Título: Lula aposta em diálogo com a oposição
Autor: Costa, Raymundo e Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 30/10/2006, Política, p. A10

Às vésperas da eleição, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse a um grupo de ministros e parlamentares que o segundo governo vai depender da oposição. Se houver "terceiro turno", Lula está disposto a recorrer aos movimentos sociais para se manter no poder e pressionar o Congresso a fim de aprovar seus projetos. Em caso contrário, pretende fazer um governo de coalizão com o PMDB e de entendimento também com a oposição.

O sentimento de que a oposição estava disposta a "fazer o terceiro turno" era mais forte, no presidente, no início da semana passada que no domingo. O que chamou a atenção de Lula foi um discurso de Fernando Henrique Cardoso, no Clube Pinheiros (SP), no qual o ex-presidente o chamou de "fanfarrão". Mas entre a segunda-feira e a eleição, Lula recebeu recados de José Serra, governador eleito de São Paulo, e de Aécio Neves, reeleito em Minas, de que "a guerra acaba no domingo".

Lula, de fato, aposta num entendimento em que a oposição não deixe de cumprir seu papel mas não o impeça de governar ou tente impugnar seu mandato. Ele autorizou, por exemplo, a reunião que os comandantes militares de São Paulo tiveram com Serra para discutir a segurança pública. Ao detectar que Yeda Crusius venceria a eleição no Rio Grande do Sul contra seu amigo Olívio Dutra, mandou dizer à tucana que gostaria de manter relações amigáveis e que inclusive estaria disposto a discutir a renegociação da dívida estadual. Mas em nenhum momento descuidou da retaguarda.

Para enfrentar o "terceiro turno", Lula torcia, antes da eleição, para vencer com uma margem de votos superior à que teve sobre José Serra na eleição presidencial de 2002 (61,3% dos votos válidos), ou pelo menos ter um milhão de votos a mais do que teve no primeiro turno. Achava que era possível arrancar uma diferença maior em Minas Gerais e despachou todos os ministros mineiros para trabalhar a eleição no Estado. E cobrou dos irmãos Jorge e Tião Viana uma reviravolta no Acre, onde perdeu no primeiro turno, apesar de o PT ter vencido a eleição para o governo do Estado.

Os protagonistas do "terceiro turno" são claros, na cabeça de Lula: o movimento dos sem-terra, as pastorais da igreja, os sindicatos e centrais sindicais, a União Nacional dos Estudantes. "Até os quilombolas", brinca um aliado de Lula. "Vamos para o 'pau'", disse um parlamentar. Lula sai da eleição especialmente aborrecido com Fernando Henrique Cardoso. Diz que o ex-presidente não se comportou com ele como ele, Lula, se comportou em relação a FHC. Conta que o ex-ministro José Dirceu queria dar o tom da "herança maldita" ao governo, mas que ele concordou com a transição pacífica pedida pelo ex-presidente.

Se Aécio e Serra acenam com relações apaziguadas, o clima de "terceiro turno" é nítido no Congresso. Mas PSDB e PFL, que saíram menores da eleição, reassumem o papel de oposição no Parlamento enfrentando mais dúvidas que certezas. Por sobrevivência política, os dois partidos continuarão atuando juntos, ao menos num primeiro momento. No entanto, feridas deixadas pela campanha, divergências quanto ao tom do confronto com o Palácio do Planalto e os caminhos até 2010 ameaçam a estabilidade da união.

Apesar dos dilemas internos, a disposição majoritária é não dar trégua ao presidente Lula. Com diferenças de nuances, a maioria dos oposicionistas defende que as denúncias e as cobranças por investigações continuem a ser feitas. O objetivo é fazer com que Lula já assuma o segundo mandato desgastado.

Caberá ao presidente tentar reconstruir interlocutores com a oposição, já que as principais pontes foram queimadas durante a campanha eleitoral. Lula precisará mudar sua relação com os partidos, se quiser apoio da oposição para aprovar propostas no Congresso.

Segundo os congressistas, Lula não contará mais com a colaboração estratégica que teve em seus dois primeiro anos de governo de setores tucanos e pefelistas, como os senadores Tasso Jereissati (CE), presidente do PSDB, e Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), hoje adversários contundentes. A previsão é de um pós-eleitoral tenso, depois do acirramento do confronto na reta final da campanha. A disposição dos líderes da oposição é não interromper nenhuma das ações iniciadas no Judiciário contra Lula e seu governo. "O cerco está se fechando. Ninguém vai passar esponja depois da eleição. A crise vai continuar", afirmou o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), apelidando o presidente de Luiz Inácio Lula "Crise" da Silva.

Os pefelistas pregam uma linha mais agressiva. "Quem tem que construir governabilidade é quem ganha. Oposição é para fiscalizar", disse o líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia (RJ). Segundo ele, Lula construiu uma "relação promíscua" com o Parlamento no primeiro mandato e caberá a ele reconstruir essa relação. O PFL, enfraquecido nas eleições estaduais, tendo eleito apenas um governador - José Roberto Arruda (DF) -, buscará se fortalecer como oposição para evitar o desmantelamento. Um dos desafios será viabilizar uma alternativa para a sucessão de Lula em 2010.

O PSDB tem posições divergentes e terá de discutir a postura a ser adotada. O presidente do partido, Tasso Jereissati, defende oposição firme ao Planalto, mas com a cautela de evitar riscos ao país. Ele disse a senadores que o partido tem que ter "juízo" para votar a favor de propostas de interesse do país. O deputado Arnaldo Madeira (SP) disse que a governabilidade pode ser usada como desculpa para "adesismo" ao governo".

Dois fatores serão determinantes para a relação entre oposição e governo: a nova feição do governo e os futuros comandos do PFL e do PSDB, que em 2007 serão trocados. "O presidente reconhece que tem que aprimorar o relacionamento com o Congresso. A negociação vai ser mais partidarizada. A crise foi política, não administrativa. Então, a solução tem que ser política", afirmou o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).

Apesar da beligerância instalada, a possibilidade de apoio a um eventual processo de impeachment

contra Lula é considerada politicamente inviável pela oposição. Essa decisão vai depender do clima político que será criado. Uma medida extrema como essa exigiria condições políticas favoráveis e fatos que lhe dêem sustentação técnico-jurídicas. O caso do dossiê antitucano, por exemplo, é considerado um esqueleto no armário do governo e as investigações podem aproximar ou não o escândalo de Lula.

O Senado, onde tucanos e pefelistas tiveram sua mais forte atuação nesses quatro anos, se manterá como reduto principal da oposição. A ponto de o PFL - que elegeu seis dos 27 senadores eleitos em 1º de outubro -, fazendo neste momento a maior bancada, alimentar o sonho de indicar o futuro presidente da Casa. Os nomes cotados para a presidência, se o PFL viesse a ficar com o título de maior bancada, são os do ex-presidente da República Marco Maciel (PE) e do líder da bancada, José Agripino (RN).

O projeto é pouco viável. A composição final do Senado ainda depende de movimentações resultantes do segundo turno das eleições estaduais e de migrações partidárias em andamento, mas o cenário mais provável é que o PMDB torne-se a maior bancada e que Renan Calheiros (AL) seja reeleito presidente da Casa. Na Câmara, Lula quer reeleger o deputado Aldo Rebelo.

Líderes oposicionistas acham que o PFL poderá ter 18 senadores e o PSDB, 16. Somados com outros parlamentares não alinhados ao governo, poderiam reunir até 43 votos - mais da metade dos 81 integrantes do Senado. O cálculo é otimista. Enquanto a oposição conta com os votos de pemedebistas não alinhados ao Planalto, como os ex-governadores Joaquim Roriz (DF), Mão Santa (PI), Almeida Lima (SE), Pedro Simon (RS) e Jarbas Vasconcelos (PE), o governo articula uma estratégia para atraí-los para a base. Além disso, o PMDB trabalha para receber a filiação de senadores de outros partidos, como Edison Lobão (PFL-MA) e Epitácio Cafeteira (PTB-MA), aliados de Roseana Sarney, que também deve deixar o PFL por causa do apoio dado a Lula na eleição.

Na Câmara, a oposição acredita que pode ter um terço dos votos dos 513 deputados, somando os tucanos e pefelistas (PSDB e PFL elegeram 65 deputados cada um) com deputados oposicionistas de outras legendas. O número é insuficiente para indicar o futuro presidente da Casa, mas suficiente para atrapalhar o processo e propor a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), por exemplo.

A aliança entre PSDB e PFL também depende da unificação dos discursos. Segundo uma liderança pefelista, "se o PSDB ficar em cima do muro", os dois se separam. "Por que abriremos mão de algo que nos garante uma força extraordinária no Senado e uma sobrevivência de bom nível na Câmara dos Deputados?", pergunta o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), explicando a razão pela qual vai lutar para que os dois partidos "fortaleçam seus laços".

Mas a campanha de Geraldo Alckmin deixou seqüelas na coligação PSDB-PFL. O prefeito do Rio, Cesar Maia, é criticado por tucanos pelo fato de ter feito constantes críticas públicas à condução da campanha, especialmente por meio do seu "ex-blog", distribuído a pessoas cadastradas. O PFL, por sua vez, reclamou várias vezes da falta de empenho do PSDB em resolver divergências entre os aliados nos Estados. O deputado Rodrigo Maia, filho do prefeito, chegou a comparar o presidente do PSDB e o próprio Alckmin ao personagem de histórias de animação Mister Magoo, que vive se metendo em trapalhadas por conta de uma grave deficiência visual. Tasso Jereissati, pelo menos em uma ocasião, reclamou publicamente de que na campanha havia muita gente para criticar e pouca gente para trabalhar.

PSDB e PFL terão de enfrentar também seus conflitos internos. Se o PFL busca uma alternativa para 2010, o PSDB estará dividido entre as pré-candidaturas do governador reeleito Aécio Neves (MG), do governador eleito de São Paulo, José Serra, e do ex-governador Geraldo Alckmin, cujo nome é lembrado por tucanos, embora tenha saído da eleição presidencial sem identidade nacional, marcado como liderança paulista.

As duas legendas também já começam a discutir as trocas de comando. No PFL, o senador Jorge Bornhausen (SC) deixa a presidência defendendo renovação. Já há uma disputa entre os grupos do líder do partido na Câmara e o deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (BA). "O PFL vai implodir, se a negociação não for precisa", previu um pefelista.

No clima conflituoso que deverá se instalar no "day after", o receio dos governistas é que prevaleça a opinião dos oposicionistas mais radicais, como ACM. Lula deverá procurar Aécio e Serra, que preservaram as relações com o governo. Deputados e senadores tucanos acham que a estratégia será pouco eficiente. Para eles, por uma questão institucional, Aécio e Serra terão de manter bom relacionamento com o Planalto, mas a atuação no Congresso será diferente e autônoma em relação aos governadores. O fato é que os dois governadores também trabalham para ter suas próprias bancadas, em vários partidos, para melhor negociar com Lula os seus projetos.

No governo, aposta-se na distensão. Na avaliação da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) e presidente interino do partido, Marco Aurélio Garcia, será imprescindível remontar o dialogo com os os partidos opositores. "Queremos um país onde a oposição tenha seu lugar, uma oposição que seja propositiva", diz Garcia. "É possível desenvolver uma agenda comum com os partidos políticos, é melhor para o país que a relação do governo com a oposição seja baseada no entendimento", defende Dilma.

O líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia, do PT, considera fundamental o aumento do número de governadores aliados ao governo federal para facilitar a articulação politica no Congresso. Para este ano, o presidente Lula quer votar o Fundeb, a minirreforma tributária e a Lei de Saneamento Básico. Chinaglia avalia que a oposição sai debilitada, mas acredita que o PSDB passará a ter maior influência do PFL que antes das eleições.