Título: Delúbio vive em regime de reclusão voluntária
Autor: Junqueira, Caio
Fonte: Valor Econômico, 27/10/2006, Política, p. A16

A denúncia do mensalão apresentada pela Procuradoria-Geral da República tramita na morosidade da Justiça, sem previsão se haverá punidos ou prazo previsto para que as eventuais penas sejam aplicadas. Até isso acontecer, porém, um dos quarenta denunciados ao Supremo Tribunal Federal já cumpre a sua pena: o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, que vive sob regime de reclusão voluntária em um apartamento no centro de São Paulo.

Os vizinhos não o vêem, o dono da banca da esquina não o vê, o dono da locadora de DVD ao lado do prédio não o vê, e os taxistas do ponto da outra esquina também também não. Apenas antigos correligionários ainda mantêm contato com ele. Um deles é o ex-presidente do PT José Genoino, que costuma visitá-lo semanalmente, mas se negou a falar sobre como vive Delúbio. Outro é o ex-presidente da CUT e secretário sindical do PT, João Felício, que negou ter contato permanente com Delúbio. O ex-ministro José Dirceu também foi apontado como outro interlocutor do ex-tesoureiro, mas a informação não foi confirmada por sua assessoria.

Quando o assunto é Delúbio, integrantes do PT paulista evitam comentar. O deputado estadual Fausto Figueira, por exemplo, embora tenha abrigado por alguns meses em seu gabinete a mulher de Delúbio, a ex-secretária municipal de gestão no governo Marta Suplicy Mônica Valente, afirmou desconhecer a vida dele. Mônica, aliás, é mencionada como fundamental nessa reclusão de Delúbio. De acordo com pessoas próximas a ela, além de não querer expor o marido, Mônica tem preservado o instinto de de militante petista e não quer que eventuais declarações do marido prejudiquem o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de uma nova crise, ainda mais às vésperas da eleição.

Depois do período na Assembléia, Mônica, que sempre atuou no movimento sindical, foi trabalhar na Organização Regional Interamericana de Trabalhadores (Orit). Ao lado de Mônica, a pessoa que mais tem contato com Delúbio é Jorgeval Antonio Campos, que há tempos serve ao ex-tesoureiro na função de "faz-tudo". No auge da crise do mensalão, ele foi o responsável por levar a uma reunião do diretório nacional do PT a carta em que Delúbio pediu a suspensão temporária de sua filiação ao partido. Na mesma época, sob a alegação de corte de despesas, Jorgeval foi demitido do partido, mas continuou ligado a Delúbio. Atualmente, é ele quem presta serviços ao ex-tesoureiro. O Ômega prata australiano de Delúbio, bloqueado pela Justiça, é dirigido por Jorgeval pela cidade. Leva Mônica ao trabalho e ao dentista, por exemplo.

Jorgeval também foi acolhido na Assembléia Legislativa. No gabinete do deputado estadual reeleito Vicente Cândido (PT), ligado ao senador Aloizio Mercadante (PT), foi nomeado em junho ao cargo comissionado com maior salário do gabinete: R$ 6.959,85. Apesar do alto valor que recebe, funcionários do próprio gabinete afirmam desconhecê-lo. "Jorgeval? Esse nome não me é estranho, mas não me lembro quem é", afirmou um deles ao Valor. Outro, informado de que se tratava de um prestador de serviços a Delúbio, disse estar surpreso com a informação. Responsável por sua admissão, o deputado Vicente Cândido disse se tratar de um excelente profissional, sem posto fixo no gabinete, mas que presta serviços como motorista e nas áreas de segurança e logística. Com o carro de Delúbio, Jorgeval vai à Assembléia. No mesmo dia, passa no comitê de Lula, no centro, para encontrar um amigo. Esteve ainda, com o carro de Delúbio, na sede do PT nacional. Questionada, a assessoria do PT informou que Jorgeval passou na sede do partido para pegar material de campanha. O Valor ligou ontem para o celular de Jorgeval, que não foi atendido.

Não se sabe como Delúbio se sustenta. Institucionalmente, o PT não lhe ajuda, mas membros do partido costumam dar-lhe dinheiro. Seu padrão de vida, aparentemente, diminuiu. Ele e sua mulher moravam em um apartamento alugado nos Jardins, zona nobre de São Paulo. Após a crise, transferiram-se para a alameda Marques de Paranaguá, no centro, em um apartamento da mãe de Mônica. No entanto, no principal processo em que é réu, o do mensalão, mantém como advogado um dos melhores criminalistas do país, Arnaldo Malheiros. Em outro processo, promovido pelo Ministério Público de Goiânia, mantém um advogado da cidade como defensor. Promotores goianos o acusam de improbidade administrativa por suposto recebimento de salários indevidos como professor da Secretaria da Educação de Goiás, mesmo estando afastado das salas de aula.

O ex-tesoureiro, todavia, não é só réu na Justiça. Acionou a União devido à utilização de seu nome em um concurso público da Escola Superior da Administração Fazendária, onde, em uma questão, questiona qual o crime em que incorreu o personagem fictício "Delúbio" que utilizou o veículo oficial em um fim-de-semana para viajar com a família. A justificativa do pedido de R$ 200 mil nesta ação, feita por uma advogada de Brasília a título de danos morais, pode explicar a razão da reclusão de Delúbio em seu apartamento no centro de São Paulo: "(...) não é descipiendo asseverar, aliás, que tal perfil, estabelecido por um órgão público através de uma questão séria de um concurso público, representa a antecipação de uma eventual condenação para a maioria da sociedade."