Título: Lucro inoxidável
Autor: Cotias, Adriana e Fariello, Danilo
Fonte: Valor Econômico, 26/10/2006, EU & Investimentos, p. D1

Independente das dúvidas acerca do refinanciamento da dívida da Vale do Rio Doce após a aquisição da canadense Inco - a liquidação será efetuada hoje -, os papéis da mineradora ainda são uma boa opção de investimento, especialmente no longo prazo. O impacto do negócio, que colocou a mineradora brasileira em pé de igualdade com as gigantes globais do setor, já foi em grande parte refletido no preços das ações nas últimas semanas. Neste mês, a ação PNA (sem direito a voto) subiu 17,34% e o papel ON (com direito a voto) valorizou 18,71%, enquanto o Ibovespa avançou 8,54% até ontem. Mas há ainda ganhos a capitalizar, segundo analistas, embora com certa volatilidade.

Pela base de dados da Thomson One Analytics, das nove corretoras que acompanham a empresa, oito - já com as revisões feitas desde setembro até ontem - recomendam compra para Vale do Rio Doce PNA. Na média, o preço-alvo é de R$ 60,42, o que indica potencial de valorização de quase 30% para as ações. As estimativas consideram projeções de resultados para a empresa, mas estão condicionadas à procura pelo ativo.

Com a compra da Inco, que será a divisão global de níquel da Vale, o endividamento da mineradora se multiplica por quatro numa tacada só e a alavancagem, medida pela relação entre dívida bruta e Ebtida (a geração de caixa operacional) sobe de 0,8 vez para quase 2 vezes, detalhou o diretor de finanças da Vale, Fábio Barbosa, em teleconferência. Isso porque, para bancar a operação, a empresa recorreu a um empréstimo-ponte de US$ 18 bilhões junto a um consórcio de 37 bancos, com vencimento em dois anos.

A leitura preliminar da analista da Coinvalores Elaine Rabelo era de que a mineradora teria de consumir muito de seu caixa para honrar a obrigação. Mas Barbosa esclareceu que a intenção é trazer a alavancagem para o índice anterior à aquisição num intervalo de apenas três anos. "O conceito é usar a diversificação e evitar uma excessiva concentração num único mercado de capitais", sinalizou o executivo da Vale. A emissão de bônus perpétuos no mercado internacional e de debêntures no Brasil estão entre os planos, conforme antecipou o Valor.

O empenho da Vale em desenhar opções de refinanciamento rapidamente e a intenção de trazer a alavancagem para o nível anterior à compra num prazo relativamente curto foram determinantes para que o mercado recebesse a operação com menos ressalvas do que há cerca de 70 dias, quando a mineradora anunciou a oferta, diz Elaine. "O endividamento sobe, mas é administrável, pois a empresa tem uma geração de caixa forte, que será adicionada com o fluxo da Inco, e a empresa tem inúmeras possibilidades de se refinanciar no mercado local ou internacional."

No curto prazo, o mercado ainda está temeroso com o elevado grau de endividamento da empresa, diz Marco Melo, chefe de pesquisa e estratégia da corretora Ágora. Mas, a longo prazo, a aquisição é ótima vantagem, porque leva a empresa a diversificar seus negócios, avalia. O preço do níquel, principal produto da Inco, teve alta maior do que o minério de ferro nos últimos quatro anos e espera-se que a demanda continue forte por alguns anos, afirma Melo.

A aquisição da Inco é um passo estratégico interessante para a Vale, que tem aspirações globais, diz o especialista da Ágora. "A Vale passa a ser vista globalmente, ou seja, deixa de ser uma empresa de país emergente com ligação direta ao desempenho do risco Brasil."

Depois de ter atingido o preço máximo de R$ 48,57 no início de maio, Vale PNA chegou a cair a R$ 36,62 em junho, oscilando também ao sabor das commodities metálicas no mercado internacional. Ontem o papel PNA fechou a R$ 46,70, com alta de 1,54%. A ação ON subiu 1,10%, para R$ 55.

Ao longo deste ano, as ações ON têm apresentado rentabilidade ligeiramente maior do que as PNA. A diferença entre o preço dos papéis tem oscilado bastante em meio a especulações sobre unificação das duas classes. Ontem, a ação ON fechou 17,8% mais cara do que a PNA. Essa diferença chegou a variar entre 10% e 25% só em 2006. Essas especulações consideram que, numa eventual mudança societária da Vale, as ações preferenciais seriam mais sujeitas a perdas. E com uma operação global de maior peso, os holofotes dos grandes competidores internacionais se voltam agora para a própria Vale, que também poderia ser alvo de aquisição ou parcerias estratégicas, pondera Melo.

As ações ON da Vale atualmente estão em carteira de diversos trabalhadores que aplicaram recursos próprios ou do FGTS na empresa em operação de venda de ações pelo governo em 2002. Hoje, cotistas de fundos possuem mais de R$ 5 bilhões em ações da Vale.

Um ponto de conforto para os investidores, segundo avaliou Barbosa, foi a manutenção da Vale como grau de investimento pelas agências de classificação de crédito. "Trabalhamos para mostrar para os credores e as agências a nossa capacidade de pagamento, que conseguiríamos combinar esse passo estratégico com o maior endividamento." Ele considerou natural que as ações sofressem no período que antecedeu a finalização da compra. "Nós sempre tivemos a convicção de que esse negócio geraria valor para nossos acionistas, mas o mercado tende a atribuir descontos a operações de aquisição, enquanto elas não se concluem, depois os analistas reavaliam com mais cuidado, de posse de mais informações."

Segundo Melo, da Ágora, a avaliação atual da Vale pelos analistas segue o raciocínio de que, por conta da dívida, o risco no curto prazo aumentou. No entanto, a empresa ganhou melhor sustentabilidade no longo prazo com a compra da Inco, o que, indiretamente, reduz o risco da empresa em períodos mais longos, conclui.

Depois da revisão das notas pela Fitch Ratings e pela Standard & Poor's na terça-feira, ontem foi a vez de a Moody's Investors Service reduzir a nota da Vale em moeda local de "Baa1" para "Baa3", confirmando, porém, o rating em escala nacional em "Aaabr" e a nota em moeda estrangeira em "Baa3". Embora rebaixada, a Vale ainda é considerada grau de investimento.