Título: Privatização é rejeitada por 70% do eleitorado
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 26/10/2006, Especial, p. A18

Ao conseguir associar o candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, com o tema das privatizações, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acionou uma das chaves que explicam o seu favoritismo durante o segundo turno: a venda de estatais é uma ação repudiada pela grande maioria da população. Segundo a pesquisa Ipespe/Valor, realizada no dia 24 com 1 mil entrevistas telefônicas e margem de erro de 3,2 pontos percentuais, 70% dos pesquisados se disseram contra a privatização das grandes empresas públicas. A pesquisa citava especificamente três empresas: Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Petrobras. Apenas 18% se posicionaram de forma favorável à venda.

Este percentual se repete mesmo entre os eleitores que se declaram partidários de Geraldo Alckmin. A identificação pelo eleitorado do tucano com o assunto é clara. Dos pesquisados, 49% ligam Alckmin com o assunto, ante 27% que relacionam Lula com o tema.

A avaliação das privatizações realizadas no passado, concentradas principalmente no governo Fernando Henrique, é ruim: 45% dizem que as privatizações foram mais negativas e 33%, mais positivas para o Brasil. Mesmo os eleitores de Alckmin não se colocam de forma clara em defesa das privatizações já feitas: 37% as classificam como negativas e 36% como positivas.

"A privatização virou a cara do Alckmin, em um caso bem sucedido de campanha negativa por parte do PT, o que desmente a tese de que uma campanha de ataque diminui a chance de se ganhar a eleição", afirma o presidente do Conselho Científico do Ipespe, Antonio Lavaredo.

A oposição à privatização e a identificação de Alckmin com este tema não só alavancam a dianteira de Lula como colaboram para que o eleitorado avalie de forma mais favorável a administração do presidente. O percentual de entrevistados que considera o governo bom ou ótimo pulou de 43% para 55% em um mês e aqueles que vêem o governo Lula como melhor que o de Fernando Henrique Cardoso já somam 65%. Lula conta com 53% de intenções de voto, ante 36% de Geraldo Alckmin.

Na última simulação de segundo turno do Ipespe em setembro, o petista estava com 47% e o tucano, com 36%. O clima favorável à reeleição transbordou para a avaliação da situação financeira pessoal. O percentual dos que pensam que sua situação melhorou subiu de 44% para 55% em um mês.

Os ataques de Lula não são a única razão lembrada para a dianteira do petista. "Não podemos esquecer que o tempo igual entre os candidatos no segundo turno fez com que o espaço de Lula no horário eleitoral crescesse 40%, enquanto o de Alckmin caiu, em relação ao primeiro turno", disse Lavareda.

Nesta conjuntura, a campanha negativa de Alckmin surtiu pouco efeito. Depois de um extensivo uso do episódio do dossiê em seu horário eleitoral gratuito e nos debates com Lula na televisão, os eleitores não diferenciam Alckmin e Lula no quesito honestidade. Cada um dos candidatos consegue 36% de identificação com o assunto.

Há um mês, havia um empate no eleitorado sobre qual tema era mais importante para a decisão de voto: investimentos em programas sociais ou combate à corrupção. Depois de sua ofensiva no uso da bandeira ética por Alckmin, a preferência pela diminuição da corrupção caiu de 39% para 35% e a prioridade para o combate à pobreza oscilou de 40% para 41%.

E é em relação a este tema que Lula consegue a maior identificação com o eleitorado. Dos pesquisados, 68% o associam com o combate à pobreza, ante 23% que o fazem em relação a Alckmin. Lula ainda suplanta largamente o adversário no tema " geração de empregos", com 54% das menções, ante 33% do tucano.

Na propaganda petista, é recorrente a comparação dos empregos formais gerados por Lula em relação aos que surgiram no governo Fernando Henrique: teriam sido 6 milhões na administração petista, ante 1 milhão que teriam sido criados no governo tucano. A contestação tucana de que o número absoluto dos desempregados teria aumentado de 9 milhões para 10 milhões na gestão do petista parece não surtir efeito.

O empenho de Alckmin em apresentar-se como administrador eficaz, capaz de reduzir a carga tributária e fazer o país crescer também pouco rendeu ao tucano. Os entrevistados não diferenciam Lula e Alckmin na redução da carga tributária, com cada um obtendo 41% de menções. O mesmo empate se repete em relação ao assunto "corte de gastos", com ambos conseguindo 39%.

Em relação ao crescimento econômico, 49% dos entrevistados associam esta virtude a Lula e 38% o fazem com Alckmin. O flanco do petista é a saúde: apenas 39% dos entrevistados associam Lula com melhorias no setor, e 51% o fazem com Alckmin. Nos debates televisivos, o tucano insistentemente pergunta ao presidente sobre o assunto. Além disso, é médico.

A pesquisa mostra que o eleitor dá grande importância aos debates entre os presidenciáveis. Dos pesquisados, 43% afirmaram que este é o principal fator para a decisão de voto. Somente 19% disseram que o noticiário a respeito dos contendores é um elemento mais importante. O programa eleitoral e os comerciais exibidos na mídia eletrônica são citados apenas por 15% dos entrevistados.

O escândalo do dossiê é percebido a cada dia com menor nitidez pelo eleitor no noticiário. No último mês, a percepção de notícias mais favoráveis a Lula na mídia subiu de 20% para 35%, voltando a superar o universo do que percebem mais notícias desfavoráveis, que caiu de 40% para 27%. Desde o aparecimento da imagem do dinheiro que seria usado para a compra do dossiê contra o tucano, na última semana antes do primeiro turno, não houve fatos novos de grande impacto sobre o caso.

Já a percepção sobre o noticiário envolvendo Alckmin é mais desfavorável agora do que o era há um mês. O total de eleitores que percebe um noticiário mais favorável para o tucano passou de 36% para 29%, ao passo que subiu de 14% para 25% os que vêem notícias negativas em relação ao candidato.