Título: 'Dream team' da TI expõe seus dramas
Autor: Rosa, João Luiz
Fonte: Valor Econômico, 27/10/2006, Empresas, p. B2

Na abertura do Oracle Open World - o encontro promovido anualmente pela companhia americana de software Oracle -, Charles Philips, o presidente da companhia, dividiu o palco com a estrela da NBA Jason Richardson, do Golden State Warriors, o time de basquete da Califórnia. Mas o verdadeiro "dream team" de qualquer empresa só se apresentaria nos dias seguintes. A escalação da equipe? Michael Dell, da Dell; Mark Hurd, da HP; John Chambers, da Cisco; Hector Ruiz, da AMD; e Jonathan Schwartz, da Sun. Isso sem contar Philips e Larry Ellison, o co-fundador da anfitriã Oracle.

Juntas, essas cinco empresas tiveram um faturamento de US$ 189,8 bilhões no ano passado, superior ao PIB de qualquer país da América Latina, excetuando o Brasil e o México. Não é à toa que a maioria delas ostenta títulos mundiais. A Dell é a maior fabricante de computadores do mundo, a HP a que mais vende impressoras e a Cisco, a rainha dos equipamentos de rede.

Apesar da reverência que esses nomes inspiram, porém, todos esses superexecutivos vieram a San Francisco com enormes desafios a vencer. Em alguns casos, as dificuldades são decorrentes de problemas internos. Em outros, da própria rapidez com que as coisas mudam em seus setores. Não importa se de um tipo ou de outro, o cenário apresentado na ex-capital dos hippies indica um único ponto: amadurecida, a rica indústria de TI está em uma encruzilhada como não se via há algum tempo.

O caso da HP é emblemático. Com uma desenvoltura surpreendente para quem é conhecido como um executivo discreto, Mark Hurd mostrou à platéia como recuperou a companhia. A HP reduziu o número de centros de dados - os vastos celeiros de computadores onde ficam armazenadas as informações de uma empresa - de 85 (em 30 países) para 3; diminuiu o número de aplicações de software utilizados de 5 mil para menos de 1,5 mil e cortou de 22 mil para 14 mil os servidores (os computadores que administram as rede de dados).

"Para o ano fiscal 2006, os analistas prevêem um faturamento de US$ 91 bilhões", observou Hurd, com uma ponta de orgulho. Nos EUA, publicações importantes já especulam se desta vez a HP não vai bater a IBM e se tornar a maior empresa de tecnologia da informação do mundo.

A despeito dessas vitórias, porém, a HP vive uma situação conturbada, provocada pelas acusações - já admitidas pela empresa - de ter mandado revirar o lixo e rastrear ligações de membros de seu conselho e de jornalistas, por causa do vazamento de informações. O caso tirou Patrícia Dunn do cargo de presidente do conselho (no qual foi substituída por Hurd), mas ainda é difícil saber se terá reflexos sobre a saúde financeira da empresa. Alguns analistas acham difícil. Seja como for, a imagem da HP, construída ao longo de décadas, sofreu um pesado golpe.

Algum tempo atrás, Michael Dell poderia tirar proveito disso, mas neste momento ele tem de lidar com as próprias dificuldades da companhia que criou. Em San Francisco, ele celebrou a ampliação de uma aliança com a AMD e emprestou seu rosto para um vídeo divertido, em que aparecia em uma espécie de musical vestido de armadura. Na vida real, o dragão é o lucro em queda e a perda de participação de mercado.

Na semana passada, a consultoria IDC divulgou que no terceiro trimestre a HP superou a Dell na venda global de PCs, pela primeira vez desde 2003. Segundo a IDC, a HP vendeu 9,83 milhões de computadores contra 9,8 milhões da Dell. A participação de mercado de ambas ficou igual: 17,2% para cada. Mas para a HP isso significou um aumento frente à fatia de 16,1% em 2005, ao passo que para a Dell houve queda em relação aos 17,9% do ano anterior.

Wall Street também está impaciente com Dell e Kevin Rollins, o executivo-chefe da companhia. No segundo trimestre, a receita da Dell cresceu 5% frente ao ano passado, mas o lucro líquido encolheu 51%, de US$ 1,020 bilhão para US$ 502 milhões. No semestre, a redução foi de 35%. Com esses resultados, há gente no mercado dizendo que seria hora de a Dell romper com seu modelo de venda direta ao consumidor, passando a usar canais externos. O comando da companhia diz que isso não é cogitado.

Hector Ruiz, da AMD, não enfrenta queda nos lucros. Ao contrário, os ganhos nos nove meses encerrados em outubro, de US$ 407,8 milhões, mais do que quintuplicaram frente aos US$ 69,5 milhões do mesmo período no ano anterior. O novo acordo com a Dell é outra prova de que a companhia está encontrando espaço entre a aristocracia tecnológica. A questão, para Ruiz, é que a Intel é muito maior, o que significa mais recursos para pesquisa e a possibilidade de promover uma guerra comercial, se assim ela quiser. Mesmo com todas as dificuldades pelas quais está passando - seu lucro líquido caiu 35% no segundo trimestre, para US$ 1,3 bilhão - a Intel fechou o período de nove meses com ganhos de US$ 3,5 bilhões, quase toda a receita de US$ 3,8 bilhões da AMD em idêntico período. Note bem: é lucro versus faturamento.

A Cisco não enfrenta ninguém maior em seu raio de ação, aumentou o faturamento em quase US$ 4 bilhões no ano fiscal 2006, encerrado em julho - para US$ 28,5 bilhões - e manteve um lucro próximo ao de 2005: US$ 5,6 bilhões versus US$ 5,7 bilhões. Em Wall Street, não há sinal de drama. Então, o que ocupa a mente de John Chambers?

A apresentação dele em San Francisco parece deixar claro qual é o alvo. "A rede é a plataforma", pregou Chambers, esbanjando seu talento de "show man" enquanto andava de um lado para o outro entre a platéia. O que isso quer dizer? Uma nova onda de inovações está chegando ao campo de atuação da Cisco - o que inclui o VoIP e a IPTV, de chamadas telefônicas e televisão via internet - e a empresa tem de aprender a lidar com ela. Não é à toa que Chambers repetia sem parar a palavra "transição".

Que tal um quiosque que vende entradas para o campeonato de futebol? O consumidor autoriza a compra pelo celular e depois o aproxima do equipamento. Pronto: o ingresso aparece na telinha do telefone, com código de barras e tudo. Se quiser, o torcedor ainda pode imprimir a entrada. E o que dizer do Cisco Telepresence, que vai co-estrelar um episódio do seriado policial "Vanished" na TV americana? O sistema combina telecomunicações e telas tão sensíveis que uma videoconferência simula uma reunião tradicional, com todas as pessoas ao redor da mesma mesa.

As novidades, demonstradas por Chambers, mostram que a Cisco está fazendo a lição de casa, seguindo o pressuposto de que todas as redes se tornarão convergentes, com a troca de conteúdo entre celular, TV, computador e o que mais surgir. É um grande esforço, mas em situações como essa não há garantias de que o futuro será exatamente como o previsto, o que vai exigir vigilância constante de Chambers.

A rede também é o tema central de Jonathan Schwartz, da Sun. Em San Francisco, ele detalhou o "Projeto Blackbox", um contêiner negro que comporta 250 sistemas diferentes e dá apoio a mais de dez mil PCs de uma vez, sem que o cliente tenha de investir constantemente em mais servidores e prédios para abrigá-los. Em vez disso, é só carregar o contêiner para o lugar desejado.

A indústria mostrou-se cética quanto à indicação de Schwartz para o cargo, mas idéias executadas sob seu comando ajudaram a Sun a melhorar seu desempenho nos últimos dois trimestres, incluindo servidores que economizam energia. A confiança nele está crescendo, mas o caçula entre os superexecutivos ainda tem muito a mostrar: a Sun apresentou perdas nos últimos cinco anos - o que representa um prejuízo acumulado de mais de US$ 5 bilhões - um peso que nenhum de seus colegas têm de carregar.

O repórter viajou a convite da Oracle