Título: Desgate dos partidos leva religiosos à política
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 27/10/2006, Política, p. A17

Religiosos da Igreja Católica estão se destacando no cenário político sul-americano, à frente de movimentos de oposição aos partidos tradicionais. É o caso do bispo de Misiones (Argentina), Joaquín Piña, do bispo de San Pedro (Paraguai), Fernando Lugo e do padre Eduardo Delgado, no Equador.

Deles, só Delgado largou a batina. Porta-voz do movimento social Equador Decide, esteve à frente das manifestações que derrubaram o presidente Lucio Gutiérrez, em abril de 2005, e atua na campanha para presidente do país.

Fernando Lugo, 52, é bispo no departamento (Estado) de San Pedro, um dos mais pobres do Paraguai, situada ao norte de Assunção. Destacou-se publicamente resolvendo conflitos sociais na região até que foi chamado para participar da criação do Resistência Cidadã, movimento que, ao aglutinar partidos políticos, centrais sindicais, organizações sociais e camponesas, deu impulso à debilitada esquerda paraguaia.

No ano passado, pediu licença ao Vaticano para se candidatar à Presidência nas eleições de maio de 2008 e chegou a declarar no início deste ano que seria candidato, segundo a imprensa local. A resposta foi não. Em setembro, a Conferência Episcopal do Paraguai divulgou comunicado em que reprova a atividade política de Lugo.

Em entrevista ao Valor, por telefone, Lugo afirmou que não é candidato a nada, mas que as pesquisas no Paraguai têm apontado seu nome como tal. "É um desejo do povo, não meu. Tenho limitações canônicas, jurídicas e constitucionais. Não tenho permissão para ser candidato." Disse que o que fez foi convocar uma composição de forças com grupos sociais e políticos.

A Resistência Cidadã é uma "coordenação cívica de grupos sociais e empresariais que querem resgatar a convivência democrática e fortalecer a democracia, exigindo a alternância a um partido que está há quase 60 anos no poder", definiu Lugo, referindo-se ao Partido Colorado, do presidente Nicanor Duarte Frutos. O Resistência ganhou destaque e adesões com uma plataforma simples, de só quatro pontos: 1) ditadura nunca mais; 2) reativação econômica do país, com progresso econômico eqüitativo; 3) reestruturação da lei de reativação fiscal (uma espécie de reforma tributária, que onere mais os ricos e desonere os pobres) e 4) renúncia de cinco juízes da Corte Suprema que, diz o bispo, autorizaram Duarte Frutos a acumular o cargo de presidente do Partido Colorado com a Presidência da República, contrariando a Constituição.

Por que membros da igreja têm se sobressaído como líderes políticos e até candidatos? "A política tradicional está em geral muito desgastada. As lideranças políticas não têm credibilidade, cada vez há mais políticos envolvidos em casos de corrupção, e isso faz com que surjam líderes religiosos que tomam o espaço", explicou Lugo.

O caso argentino é muito parecido: o bispo Joaquín Piña aglutinou a oposição (esquerdas e movimentos sociais). Gustavo Adolfo Druetta, assessor político do candidato Roberto Lavagna, comenta que "toda vez que um setor da Igreja Católica enfrentou o governo (forte ou fraco), aglutinou em torno de si forças políticas que estavam dispersas, para encurralar e derrotar o oficialismo". Mas nem sempre pela esquerda: "Em três ocasiões [1955, 66 e 76] a Igreja sustentou, não sem contradições e dissidências, o golpismo das forças armadas", diz Druetta. (JR)