avaliação daquilo que se contém nos autos", resumiu Lewandowski.

O revisor também foi aparteado pelo ministro Marco Aurélio Mello, que ressaltou que Valério deu aval para o empréstimo de R$ 3 milhões ao PT no Banco Rural - instituição utilizada para a realização de saques por deputados. "Há notícia de que Valério teria avalizado esse empréstimo", lembrou Marco Aurélio. "Não. Confesso que não tenho lembrança disso", respondeu Lewandowski. "O corréu Valério avalizou o empréstimo do PT de R$ 3 milhões", insistiu Britto. "Tá bom", disse o revisor, após consultar os autos. "É uma garantia a mais."

Marco Aurélio apontou, então, uma contradição de Genoino: "Ele disse que não tinha ligação com Valério e que os encontros com ele eram casuais e sempre com a presença de Delúbio, mas essa veiculação fica contrariada pelo fato de Valério ter emprestado um endosso ao empréstimo do PT". "Na renovação dos contratos, o avalista foi Genoino", enfatizou Britto. "Agradeço a pontuação de vossas excelências e vou considerá-las", afirmou Lewandowski.

Em seguida, o revisor utilizou o depoimento de diversos petistas para concluir que não houve compra de votos no Congresso. Segundo ele, o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalg (PT-SP) disse que "nunca ouviu dizer", Sigmaringa Seixas, ex-parlamentar do PT-DF, também afirmou que soube do mensalão pelos jornais, e os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, da Educação, Aloizio Mercadante, e os candidatos a prefeito de Belo Horizonte, Patrus Ananias, e de Salvador, Vicente Pelegrino, também "negaram à Justiça essa compra de votos". Nesse ponto de seu voto, Lewandowski foi interrompido pelo ministro Gilmar Mendes: "Vossa excelência condenou deputados por corrupção passiva. Não parece que está havendo contradição em seu voto?" O revisor alegou que condenou os deputados que receberam dinheiro apenas porque a maioria adotou essa orientação. "Não há nenhuma contradição em meu voto."

Então, foi a vez de o decano, ministro Celso de Mello, ressaltar as provas de compra de votos. "O MP mostrou que esse comportamento se deu no contexto de duas importantes reformas", disse Celso, citando a tributária e a da Previdência, aprovadas no segundo semestre de 2003, período em que ocorreram vários repasses de dinheiro para parlamentares. "Mas eu não vi a prova. Eu gostaria de ver que fulano entregou dinheiro e sicrano foi lá e votou em tal sentido", defendeu-se Lewandowski. "Mas vossa excelência não imagina que um tesoureiro de partido teria tal autonomia?", questionou Marco Aurélio, referindo-se às autorizações para repasses.

"Contrariamente ao que foi afirmado, eu não acredito em Papai Noel", respondeu Lewandowski, refutando uma fala de Barbosa de outra sessão. "É possível que tenham operado a mando de alguém, mas esse alguém precisa estar devidamente denunciado. Se vossa excelência encontrou provas, ótimo."

Após o voto do revisor, Rosa Weber afirmou que "houve um conluio para compra de deputados". "Não todos, mas alguns. E esse dinheiro veio ao menos em parte de recursos públicos. Os pagamentos foram feitos sempre às escondidas. Não interesse a origem da propina. Mesmo que fosse dinheiro limpo não deixaria de ser propina."