Título: Há cansaço com era Chávez no país, mas Capriles é incógnita
Autor: Murakawa, Fabio
Fonte: Valor Econômico, 05/10/2012, Internacional, p. A21

Os venezuelanos que forem às urnas no próximo domingo terão diante de si dois projetos bem diferentes: aprofundar o "Socialismo do Século XXI", patrocinado pelo presidente Hugo Chávez; ou mudar de rumo e abraçar as transformações defendidas pelo seu rival, Henrique Capriles, rumo a um Estado menor, mais eficiente, mas que mantenha os programas sociais que tiraram milhões de pessoas da pobreza em 14 anos de chavismo. Ao menos nos discursos dos principais candidatos, são essas as escolhas que se apresentam.

Chávez já disse com todas as letras que pretende levar sua "Revolução Bolivariana" a um "ponto de não retorno", caso seja eleito para um novo mandato, entre 2013 e 2019. Em recente entrevista ao Valor, Jesse Chacón, homem próximo do presidente e uma das principais figuras do chavismo, deu pistas sobre o que isso quer dizer.

Se, nos primeiros 14 anos de Presidência, Chávez se ocupou de reduzir a pobreza à metade, reduzir a desigualdade e aumentar o acesso à educação em todos os níveis (veja quadro ao lado), agora é hora de "definir claramente o modelo econômico". Em termos administrativos, isso significa dar mais poder aos conselhos comunais, ou "comunas", para que possam criar e gerir seus próprios recursos. "A utopia desse processo é a autogestão local", disse Chacón.

Outro desafio na construção dessa "Venezuela utópica" é de ordem cultural: convencer milhões de pessoas que ascenderam da pobreza à classe C a não consumir nos padrões de uma sociedade capitalista convencional. "É preciso buscar não a eliminação do consumo, mas a eliminação do consumismo", afirmou Chacón.

Para as grandes empresas venezuelanas e as multinacionais que operam ou querem operar por lá, o recado é bem claro. Elas terão que trabalhar "dentro do marco de um Estado que tem como foco a distribuição de renda, o controle do Estado para criar o bem-estar e para fazer o modelo sustentável do ponto de vista econômico". "Esse é um modelo construído sob o conceito do Estado forte, ao contrário de outros modelos na América Latina e na Europa", disse Chacón.

Nesse contexto, a estatal PDVSA continuará sendo não apenas uma empresa petroleira, mas uma espécie de superministério, com ingerência em todas as áreas de governo, sobretudo no campo social. No campo externo, o "império" dos EUA continua sendo o grande inimigo, enquanto Chávez continua girando o eixo de sua diplomacia rumo ao sul e aos países emergentes, onde ganham importância aliados como o Brasil, via Mercosul, além de China e Rússia.

Capriles, por sua vez, defende um modelo parecido com o que, ao menos em sua visão, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva implementou no Brasil: uma espécie de "bolivarianismo à brasileira", com forte atuação do Estado na área social, mas com instituições menos ideologizadas, um governo menos interventor e mais eficiente e um ambiente menos hostil ao empresariado e mais atraente ao investidor.

Algumas estatizações seriam revistas por Capriles, caso de empresas agrícolas, de cimento, de mineração e hotéis. Outros setores permaneceriam nas mãos do Estado, como água, telefonia e eletricidade. A PDVSA, segundo Capriles, também continuaria 100% nas mãos do Estado, mas sem gerir diretamente projetos que não sejam de sua alçada. Os EUA são aliados para Capriles, que promete relações menos tensas também com a Europa.

Nas ruas de Caracas, nota-se um certo cansaço em relação à "Revolução Bolivariana" e à figura de Chávez. Mesmo de pessoas que sempre votaram nele, é comum ouvir que "uma mudança é necessária". Além disso, basta andar pela capital para constatar a pouca vocação dos venezuelanos para a utopia do socialismo: shoppings, restaurantes e casas noturnas estão sempre lotados, e a cada esquina é possível avistar uma garota com vultosos implantes de silicone, enquanto os rapazes desfilam com seus imensos carrões SUV. Cenas nada "bolivarianas".

Já Capriles, é uma incógnita para muitos. Tem por trás de si uma imensa coalizão, de mais de 20 partidos, da extrema direita à extrema esquerda. E, apesar de criticar o autoritarismo de Chávez, teve uma participação ativa no fracassado golpe de Estado contra o presidente em 2002. Que tipo de governo pode sair daí? Essa é a pergunta que muitos se fazem.

O slogan dos candidatos deixa claro qual é o embate. A campanha governista diz que Chávez é o "coração da minha pátria". Ou seja, a consolidação dos avanços sociais depende diretamente de sua figura. Já a de seu rival afirma que "há um caminho". Mas aonde ele levará? Para muitos venezuelanos, hoje, qualquer caminho serve, desde que passe bem longe do chavismo. É com isso que conta Capriles.