Título: Juro menor, apenas, não trará mais crescimento
Autor: Lamucci, Sergio e Neumann, Denise
Fonte: Valor Econômico, 27/10/2006, Brasil, p. A3

A redução significativa dos juros reais no Brasil passa pela solução do nó fiscal do país, que precisa ser desatado por meio do controle da expansão dos gastos correntes e da redução do tamanho da dívida. A diminuição significativa das taxas, porém, é condição importante, mas não necessariamente suficiente para tirar o Brasil da letargia econômica em que se encontra desde o começo dos anos 80. Melhorar as condições de oferta da economia, reduzir a carga tributária, investir mais pesadamente na eficiência dos gastos com educação são pontos também fundamentais para acelerar a taxa de crescimento do país, de acordo com economistas que participaram ontem de um seminário promovido em São Paulo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pelo Valor.

Para o professor Samuel Pessôa, da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da FGV do Rio, a economia brasileira tem hoje um modelo de estabilidade com baixo crescimento, baseado em gastos públicos elevados, que exigem uma carga tributária altíssima para financiá-los e a contenção de investimentos. Uma conseqüência perversa desse arranjo é a taxa de juros elevada, que, descontando a inflação, está na casa de 10%.

Para ele, equacionar a questão fiscal é imprescindível para reduzir os juros, o que deveria passar por medidas como a reforma da Previdência e uma reforma administrativa que permita demissões por excesso de contingente ou insuficiência de desempenho. Mas não basta reduzir os juros para o país deslanchar, avalia Pessôa. Ele acredita que o país tem fortes restrições de oferta, que fazem a economia trabalhar sempre próxima da plena capacidade. Por isso, quando há alguma aceleração da demanda, como em 2004, surgem pressões inflacionárias que têm de ser combatidas com elevação dos juros.

Pessôa considera indispensável o estímulo à expansão da oferta, com medidas que melhorem o ambiente de negócios e dêem mais confiança para o investimento privado. Medidas que incentivem o aumento da poupança e melhorem a qualidade da educação também são fundamentais. Para ele, aliás, a China cresce a taxas elevadas não por ter um modelo baseado em câmbio valorizado e juros baixos, mas porque os "chineses poupam muito, estudam muito e trabalham muito".

O professor Márcio Holland, da FGV, por sua vez, tem mais confiança no impacto da queda dos juros sobre a economia. Ele diz que é obviamente importante atacar problemas sociais e educacionais ao mesmo tempo, mas considera que uma redução do nível real dos juros ajudaria também nesse processo. Taxas menores favorecem o investimento, por exemplo. Holland nota a dificuldade do país em reduzir os juros reais. De 1999 para cá, eles continuam na casa de 10%, mesmo com a significativa melhora nas contas externas.

Entre diversas "explicações plausíveis" para o nível dos juros no Brasil ele cita a herança do regime de câmbio fixo e a questão da incerteza jurisdicional, para se concentrar também na questão fiscal. O país, lembra ele, tem uma dívida pública muito elevada em relação a outros países emergentes, equivalente a 50% do PIB. Além disso, a dívida interna tem um perfil ruim, com 41,5% dos papéis atrelados aos juros básicos, e prazos curtos.

Para acelerar a redução dos juros, Holland diz que uma opção seria aumentar o superávit primário no curto prazo, elevando a meta de 4,25% para 6% do PIB. Se ao mesmo tempo a taxa Selic fosse reduzida com mais força, para a casa de 8,5% em dezembro de 2007, a relação entre a dívida líquida e o PIB cairia dos atuais 50% para 38% no ano que vem. Segundo ele, essa estratégia permitiria aumentar o investimento público, reduzir a carga tributária e resultaria num crescimento maior já em 2007, de 4%.

O ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco também aponta a situação fiscal complicada como a principal explicação para o nível dos juros no Brasil. A dívida bruta - a que realmente importa, segundo ele - é elevadíssima, superior a 70% do PIB. Um dos grandes desafios do país, segundo ele, será aumentar a taxa de investimento, hoje na casa de 20% do PIB, um número irrisório se comparado aos mais de 40% da China.

Franco lembrou que, nos anos 70, o Brasil já teve uma taxa que beirava os 30% do PIB. A grande diferença é que o Estado investia mais de 10% do PIB. Hoje, a quase totalidade das inversões feitas no país são feitas pelo setor privado. A tarefa árdua, segundo ele, será aumentar ainda mais a taxa de investimento das empresas, o que não vai depender de escolhas tomadas em Brasília. Reduzir os juros e desenvolver o mercado de capitais ajudarão nesse processo.

A exemplo de Pessôa, o professor André Portela, da FGV, insistiu na importância da educação para acelerar o crescimento. Segundo ele, o momento agora é de investir na melhora da qualidade, de maneira a gastar com mais eficiência os cerca de 4% do PIB destinados ao setor. É crucial melhorar a qualidade do ensino básico e expandir o número de vagas no ensino superior.