Título: Agenda interna dos EUA vai dificultar uma maior aproximação com Brasil
Autor: Balthazar, Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 30/10/2006, Política, p. A16

Aprofundar o relacionamento do Brasil com os Estados Unidos nos próximos anos exigirá um grande esforço dos dois governos, num momento em que ambos estarão provavelmente ocupados demais com questões domésticas e problemas mais urgentes que a relação bilateral.

A promoção de uma relação mais produtiva com o país que abriga o maior mercado consumidor do planeta é uma das principais promessas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para seu novo mandato. Mas especialistas consultados pelo Valor acham que uma série de fatores tornarão difícil a realização dessa promessa.

Um dos obstáculos tem a ver com a política americana.

Haverá eleições para o Congresso no próximo dia 7 de novembro e é quase certo que o Partido Republicano do presidente George W. Bush sofrerá uma derrota histórica, perdendo o controle sobre pelo menos uma das duas casas legislativas para o Partido Democrata.

Isso enfraquecerá muito a administração. Bush terá dificuldades para aprovar qualquer coisa no Congresso e corre o risco de ver os dois anos de mandato que lhe restam tumultuados por investigações parlamentares sobre seu governo e a guerra no Iraque, que continuará dominando a atenção da política externa americana por um bom tempo.

"A agenda doméstica tende a ser determinante nos próximos anos", diz o professor Kenneth Maxwell, diretor do programa de estudos brasileiros do Centro David Rockefeller para Estudos Latino-Americanos, da Universidade Harvard. "Com o governo fraco e o Congresso desinteressado, não vejo um ambiente muito favorável a uma iniciativa brasileira de reaproximação."

Isso terá reflexos importantes na área comercial. Os democratas tendem a dificultar a aprovação de acordos comerciais no Congresso e poderão amarrar ainda mais as mãos dos negociadores do governo americano se houver uma retomada das discussões da Rodada Doha de liberalização do comércio mundial, que foram suspensas em julho.

Um teste decisivo será a batalha pela renovação do Sistema Geral de Preferências (SGP), um programa comercial que permite a entrada de produtos do Brasil e de outros países em desenvolvimento no mercado americano sem o pagamento de tarifas. O programa expira no fim do ano e políticos influentes só aceitam renová-lo se o Brasil for excluído dos seus beneficiários.

"A imagem do Brasil é muito ruim no Congresso, e são mínimas as chances de prorrogação do programa antes do fim do ano, mesmo que a Casa Branca se ponha ao lado do Brasil nessa questão", afirma Joel Velasco, vice-presidente da Stonebridge International, uma empresa de consultoria que tem o ex-embaixador dos EUA no Brasil Anthony Harrington entre os sócios.

O Brasil exportou no ano passado US$ 3,6 bilhões por meio do SGP, o equivalente a 15% de suas vendas para o mercado americano. Empresários interessados na manutenção do programa e diplomatas brasileiros têm chamado a atenção dos congressistas americanos para o estrago que o fim do SGP poderia causar nas relações amistosas que o Brasil e os EUA mantêm, mas até agora ninguém ficou comovido com esse argumento.