Título: Lula quer presença menor do PT no governo
Autor: Costa, Raymundo e Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 30/10/2006, Política, p. A8

Entre um comício e outro na reta final da campanha, depois que todos já haviam se acomodado no Aerolula, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) virou-se para o presidente e tentou começar uma conversa sobre o "próximo governo". Sorrindo, Lula interrompeu a ministra que julga ter desatado o nó da administração de seu governo, levou o dedo indicador à cabeça e disse: "Dilma, o próximo governo está aqui."

Lula está com a cabeça feita. Ele está admirado por Dilma. A considera boa gerente, discreta e eficiente. "Se eu soubesse que ela era tão boa, tinha botado o Zé Dirceu para fazer a agitação dele lá na Câmara dos Deputados", comentou o presidente com um aliado, referindo-se ao ex-ministro da Casa Civil, que durante dois anos e meio atuou como primeiro-ministro do governo, irritando Lula. Mas nem à Dilma o presidente tem dado liberdade de conversar sobre a composição do governo.

Lula está irritado com os movimentos feitos pelo PT para lhe servir um prato feito. No máximo, o que os interlocutores do presidente têm recolhido são pistas nos comentários que ele faz sobre um ou outro auxiliar e sobre os critérios que pretende adotar na formação da equipe. O presidente quer evitar os equívocos cometidos no primeiro mandato. Por isso, vai diminuir o tamanho do PT no governo - o partido responde por 19 dos 34 ministérios - e evitar trazer para o primeiro escalão os derrotados nas eleições. "O primeiro dever do estadista é a ingratidão", diz um ministro próximo de Lula, citando frase do ex-presidente francês Charles de Gaulle.

A disputa mais acirrada gira em torno do comando da Fazenda. O atual ministro, Guido Mantega, desgastou-se ao entrar, na reta final da campanha, em embates públicos com a oposição, abandonando o papel de magistrado exigido para essa função. Ele tem recebido, no entanto, o apoio de um grupo de ministros, auto-intitulado "desenvolvimentista" e interessado em mantê-lo no posto, com a esperança de ver mudanças na atual política econômica.

Integram esse grupo ministros fortes, dentre eles, a própria Dilma Rousseff e Tarso Genro (Relações Institucionais). O grupo trabalha para neutralizar a influência do ex-ministro Antonio Palocci tanto na escolha da equipe econômica quanto na definição das políticas daqui em diante. "A presença de Guido é muito importante. Ele tem as condições de aproveitar o equilíbrio macroeconômico obtido nesses quatro anos e promover desenvolvimento", sustenta um ministro desse grupo. "Queremos 5% de crescimento no ano que vem."

Segundo esse ministro, Lula estaria convencido de que a estabilidade da inflação foi alcançada no fim do segundo ano de mandato (2004) e que, graças ao excesso de conservadorismo do Banco Central desde então, o país deixou de crescer mais rápido nos dois anos seguintes. Nos debates internos, o ministro do Desenvolvimento, o empresário Luiz Fernando Furlan, culpou a política de Palocci pelo baixo crescimento.

Na avaliação do grupo desenvolvimentista, haveria um movimento nos bastidores do governo, liderado por Palocci, para substituir Mantega por um nome de perfil "conservador" para a Fazenda - o mais cotado seria o prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, que tem a simpatia dos mercados. Nas conversas que teve com Lula desde que deixou a Fazenda, em março, Palocci defendeu a tese de que o país só crescerá mais rápido se aprofundar o ajuste fiscal e mantiver o tripé que assegurou o sucesso do combate à inflação nos últimos quatro anos - superávit primário de 4,25% do PIB, metas de inflação (com autonomia operacional para o Banco Central) e câmbio flutuante.

Incomodado com o que considera um processo de "fritura", Mantega não gostou de ver nos jornais especulações sobre sua substituição na Fazenda. Há uma semana, ele procurou os ministros que integram o núcleo político do governo e se queixou. Mantega não foi recebido por Lula, mas ouviu dos ministros que o apóiam um comentário que Lula teria feito quando soube das especulações: "O Guido nunca se entendeu tão bem comigo como agora".

Sobre uma possível nomeação de Pimentel para o ministério, um amigo do presidente que privou de sua intimidade nos últimos dez dias da campanha contava que ela dependeria do resultado da eleição em Minas Gerais. No primeiro turno, Lula superou Alckmin com dez pontos percentuais de diferença, mas, ainda assim, o presidente teria ficado "chateado" com a suposta falta de empenho do prefeito na sua campanha. Na sexta-feira, um aliado do presidente dizia que Pimentel teria que conseguir pelo menos mais um milhão de votos em Minas. "Se isso acontecer, Pimentel recupera o prestígio", afiança esse amigo de Lula - na prática, a exigência foi mais do que atendida porque Lula terminou o segundo turno com vantagem de 30 pontos percentuais.

Se há dúvidas sobre quem comandará a Fazenda, elas praticamente não existem quanto à manutenção de Henrique Meirelles na presidência do Banco Central. Lula vai pedir a Meirelles para ficar, mas acertará com ele a substituição de alguns diretores. Meirelles, segundo apurou o Valor, não vê problema nisso, até porque há, entre os diretores sem vínculo funcional com o BC, interessados em voltar para a iniciativa privada.

Como se vê no caso de Fernando Pimentel, o presidente decidiu adotar um critério simples para medir a importância dos aliados na composição do ministério: o desempenho dele, Lula, nas urnas em cada Estado. No primeiro turno, ele cobrou do governador Jorge Viana a sua derrota no Acre. Tião Viana, irmão de Jorge reeleito para o Senado, explicou que todos os petistas perderam votos na reta final da campanha do primeiro turno no Acre. Lula não se convenceu e, por isso, cobrou um resultado melhor no segundo turno, o que acabou acontecendo.

Por esse mesmo critério, há pelo menos três petistas em ascensão no Palácio do Planalto: Marcelo Déda, ex-prefeito de Aracaju, eleito governador de Sergipe no primeiro turno; Jaques Wagner, consagrado por vencer a disputa no primeiro round, derrotando o carlismo na Bahia; e Marta Suplicy, que elegeu cinco deputados federais, consagrando-se como uma liderança popular em São Paulo. Marta é cotada a assumir o Ministério das Cidades, mas isso dependerá de uma decisão: se ela quiser sair candidata à prefeitura de São Paulo em 2008, Lula a abrigará num cargo menos importante, possivelmente, uma secretaria especial; se optar por uma disputa apenas em 2010, ganhará um ministério. Este foi o recado de Lula já transmitido à ex-prefeita.

Independentemente do resultado no Acre, está praticamente certo, segundo apurou o Valor, que Marina Silva, a atual ministra do Meio Ambiente, será substituída. Lula atribui à Pasta de Marina o fato de muitas obras de infra-estrutura não saírem do papel. Na sua opinião, o Ibama, uma autarquia do Meio Ambiente, está sendo excessivamente rigoroso e lento na apreciação dos pedidos de licenciamento ambiental - sete projetos de construção de usinas hidrelétricas estão parados, à espera de autorização. "Quando um ministro quer muito aprovar um projeto, já é difícil, imagine quando ele não quer", ironiza um colaborador do presidente. "Lula tem carinho pela Marina, mas já decidiu que vai substituí-la."

Quem também pode estar com os dias contados no governo é o ministro Furlan. Interlocutores e assessores do presidente ouvidos pelo Valor contaram que Lula anda irritado com a indústria paulista e quem está pagando o preço por isso é o ministro do Desenvolvimento. A principal razão seria o fato de os empresários, em sua maioria, terem apoiado Alckmin. Numa reunião recente, o presidente desabafou: "Quando eu fiz o que eles queriam em 2002 e em 2003, estavam todos aqui. Quando eu quis fazer aquilo que precisava, que foi ajudar os pobres, fizeram cara feia. Eles reclamam que minha política é assistencialista. Ora, eles não dão emprego, eu dou assistência". Parte do preço desse rancor está sendo pago por Furlan. "Tem uma coisa muito ruim contra o Furlan, que é o apoio da Fiesp. O Lula acha que eles são um bando de canalhas que passaram para o outro lado", diz aliado de Lula..

Lula, segundo um amigo próximo, pretende substituir "à altura" Furlan e Roberto Rodrigues, que já deixou o Ministério da Agricultura. Sua idéia, segundo um assessor, é colocar dois empresários do mesmo peso. Nos últimos meses, apesar da ira contra a classe empresarial, o presidente conversou muito com alguns empresários, especialmente os presidentes do Grupo Gerdau, Jorge Gerdau, e da Vale do Rio Doce, Roger Agnelli. Nesses contatos, colhe sugestões para melhorar o ambiente de negócios do país e as repassa a ministros. Recentemente, aconselhou-se até com um antigo desafeto: Antônio Ermírio de Moraes, do grupo Votorantim.

No Palácio do Planalto, além de Dilma, Lula deve manter o ministro Luiz Dulci, mas pode ter de recorrer ao secretário-geral da Presidência para o comando do PT - ele está decidido a reestruturar amplamente o partido. A alternativa a Dulci poderia ser também o presidente interino da sigla Marco Aurélio Garcia, cujo destino mais provável é uma embaixada.

O grande desafio de Lula é compor o governo fazendo uma distribuição de espaços entre os partidos políticos que lhe garanta condições de governabilidade. PSB, PCdoB, PTB (Walfrido Mares Guia será mantido) e PL (Alfredo Nascimento, eleito senador, deve voltar ao governo) devem manter seus espaços. Do PSB, Ciro Gomes, eleito deputado federal, deve voltar ao governo. Quer a Saúde, mas terá papel político importante no segundo mandato em qualquer posto para o qual for designado pelo presidente. Nesse xadrez, o PMDB é o partido mais estratégico, pela expressão das bancadas na Câmara e no Senado. A composição do governo será pensada levando em conta a eleição das Mesas das duas Casas e as negociações serão conjuntas. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), trabalha para ser reeleito. Com a maior bancada da Câmara, o PMDB também terá direito a indicar o futuro presidente da Casa. Ao governo, não interessa que o partido comande Câmara e Senado, porque ficará refém da legenda.

Uma saída seria acomodar no governo os pemedebistas mais cotados para o cargo de presidente da Câmara - Geddel Vieira Lima (BA) e Eunício Oliveira (CE). Outro deputado do PMDB que tem espaço garantido no governo é Jader Barbalho (PA), um dos aliados mais atuantes na campanha de Lula. Lula cogita chamar Nelson Jobim para a Justiça. O PMDB quer manter o Ministério de Minas e Energia, mas indicar também o presidente da Petrobras. O partido também reivindica o comando de um banco estatal. Pensa na Caixa Econômica Federal (CEF). Os pemedebistas gostariam ainda de retomar o Ministério dos Transportes e reivindicam também um ministério da área social.