Título: Prazo para Petrobras ficar na Bolívia está prestes a acabar
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/10/2006, Opinião, p. A16

A Petrobras está com um pé fora da Bolívia. A 48 horas do encerramento do prazo estabelecido pelo decreto supremo 28.701 do governo boliviano, que nacionalizou as atividades de petróleo e gás no país, as negociações sobre os termos dos novos contratos a que as empresas que atuam nesses setores terão de aderir estavam cobertas de indefinições. Se as condições principais das minutas distribuídas às companhias prevalecerem, as operações da Petrobras se tornarão comercialmente inviáveis. Até agora, os sinais enviados pela equipe de Evo Morales são os de que os prazos serão mantidos. E quem não assinar os contratos terá de deixar o país.

O governo boliviano está esticando a corda ao máximo possível, para obter vantagens econômicas - o que seria de se esperar - e para ampliar seu apoio político. Evo Morales enfrenta um aumento de manifestações de rua e protestos por parte da esquerda e a insatisfação crescente da direita conservadora. O decreto de nacionalização é até agora a vitrine de seu governo, e a pressão dos parlamentares do próprio Movimento ao Socialismo, ao qual Morales pertence, é pela manutenção dos prazos para a assinatura dos novos contratos. Politicamente, sobra autoridade a Morales para que o adiamento não lhe traga grandes dissabores. Em termos comerciais, porém, as propostas do governo boliviano são duras demais e desvantajosas demais para as empresas, a ponto de a possibilidade de se chegar a um meio termo aceitável ser bastante remota.

A Yacimentos Petroliferos Fiscales Bolivianos tornou-se proprietária dos produtos que deixarão os campos de petróleo e de sua comercialização. Esse é um dos pontos essenciais da nacionalização, mas o governo da Bolívia foi mais longe. Ele quer expropriar os ativos já existentes e os que estão por vir das companhias que operam no setor. Segundo o decreto, "a propriedade de todos os equipamentos adquiridos pelo titular para utilização nas operações de exploração de petróleo passará, de forma automática, e sem nenhum ônus, para a YPFB imediatamente após a sua aquisição, caso a compra seja realizada na Bolívia, ou imediatamente após o ingresso em território nacional, se a aquisição for feita no exterior". A essa cláusula esdrúxula se acrescenta a de que "todas as instalações na área do contrato serão propriedade da YPFB".

O governo boliviano está proibindo o país, na prática, de receber investimentos, pois comercialmente só lunáticos fariam inversões em modernização - que passarão a ser obrigatórias, e em montantes a serem determinados pela YPFB - e compra de equipamentos para imediatamente cedê-los "sem ônus" à estatal boliviana. No caso da Petrobras, não haveria ressarcimento pela volta às mãos do Estado de duas refinarias adquiridas legalmente no país.

Sem instalações e equipamentos de sua propriedade, as empresas que ficarem na Bolívia terão de arcar com todos os gastos e riscos das operações, bancando todo o capital de giro, e receberão o pagamento pelos serviços em dólares - a cada trimestre, por incrível que possa parecer. Elas terão de dar prioridade, no caso do gás, ao atendimento obrigatório e prioritário do mercado doméstico, onde o produto será subsidiado, sob pena de os campos que exploram serem assumidos pela YPFB. Ao mesmo tempo, as empresas terão de abrir mão de todas as pendências que poderiam ter com o governo boliviano. Assinados os contratos, elas perderão o direito que têm hoje de arbitragem internacional. Todas as pendências serão resolvidas pela Justiça boliviana. Se qualquer companhia resolver pedir justa indenização pela expropriação de seus ativos ou não assina o contrato e cai fora do país, ou aceita os termos e se submete a um poder em que o Estado, como parte interessada no negócio, tem vários meios para influenciar nas decisões.

Não há mais tempo hábil para se chegar a um acordo que seja minimamente defensável para a Petrobras. A única alternativa para evitar esse desfecho é uma prorrogação da data limite, alternativa pela qual se bate diplomaticamente o governo brasileiro. Esse adiamento não está descartado, apesar da retórica da equipe de Morales. Se ela optar pelo prazo original, seu radicalismo estará indicando que aumentaram as chances de não cumprimento dos termos do acordo para fornecimento de gás ao Brasil.