Título: Supremo define jurisprudência sobre crime de lavagem de dinheiro
Autor: Prestes, Cristine
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2012, Política, p. A14

A decisão que o Supremo Tribunal Federal (STF) tomará hoje em relação à lavagem de dinheiro vai muito além da condenação ou absolvição dos seis réus acusados no sétimo item do processo do mensalão em julgamento. Os dez ministros que atualmente compõem a Corte vão definir o alcance da aplicação da legislação de combate ao crime - seja ela a nova Lei nº 12.683, de 9 de julho deste ano, seja a anterior, a Lei nº 9.613, de 1998, que baseia as acusações do Ministério Público Federal na Ação Penal nº 470, cujos crimes apontados foram cometidos quando a norma antiga estava em vigor.

A discussão sobre a lavagem de dinheiro foi aberta pelo ministro Marco Aurélio Mello logo após o voto do relator do mensalão, Joaquim Barbosa, que absolveu três réus e condenou outros três, e do revisor Ricardo Lewandowski, que absolveu os seis acusados no sétimo item do julgamento em pauta. "Preocupa-me sobremaneira o diapasão que se está dando ao tipo lavagem de dinheiro", afirmou.

A preocupação do ministro é a de que o entendimento do Supremo - que vai balizar a primeira e a segunda instâncias do Poder Judiciário do país na aplicação da Lei de Lavagem de Dinheiro e também a atuação do Ministério Público nas acusações por esse tipo de crime - seja muito elástico. A dúvida a ser esclarecida pela Corte reside na necessidade de que o réu acusado de lavar dinheiro tenha conhecimento de que os valores recebidos têm origem em atividades ilícitas para que seja condenado pelo crime.

São três as situações levantadas pelos ministros. A primeira delas ocorre quando o acusado conhece a origem ilícita do dinheiro e age com dolo (intenção) de ocultá-lo. A segunda foi definida pelos ministros como "lavagem culposa", quando o acusado não faz ideia de que os valores recebidos são ilícitos. Por último, a lavagem com dolo eventual - quando o acusado assume o risco de receber o dinheiro diante da desconfiança de que ele tenha origem ilícita.

Para os ministros do Supremo, não há dúvidas quanto à possibilidade de condenação quando há provas de que o acusado recebeu valores cuja origem ilícita ele conhecia e atuou para ocultá-la. Foi essa intenção de esconder a origem do dinheiro sujo que baseou as condenações por lavagem em relação a outros réus do mensalão. Nesses casos, eles foram condenados por desvio de dinheiro público e gestão fraudulenta seguidos de lavagem - ou seja, os acusados sabiam que os recursos eram ilícitos, porque foram gerados a partir da prática de crimes, e por isso tentaram ocultar sua origem. Também em relação à lavagem culposa os ministros já demonstraram haver consenso de que ela não é passível de punição, na medida em que o acusado não tinha como saber da origem ilícita do dinheiro recebido.

É a chamada lavagem de dinheiro com dolo eventual o motivo do intenso debate travado entre os ministros na sessão de sexta-feira. O professor Renato de Mello Jorge Silveira, chefe do Departamento de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP), exemplifica com o caso de um advogado que atua na defesa de um traficante de drogas, cujos únicos valores que formam seu patrimônio e renda tenham origem na prática do crime. Ao receber do cliente os honorários pelos seus serviços, ele certamente desconfia da origem dos valores. A questão é se, nessa condição, ele pode ou não ser condenado por lavagem ao usar o dinheiro recebido.

O exemplo foi o mesmo citado pelo ministro Marco Aurélio, que afirmou que, a depender do entendimento do Supremo, "prevejo que teremos muitas ações penais contra os criminalistas contratados por delitos até gravíssimos". "Assusta-me brandir que, no caso da lavagem de dinheiro, contenta-se o ordenamento jurídico com o dolo eventual."

Se a tese do dolo eventual foi aceita pelo Supremo, a possibilidade de condenações por lavagem de dinheiro será aumentada exponencialmente no Brasil nos crimes cometidos na vigência da lei anterior, de 1998, e mais ainda nos praticados após a entrada em vigor da nova Lei de Lavagem de Dinheiro, em julho deste ano. Ao retirar o rol de crimes antecedentes pelos quais era possível a condenação por lavagem, a legislação permite que qualquer infração penal seja alvo também de processos por esse tipo de crime. Na prática, significa que se alguém receber dinheiro de uma empresa que sonega impostos, pode ser acusado de lavagem de dinheiro ao utilizar os valores.

As discussões travadas entre os ministros na sessão de sexta-feira demonstram que não há consenso quanto ao tema. Contra a tese do dolo eventual já se manifestaram os ministros Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Marco Aurélio. Favoráveis a ela estão os ministros Joaquim Barbosa e Luiz Fux. Ainda faltam votar os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e o presidente da Corte, Ayres Britto.