Título: Os exageros e incoerências da nova Lei nº 12.683
Autor: Costa, Helena Regina Lobo da
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2012, Política, p. A14

Por Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) discutiu a configuração ou não de prática do crime de lavagem de dinheiro por muitos dos acusados da Ação Penal nº 470. Muito embora o tribunal esteja, neste processo, aplicando a redação anterior da Lei de Lavagem de Dinheiro - uma vez que a lei penal mais gravosa não pode ser aplicada retroativamente -, vale a pena refletir sobre a nova configuração desse crime.

No último dia 9 de julho, a Lei nº 12.683 efetuou importantes alterações na Lei nº 9.613, de 1998. Dentre elas, houve a chamada ampliação dos crimes antecedentes à lavagem. O crime de lavagem consiste, simplificadamente, em ocultar ou dissimular a origem de bens ou valores provenientes da prática de um crime anterior. Por exemplo, a renda gerada pelo tráfico de drogas pode ser ocultada por meio de operações financeiras internacionais, até passar a integrar os ativos de uma empresa legalmente existente, ganhando, no processo, aparência de legalidade.

Originalmente, apenas bens ou valores provenientes da prática de determinados crimes poderiam dar ensejo à lavagem, tais como o tráfico de drogas, a extorsão mediante sequestro e a corrupção, dentre outros. A mudança recente na lei estabeleceu que qualquer infração penal pode ser considerada antecedente do crime de lavagem. E, por infração penal, entende-se não só qualquer crime, como também qualquer contravenção penal, desde que gerem, pela sua prática, bens ou valores passíveis de ocultação ou dissimulação.

Essa alteração foi considerada, por muitos, um avanço, pois aumentaria a possibilidade de aplicação do crime de lavagem. Um dos argumentos usados foi o de que, sem essa alteração, não se poderia aplicar o crime de lavagem quando há, como antecedente, a prática de jogo de azar. Entretanto, parece-me que houve um verdadeiro exagero legislativo. Ao se expandir a possibilidade de aplicação do crime de lavagem, tendo como antecedente todo e qualquer crime ou contravenção penal, passa-se a poder aplicar uma pena alta (de 3 a 10 anos de reclusão e multa) para situações fáticas muitas vezes de menor importância. Assim, valores decorrentes da prática de um simples estelionato, da venda de rifas e até mesmo de um pequeno furto, se tiverem sua origem ocultada, poderão dar ensejo à configuração de lavagem e consequente aplicação de pena de 3 a 10 anos, muito superior à própria pena prevista para essas infrações.

Trata-se, efetivamente, de um contrassenso, porque se a lavagem existe para coibir a prática do crime antecedente, como explicar a aplicação de uma pena de 3 a 10 anos para evitar infrações que têm penas de 3 meses a 1 ano, como é a exploração de jogo de azar?

A maior incoerência, todavia, consiste em tratar da mesma forma quem pratica a lavagem de valores de uma grande rede de tráfico de drogas e quem "lava" valores oriundos de um furto. Além disso, o exagero da previsão legislativa faz com que, na prática, todo o sistema penal - polícias, Ministério Público e Poder Judiciário -, que conta com pessoal e recursos escassos, perca o foco das questões que efetivamente merecem resposta penal.

A lei penal precisa guardar coerência. Aplicar penas altas, movimentando todo o aparato policial e judicial, para situações de menor reprovabilidade gera a visão de que a Justiça penal "pega os peixes pequenos e deixa os grandes escaparem", causando descrença e sensação de injustiça. Querer punir tudo e todos resulta em punições incoerentes, pontuais e irracionais. Precisamos buscar um direito penal limitado às condutas mais graves, pois só assim poderá ser efetivo.

Helena Regina Lobo da Costa é professora doutora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP)