Título: ONG defende marcas de café etíope e pressiona Starbucks
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 26/10/2006, Empresas, p. B5

Apontada por alguns pesquisadores como o país de onde o café se espalhou pelo mundo, a Etiópia está, agora, originando uma dor de cabeça para Starbucks, a maior companhia mundial de cafés especiais, que se prepara para iniciar atividades no Brasil. A Oxfam, prestigiada organização não-governamental inglesa, acusa a Starbucks de bloquear a estratégia do governo da Etiópia para aumentar as receitas com o café local, com o registro de nomes de suas variedades de café como marcas nos Estados Unidos. A ONG iniciou ontem uma campanha para forçar a companhia a assinar um acordo de licença de marcas com os etíopes.

A Starbucks nega a acusação, e, em declaração ao Valor, diz não ser a autora da ação no escritório de patentes dos EUA, que bloqueou o pedido de registro das marcas Sidamo e Harar, dois dos mais famosos nomes de café etíope (outro nome famoso no exterior, Yirgacheffe, foi registrado como marca). A empresa, ontem, enviou uma carta ao governo da Etiópia oferecendo apoio para um programa de "certificação" de qualidade e origem para o café do país.

"Esses sistemas são muito mais efetivos que registro de marcas para termos geográficos descritivos, que são, na verdade, contrários ao costume e à lei de marcas comerciais", diz a Starbucks, em nota.

"Não interessa se a Starbucks não concorda com a estratégia definida pela Etiópia; é o país, e não a companhia quem deve decidir qual a melhor solução para eles", reagiu a porta-voz da Oxfam Helen da Silva, que contesta a acusação de ilegalidade feita pela empresa.

A iniciativa de bloquear o pedido do governo etíope, de fato, não foi da Starbucks, mas da National Coffee Association (NCA). A Embaixada da Etiópia em Washington, porém, diz que a entidade só agiu após pedido da Starbucks, um ano após o início do processo aberto para registro das marcas.

"Conseguimos registrar as marcas na Europa e no Japão; mas a Starbucks nos impede de fazer o mesmo nos EUA", queixou-se, por telefone ao Valor, o presidente da Cooperativa de Plantadores de Café Oromia, Tadesse Meskela. Ele é protagonista do filme "Black Gold", sobre o comércio mundial de café e a pobreza dos produtores africanos (exibido até ontem no festival de Cinema de São Paulo).

A Oxfam e o governo da Etiópia acreditam que o registro das marcas permitirá aos agricultores do país aumentar em até US$ 88 milhões a receita anual com o principal produto de exportação etíope. O café garante 60% das exportações da Etiópia, e 90% da produção está a cargo de pequenas propriedades. Entidades como a cooperativa de Meskela (que, ontem, excursionava pelos EUA na divulgação de "Black Gold") acusam a Starbucks - que teve lucros de US$ 3,7 bilhões em 2005 - de vender por até US$ 26 a libra-peso do café, pelo qual os produtores etíopes ganham entre US$ 0,60 e US$ 1,10.

A Starbucks afirma ter pago, em média, US$ 1,28 por libra em 2005, 23% acima da média do mercado e lembra ter reconhecimento internacional por sua "liderança" em práticas "socialmente responsáveis", em mais de 27 países. A Oxfam e os etíopes insistem que a melhor forma de atender às necessidades dos cerca de 15 milhões de pessoas ligadas à produção de café no país seria firmar um acordo de licenciamento reconhecendo as marcas que designam os nomes tradicionais dos cafés da Etiópia. O acordo permitiria aos etíopes, duramente atingidos pela abrupta queda do preço do café, entre 2000 e 2003, controlar e cobrar mais pelo uso dessas denominações.

A querela pegou de surpresa Maria Luisa Rodenbeck, que trouxe a cadeia de restaurantes australiana Outback ao Brasil. Ela vai abrir, neste ano em São Paulo, as primeiras lojas da Starbucks no país. "Não sabíamos disso. Acredito que não afetará a vinda da Starbucks ao país". Esclareceu não ter informações sobre o caso e que não poderia falar em nome da companhia. "No Brasil, estamos trazendo benefícios, criando oportunidades em empregos e na busca de equipamentos nacionais", disse Rodenbeck.