Título: Empresas brasileiras avançam rumo aos mercados exóticos
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 27/10/2006, Brasil, p. A4

Quando a H. Stern decidiu avançar no mercado externo em 2003, foi preciso tomar uma decisão arriscada: buscar distribuidores. Mesmo com 160 lojas em 12 países, estava impossível atender a demanda. A joalheira traçou uma estratégia de encontrar parceiros na Europa e nos Estados Unidos onde estavam seus clientes-alvo. Com o plano debaixo do braço, os executivos partiram para a tradicional feira de relógios e jóias em Basel, na Suíça. Lá encontraram um parceiro muito interessado em vender suas jóias, só que não era americano ou europeu, mas cazaque.

Depois de se recuperar do susto, Victor Natenzon, vice-presidente executivo da H. Stern, fez as malas e embarcou rumo a Almaty, a capital econômica do Cazaquistão. O executivo conta que encontrou um país que está "reescrevendo sua história". Situado na Ásia Central ao noroeste da China, com o povo dividido entre muçulmanos e cristãos ortodoxos, o Cazaquistão se tornou independente em 1991 após o fim da União Soviética.

Com a chegada do capitalismo, uma parcela da população cazaque está enriquecendo rapidamente, favorecida pelas fartas reservas de petróleo, que garantiram crescimento de 9% em 2005. Clientes que a H. Stern sabe reconhecer em qualquer lugar do mundo. Natenzon fechou negócio, as peças brasileiras começaram a ser vendidas pelo joalheiro local, e hoje a H. Stern estuda abrir uma loja no país em sociedade com o parceiro.

A estratégia dos distribuidores, menos onerosa do que montar lojas próprias, também foi bem sucedida e gerou 70 parceiras em 20 países. A H. Stern avançou na Europa e abriu 25 novos pontos de venda nos Estados Unidos. Foi atrás do consumidor americano durante suas férias no Caribe com parceiros em Aruba e Porto Rico. A empresa ingressou no Oriente Médio e as exportações respondem hoje por 54% do faturamento. Nos anos 90, respondiam por 20%.

A H. Stern é apenas uma das empresas brasileiras que estão se arriscando em mercados exóticos e obtendo bons resultados. De janeiro a setembro em relação a igual período de 2005, as exportações do Brasil cresceram mais de 160% para a Letônia e Sri Lanka, 120% para o Sudão, e mais de 100% para Guiné e Etiópia. Levantamento do Ministério do Desenvolvimento identificou 38 destinos não tradicionais para os quais o Brasil vendeu no mínimo 30% a mais no período.

Algumas vezes é a natureza do negócio que obriga as companhias a serem audaciosas. Formada por Itambé, CCCL, Confepar, Embaré e Ilpisa, a trading Serlac tinha a difícil missão de exportar leite em pó e condensado. As portas dos mercados americano e europeu estão fechadas para esse negócio - são países exportadores e protecionistas. Na América Latina, o Brasil enfrenta a concorrência dos sócios do Mercosul, Argentina e Uruguai, há muito tempo estabelecidos no mercado de leite. Segundo Alfredo de Goeye, diretor da trading, "o caminho natural foi buscar mercados exóticos".

Em três anos, a Serlac exportou para 60 países, muitos na África e no Oriente Médio. Os grandes compradores do leite em pó brasileiro hoje são Angola, Venezuela, Cuba e Iraque. As vendas para o Iraque, que vive uma interminável guerra civil, são feitas através dos programas de ajuda humanitária da Organização das Nações Unidas (ONU). A empresa fez embarques ocasionais para o Afeganistão ou para a beligerante Coréia do Norte do ditador Kim Jong Il.

Alguns mercados foram abertos após muitas tentativas, em outros, bastou a sorte. A Serlac investiu na prospecção de clientes no norte da África, que consome muito leite em pó importado. Os traders visitaram três vezes a Líbia - aventuras com direito a serem expulsos aos gritos, em árabe, ao entrarem no quarto indicado pelo recepcionista de um hotel na capital Tripoli, pois a habitação já estava ocupada. Para Angola, a Serlac começou a vender por acaso, quando saiu, às pressas, em busca de um comprador para um carregamento que havia sido rechaçado no Congo, em uma manobra do cliente para conseguir mais desconto.

Cuba também se tornou um mercado importante para a trading. Em 2005, a Serlac vendeu US$ 10 milhões para a ilha de Fidel Castro, valor significativo para a companhia, apesar dos "riscos de calote e burocracia infinita". "Os cubanos mudam sempre a programação, mas a margem compensa, porque pagam bem", diz Goeye. O Estado importa o leite em pó e a empresa conseguiu substituir um fornecedor europeu. "O fato de a Serlac ser brasileira ajuda. Eles são simpáticos a essa troca."

Apesar da experiência ter sido bem sucedida até agora, Goeye está preocupado com a sobrevivência do negócio devido ao câmbio. Ele diz que, este ano, vai exportar metade dos US$ 42 milhões de 2005. "Estamos dispensando pedidos picados", afirma. Goeye conta que empresas brasileiras estão desistindo de algumas exportações por conta do câmbio. Para não perder o cliente, a Serlac está comprando o produto na Argentina.

Muito empresários reclamam da valorização do real, argumentando que põe em risco a conquista de mercados não tradicionais. O custo de vender para tais destinos é alto, seja pelo menor fluxo de produtos, pela oferta mais fraca de navios e aviões ou pela dificuldade de prospectar clientes. Logo, trata-se de uma exportação que precisa de uma margem mais alta de lucro para se tornar viável. Entre 1999 e 2006, o Brasil aumentou de 210 para 223 o número de destinos para os quais exporta.

A paranaense Moval contribuiu para essa diversificação. Como outras empresas, a fabricante de móveis, especializada em cama, guarda-roupa e criado-mudo, começou exportando para o Mercosul. Hoje o bloco representa apenas 5% das vendas externas da companhia, que exporta para mais de 40 países. No roteiro, estão destinos como Cabo Verde, Jamaica, Costa Rica ou Granada. A exportação representa 25% do faturamento.

"Começamos participando de feiras lá fora", conta, com simplicidade, o diretor-administrativo da Moval, Ivan Cleber Oliveira. A mais nova investida da empresa é a África, para onde a exportação começou há um ano e meio. A empresa buscou esse mercado para fugir dos prejuízos provocados pela valorização do dólar nas vendas para o Caribe. "O câmbio está dificultando. Para honrar os compromissos, estamos fazendo malabarismo interno", diz.

Nas multinacionais, a aventura da exportação é menos excitante do que para as companhias nacionais. Muitas vezes, um mercado distante recebe produtos brasileiros porque faz sentido na lógica de organização interna da transnacional. Nesses casos, o segredo está em garantir que a filial brasileira se torne a melhor opção de fornecimento do produto - isso significa boa qualidade pelo menor preço.

A AGCO do Brasil exportou 208 tratores da marca Massey Fergusson para a Indonésia em 2005 para o cultivo da cana-de-açúcar. Também foram embarcados tratores para a Malásia, Papua Nova Guiné e Ilhas Salomão. As vendas são fechadas pelo centro de comercialização na Austrália, mas atendidas pelo Brasil. A empresa também vendeu 929 tratores para a África do Sul, 172 para a Rússia, 272 para a Etiópia e 200 para o Iraque.

Fábio Piltcher, diretor de marketing da Massey Fergusson, explica que os tratores feitos pela fábrica da empresa no Rio Grande do Sul são mais robustos e econômicos do que os fabricados na França, de onde saem as máquinas com mais eletrônica. Os tratores brasileiros estão, portanto, adequados à realidade da agricultura dos países emergentes. Em 2001, a AGCO do Brasil conseguiu que a matriz optasse pelo país para a fabricação desses modelos. Resta saber se com o atual patamar do dólar vai continuar rentável transportar um trator brasileiro até o Sri Lanka.