Título: Novatas lançam bônus no exterior
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 30/10/2006, Finanças, p. C1

Os investidores internacionais compram volumes cada vez maiores de bônus de empresas brasileiras novatas no mercado externo, as chamadas "novas estrelas" pelos bancos. Também têm aceito títulos de companhias mais conhecidas de setores considerados de maior risco, como o setor elétrico. São atraídos por rendimento. Neste ano, sem considerar os eurobônus perpétuos, as companhias não-financeiras do país que pagam juros maiores ("high yield") já captaram mais de US$ 2 bilhões em 18 operações diferentes.

No passado nem tão distante a totalidade das empresas brasileiras era "high yield" - emitia dívida considerada "investimento especulativo" e tinha de pagar mais por causa disso. Mas, desde meados de 2005, um número crescente de companhias conseguiu rating acima do governo federal brasileiro e chegou ao chamado "grau de investimento". Isso significa que seus papéis não são mais classificados como "investimento especulativo" e podem pagar juros menores.

"Hoje, se os investidores querem retorno, têm de fazer uma análise de crédito mais detalhada e buscar títulos de empresas de 'high yield' mesmo nos mercados emergentes", diz Augusto Urmeneta, da Merrill Lynch, que lidera emissão do Marfrig. O frigorífico, que está lançando bônus pela primeira vez, pretende captar US$ 250 milhões por dez anos, valor e prazo antes só disponíveis para empresas de porte da Companhia Vale do Rio Doce ou Petrobras.

"Temos percebido muito interesse pelo setor de agronegócios", diz Marta Alves, diretora do ING. Segundo ela, os investidores externos percebem que o Brasil têm vantagens competitivas no setor de carne bovina, açúcar, álcool e soja, entre outros. "Os rebanhos brasileiros, por exemplo, se alimentam no pasto e por isso estão livres da doença da vaca-louca", lembra a executiva.

Neste momento, o ING está liderando operação da Imcopa, a segunda maior esmagadora de soja do país, que também está lançando títulos no exterior pela primeira vez, no total de US$ 100 milhões. Segundo o mercado, a Imcopa vai pagar juros em torno de 10% ao ano para o investidor externo, pelo prazo de vencimento em dez anos, em comparação com os 6,18% ao ano por dez anos de US$ 500 milhões em títulos recentemente emitidos pela Petrobras. Já a exportadora de soja E. Orlando Roos, do Rio Grande do Sul, também lançou eurobônus pela primeira vez neste ano, em emissão de US$ 5 milhões, pagando juros de 10,75% ao ano por papéis de prazo de vencimento em 2 anos, sob a liderança da Queluz Securities.

O crescimento nas emissões de "high yield" brasileiras fez aumentar a disputa pela liderança dessas operações. Os grandes bancos internacionais têm ampliado sua presença no mercado antes dominado pelas pequenas butiques de investimento, como a Queluz Securities, BCP Securities ou Eurovest Securities. "As empresas de menor risco de crédito não querem mais emitir dívida e os grandes bancos têm cada vez mais procurado os meus clientes", brinca Carlos Gribel, da Queluz Securities.

Além da E. Orlando Roos, a Queluz liderou operações para outras duas novatas no mercado externo: 1) o Instituto Bioquímico, laboratório de produtos genéricos do Rio de Janeiro, que levantou US$ 3 milhões pelo prazo de um ano com juros de 9,25% ao ano, e 2) a Viação Itapemirim, que levantou US$ 45 milhões em duas operações distintas. "Nessas emissões, focamos a distribuição nos clientes pessoa-física que conhecem a empresa", diz. Gribel diz que acessar o mercado externo está cada vez mais fácil, mas lembra que ele ainda está restrito a empresas com faturamento de US$ 100 milhões para cima.

"A liquidez internacional está enorme, e os fundos de hedge buscam cada vez mais produtos com uma relação risco/retorno diferenciada", diz João Teixeira, diretor do ABN AMRO. Para atender a essa demanda, o banco trouxe ao país uma operação inovadora, um empréstimo externo vinculado à exportação que é vendido para os fundos de hedge. O frigorífico Independência acaba de captar US$ 25 milhões desse forma, pelo prazo de quatro anos, e paga Libor, a taxa interbancária de Londres, mais 6% ao ano. Trata-se de uma ampliação do empréstimo de US$ 75 milhões realizado em 2005.

A mesma estrutura foi usada para levantar US$ 30 milhões para a International Food Company, com fábrica em Itupeva, interior de São Paulo, uma das principais exportadoras para os Estados Unidos de "beef jerky ", um "snack" de carne bovina defumada. O prazo é de quatro anos e os juros de Libor mais 6% ao ano.

Segundo Rui Silva, superintendente-executivo do ABN, essas estruturas são uma espécie de "pré-bônus" e de "pré-abertura de capital", tornando as empresas mais conhecidas junto aos investidores. Ele lembra que as operações de mercado de capitais exigem muitas informações públicas, que companhias menores e familiares muitas vezes ainda não estão preparadas para fornecer. "A grande maioria das empresas brasileiras não tem rating", exemplifica.

O ABN já havia distribuído empréstimos de empresas da Ásia emergente e Rússia para fundos de hedge e seguradoras e, com a experiência positiva, trouxe o mesmo tipo de operação ao Brasil. Nas captações maiores, de eurobônus simples e sem vínculo à exportação, os investidores internacionais exigem mais cláusulas financeiras restritivas das empresas de "high yield" do que daquelas que atingiram o grau de investimento.