Título: A salvação da economia italiana
Autor: Wolf, Martin
Fonte: Valor Econômico, 26/10/2006, Opinião, p. A17

Ser primeiro-ministro da Itália não é muito divertido. O rebaixamento da nota da dívida soberana da Itália promovido na semana passada pela Standard & Poor´s e a Fitch Ratings aparenta ser simplesmente mais um golpe desferido contra um governo que conquistou uma vitória eleitoral estreita e que desde então viu o seu nível de apoio despencar nas pesquisas de opinião. As aparências podem enganar, contudo. A Itália precisa desse tipo de choque para ter condições de colocar em prática as mudanças políticas necessárias.

A análise feita pela Fitch Ratings apresenta uma história desoladora ("Italy: Behind the Downgrade", October 2006, www.fitchratings.com). Ao longo dos cinco anos passados, o PIB cresceu a uma taxa cumulativa de apenas 0,6% ao ano. Ao contrário da Alemanha e Japão, o fraco crescimento da Itália é também, numa parcela fundamental, resultado da deterioração da competitividade externa. A demanda interna aumentou a um ritmo aproximadamente 0,4 pontos percentuais ao ano mais rápido que o PIB desde 2000.

Considerando que a inflação italiana tem sido ligeiramente mais elevada que a da Alemanha, as condições monetárias têm sido relativamente favoráveis, com taxas dos juros reais de curto prazo oscilando em torno de zero desde 2000.

A política fiscal também tem apoiado a demanda - apoiado demais, até: de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o déficit fiscal primário ciclicamente ajustado (antes de despesas com juros) deteriorou, de um superávit de 3,3 % do PIB em 2000 para apenas 0,4% em 2005, enquanto o saldo total ciclicamente ajustado deteriorou, de menos 2,6% do PIB para menos 3,7% do PIB no mesmo período.

Os desafios econômicos estruturais da Itália são revelados com clareza na deterioração da competitividade externa, particularmente em relação à Alemanha. As exportações de bens e serviços em termos reais ficaram estagnadas desde 2000, ao passo que as da Alemanha registraram um aumento acentuado. As exportações de bens e serviços ficaram 3% abaixo do seu nível de 2000 em termos reais em 2005, apesar de um crescimento estimado de 23% nos mercados de exportação da Itália no mesmo período.

A unidade relativa dos custos da mão-de-obra da Itália cresceu 33% desde 2000. O principal motivo para essa divergência tem sido o desempenho extraordinariamente fraco da sua produtividade: no conjunto, a produtividade da mão-de-obra estagnou desde 2000. O fraco desempenho das exportações é não só o resultado da deterioração da competitividade deteriorada. A Itália também se especializa em setores industriais nos quais a demanda é menos dinâmica e os produtores asiáticos de baixo custo são mais competitivos.

Se a Itália fosse meramente ameaçada por crescimento estruturalmente fraco, a situação seria desagradável, mas gerenciável. O perigo de longo prazo, porém, provém de uma espiral descendente viciosa decorrente de crescimento estruturalmente fraco, desempenho fiscal medíocre, taxas de juros de longo prazo ascendentes (enquanto os spreads sobre os demais membros da zona do euro se ampliam), impostos mais altos, crescimento ainda menor e, por fim, dificuldades fiscais ainda piores.

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Ao fim desta longa estrada, poderia haver, como alegam alguns especialistas, um default. Mesmo agora, após registrar uma queda - de 121,5% do PIB em 1994, para 103%, em 2004 -, o índice de endividamento geral consolidado do governo em relação ao PIB está crescendo, mais uma vez, para 106,4% no ano passado e para uma projeção de 107,4% para este ano. Esta reviravolta é um dos motivos que explicam por que as classificações de crédito do país foram rebaixadas recentemente, de AA- para A+, no caso da S&P, e de AA para AA-, no caso da Fitch.

Os próprios mercados, porém, continuam surpreendentemente otimistas: o spread sobre os bônus italianos de 10 anos em relação ao dos alemães é de apenas um quarto de um ponto percentual. Os bônus italianos têm uma taxa de juros substancialmente mais baixa ante as dos EUA e Reino Unido - cerca de 75 pontos-base mais baixa, no caso do primeiro. Um bom motivo, assinala Fitch, são as reformas que tornaram o país relativamente menos vulnerável aos custos do envelhecimento. Importantes em particular foram a vinculação das pensões aos preços, em lugar da vinculação aos salários, introduzidas em 1992, e a vinculação mais estreita das pensões dos novos ingressantes na força de trabalho às contribuições, em vez de aos rendimentos, introduzida em 1995.

A Itália também conta com o benefício de uma participação relativamente baixa da força de trabalho e do emprego, particularmente entre as mulheres. Mais emprego deverá permitir aumentos substanciais no PIB e no PIB per capita, a despeito do baixo crescimento da produtividade e o envelhecimento agudo. Realmente, o baixo crescimento da produtividade nos anos recentes reflete em parte este acontecimento desejável: a taxa de desemprego caiu de 11,3% em 1997 para 7,7% em 2005, enquanto a taxa de emprego tem crescido à razão de 1,6% ao ano ao longo dos últimos cinco anos.

A modesta recuperação atual é uma benção óbvia e também um perigo oculto, particularmente sob um governo fraco, já que poderá estimular ainda mais complacência. Mas realmente existe uma estratégia para fazer a Itália escapar da sua difícil condição: a de combinar política fiscal mais restritiva com uma aceleração adicional das reformas liberalizantes.

A Itália precisa recuperar a competitividade externa. Uma grande redução nos salários nominais é inconcebível. Mesmo a desinflação competitiva contra uma Alemanha com baixa inflação seria uma tarefa horrível e um desperdício de tempo. A única solução será promover melhorias na produtividade da mão-de-obra em bens e serviços negociáveis, através de demissões e da elevação da qualidade dos produtos.

O país precisa sustentar a demanda interna enquanto estas demissões estiverem ocorrendo. Isto será essencial para o PIB - o denominador no índice da dívida - crescer de forma suficiente. O governo da Itália não está absolutamente em posição de poder expandir os seus gastos, mas as suas famílias, felizmente, estão. De acordo com a OCDE, em 2004 o índice dos empréstimos de médio e longo prazo das famílias em relação ao PIB era de apenas 37%, ante 71% na Alemanha e 114% no Reino Unido. O índice italiano já aumentou em relação aos 19% de 1995. Ainda tem um longo caminho a trilhar para se equiparar com os níveis britânicos. A liberalização dos mercados de mão-de-obra, serviços e produtos poderá possibilitar essa combinação, como já ocorreu nos países de fala inglesa. Se as perspectivas melhorassem, o déficit em conta corrente atual também poderia aumentar facilmente, do seu nível mais modesto de 1,4% do PIB neste ano, como projetado pelo Fundo Monetário Internacional, dando tempo para que o país reconquiste a competitividade nas exportações.

Se a Itália não estivesse na zona do euro, o país agora certamente optaria por outra desvalorização. Esta oportunidade passou. Os custos políticos e econômicos de reconquistá-la também seriam, em minha opinião, suicidas ao extremo. O que o país precisa, em vez disso, é de um governo vigoroso que persiga a reforma e o corte fiscal com gosto. O que o país tem é uma política fragmentada e um governo fraco. Lamentavelmente, estas fragmentações refletem as existentes entre os próprios italianos. Esta, e não a sua posição econômica, é a verdadeira desvantagem da Itália.