Título: Supremo condena José Dirceu por corrupção ativa
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2012, Política, p. A12

O Supremo Tribunal Federal (STF) chegou, ontem, à maioria de votos para condenar o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares por corrupção ativa. Segundo a Corte, eles organizaram um esquema para comprar votos e obter apoio político no Congresso. Também houve maioria para punir o publicitário Marcos Valério, seus sócios Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, seu advogado Rogério Tolentino e a ex-diretora financeira da agência SMP&B Simone Vasconcellos pelo mesmo crime.

Nessa parte do julgamento, que tratou da acusação de compra de votos, foram absolvidos apenas o ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto e Geiza Dias, ex-gerente financeira da SMP&B. O primeiro recebeu oito votos favoráveis e a segunda obteve sete.

Os placares por condenações foram acachapantes e o STF esteve distante de chegar a qualquer divisão de votos. As maiorias foram elásticas para concluir pela existência de um esquema em que os oito réus cometeram o crime de corrupção ativa.

Houve unanimidade para concluir que Delúbio, Valério, Paz, Hollerbach e Simone atuaram para comprar votos no Congresso. Esses cinco réus sofreram oito votos cada um pela condenação. Genoino teve apenas um voto a seu favor, dado pelo revisor do processo, ministro Ricardo Lewandowski, e sete contrários. Já Dirceu contou com dois votos favoráveis: de Lewandowski e do ministro José Antonio Dias Toffoli, que foi subchefe jurídico da Casa Civil, na gestão de Dirceu. Ao todo, seis ministros afirmaram que Dirceu é culpado por corrupção ativa. Como há dez ministros na Corte, o ex-ministro-chefe já pode ser considerado condenado.

O julgamento desse item será concluído com os votos dos ministros Celso de Mello, ausente na sessão de ontem, e do presidente Carlos Ayres Britto, que deixou para apresentar hoje suas conclusões. As penas só serão conhecidas depois que o STF encerrar todos os itens do julgamento. A Corte está no fim do quarto item - são sete no total.

Quase todos os ministros concluíram que o mensalão foi comandado por Dirceu e que Genoino não apenas sabia do esquema de compra de apoio político como participou de sua organização ao lado de Delúbio e de Valério. "De todo dos indícios e provas apresentadas, houve, sim, vantagem que foi de alguma forma ofertada ou garantida pelo réu José Dirceu", acentuou a ministra Cármen Lúcia. "Restou demonstrado que Dirceu teve realmente uma participação acentuada nesse escabroso episódio", afirmou o ministro Marco Aurélio Mello. "Poupem-me de atribuir a Genoino tamanha ingenuidade", completou, negando a tese de que o então presidente do partido cuidava apenas de articulações políticas, e não de assuntos financeiros. Para Gilmar Mendes, afirmar que Dirceu e Genoino "ignoravam totalmente" a distribuição de recursos pelo PT a partidos da base aliada significaria "menosprezar a inteligência alheia". Segundo ele, seria inconcebível entender que Delúbio agiu sozinho nas negociações com outros partidos. "Delúbio não era o todo poderoso dirigente do PT", disse.

Cármen Lúcia, que, além de atuar no STF, preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), deu um dos votos mais fortes contra a antiga cúpula do PT. Primeiro, considerou absurda a forma como advogados dos réus defenderam a versão de que teria ocorrido apenas um esquema de caixa dois para financiar campanhas políticas, e não para comprar votos no Congresso. "Eu acho estranho e muito grave que alguém diga, com muita tranquilidade, que houve caixa dois", disse Cármen Lúcia. "Caixa dois é crime, é uma agressão à sociedade brasileira. Dizer isso perante o STF me parece realmente grave porque fica parecendo que ilícito no Brasil pode ser praticado e tudo bem. Não é "tudo bem"."

Em seguida, Cármen Lúcia passou a especificar a culpa de cada um dos integrantes da cúpula do PT durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "No caso de Dirceu, não há nenhum documento assinado por ele que levasse à comprovação de que teria praticado atos de corrupção ativa. Entretanto, a partir das próprias declarações de Delúbio, a fala é no sentido de que ele tinha respaldo", disse a ministra. Ela enfatizou que a transferência de dinheiro para políticos ocorria em datas próximas às reuniões de Dirceu com Valério e dirigentes do Banco Rural, responsável por conceder empréstimos às agências do publicitário e ao PT. De acordo com ela, houve "oferta de vantagem" para conseguir base partidária "e isso se fez com o conhecimento" de Dirceu, "que era impossível não se ter".

Outros ministros chegaram à mesma conclusão. "Não é ilícito o ministro-chefe da Casa Civil fazer reuniões em caráter reservado", ressaltou Mendes. "Mas a ilicitude pode advir do contexto em que os fatos se entrelaçam na medida em que ele se reúne exatamente com os chefes de instituições financeiras que advogam pelos empréstimos realizados."

Vários integrantes do STF lamentaram a situação de Genoino, condenado, entre outras razões, por ter assinado o empréstimo de R$ 3 milhões do PT com o Rural. Mendes lembrou "a notável atuação desse parlamentar" para, em seguida, dizer que Genoino participou de um projeto de poder que incluiu desvio de dinheiro público. "Os dirigentes do PT pareciam ter um projeto de poder com dois objetivos: expansão do próprio partido e formação de uma base aliada", disse Mendes.

"Como um partido com finanças em frangalhos pode de repente ter tanto dinheiro para distribuir para tanta gente e essa pessoa (Genoino) não percebesse e pudesse perguntar ao tesoureiro de onde vem esse dinheiro?", questionou Cármen Lúcia. A ministra também lamentou a situação de Genoino e comparou o caso dele ao de alguém que "anda mil quilômetros de maneira correta, vai trocar o canal do rádio e acaba provocando um acidente". "A vida é como uma estrada. Só que eu não estou julgando a história da pessoa, mas apenas a prática imputada pelo Ministério Público."

No início da sessão, o revisor do processo, ministro Ricardo Lewandowski, pediu a palavra para fazer uma última defesa de Genoino. Ele disse que o empréstimo de R$ 3 milhões foi quitado e que essa verba não foi utilizada para comprar votos. "Esses R$ 3 milhões não integram o valerioduto, não serviram para comprar políticos. Para mim, Genoino está sendo condenado pelo simples fato de ter sido presidente do PT à época", disse o revisor. Em seguida, Lewandowski utilizou um laudo do Instituto de Criminalística para defender que Genoino não avalizou o empréstimo junto com Marcos Valério, mas apenas as renovações. Nesse ponto, foi contestado por dois ministros. "O laudo realmente informa isso. Agora, o documento, a cédula de crédito bancário, está subscrito por Valério e Genoino", ressaltou Marco Aurélio. "Quem representou o PT como partido foi o presidente (Genoino) e Valério como avalista", completou Britto.

Toffoli condenou Genoino com base nas reuniões do então presidente do PT com líderes de outros partidos que receberam dinheiro no mensalão, mas absolveu Dirceu, alegando que a única testemunha que o acusou foi o presidente do PTB, Roberto Jefferson, um "inimigo figadal" do ex-ministro. Segundo ele, não é possível imputar a Dirceu atos que teriam sido cometidos por pessoas próximas ou subordinados sem provas inequívocas. "Há apenas a palavra de Roberto Jefferson", disse.

"Ainda que a defesa procure atribuir inimizade ao corréu, as afirmações de Jefferson foram sempre reveladoras e desvendaram ao país esse lamentável episódio", rebateu Mendes. Para Marco Aurélio, "Jefferson acabou prestando um serviço ao país e ao próprio PT". Segundo ele, Dirceu "valeu-se da estrutura do grupo até para resolver problemas particulares da ex-cônjuge". O ministro lembrou que a ex-mulher de Dirceu obteve um empréstimo no BMG - banco envolvido no esquema - para adquirir um apartamento e, depois, vendeu-o para outro réu. "Que coincidência incrível! O interessado (no apartamento) seria Tolentino!"

O relator, Joaquim Barbosa, a ministra Rosa Weber e Luiz Fux votaram na quinta-feira. Os três condenaram todos os réus desse item, com exceção de Adauto e Geiza. O Supremo retoma o julgamento do processo do mensalão na sessão de amanhã.

Para o advogado de Dirceu, José Luís de Oliveira Lima, a análise do STF não foi a correta, mas deve ser respeitada. "Eu entendo que existem várias que provas que levariam a outro desfecho, ou seja, à inocência, mas não foi esse o olhar do plenário e cabe à defesa respeitar uma decisão do STF", disse Lima.

Após o fim da sessão de ontem, José Dirceu divulgou uma nota em seu blog, intitulada "ao povo brasileiro". Segundo a nota, a partir da cassação de seu mandato na Câmara dos Deputados em 2005, "em ação orquestrada e dirigida pelos que se opõem ao PT e seu governo", ele foi transformado em "inimigo público numero 1". "Fui prejulgado e linchado. Não tive, em meu benefício, a presunção de inocência", afirma o ex-ministro. "Hoje [ontem], a Suprema Corte do meu país, sob forte pressão da imprensa, me condena como corruptor, contrário ao que dizem os autos, que clamam por justiça e registram, para sempre, a ausência de provas e a minha inocência." Dirceu finaliza a nota afirmando que acatará a decisão, mas não se calará. "Continuarei a lutar até provar minha inocência."