Título: Sociólogo defende retorno do PT às suas bases sociais
Autor: Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 30/10/2006, Política, p. A17

Com o fim do ciclo dos partidos políticos saídos da ditadura militar, o PT ganha força para se reconstruir e precisa voltar às bases sociais. O próximo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá de abrir espaço à esquerda e impedir que a desigualdade social se consolide no país. Essa é a expectativa e a cobrança do sociólogo Francisco de Oliveira, um dos fundadores do PT, filiado ao P-SOL.

"Trata-se de uma nova eleição, pode ser que haja uma nova chance", acredita. "Que as forças de esquerda possam influir no novo mandato", diz. Crítico contundente do presidente Lula, Chico de Oliveira contestava o petista antes mesmo de ele assumir o governo federal, em 2002. O voto no PT é condicional, garante o intelectual, professor titular da Universidade de São Paulo. "Vou votar sobretudo para tentar reabrir certas discussões que o primeiro mandato de Lula enterrou. Ele pode reabrir (as discussões) pela esquerda", diz.

O apoio, defendido publicamente no 30º Encontro da Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, em Caxambu (MG), foi uma "surpresa", até mesmo para Oliveira. Filiado ao P-SOL, não seguiu a recomendação de Heloísa Helena, de não votar no PT. Dentro do P-SOL, o apoio de Oliveira não a Lula não foi o que mais causou mal-estar. O vice de Heloísa Helena, o economista Cesar Benjamin, um dos fundadores do partido, desfiliou-se há pouco da legenda, por conta do processo eleitoral.

A convicção de que as mudanças estão por vir ainda é frágil e, por isso, Oliveira diz que seu voto foi condicional. " Pode ser um tiro n'água, mas ainda assim aposto, dentro dessas condições". Seu pedido para o presidente Lula é claro: que ele não "prometa algo que seja a repetição do mesmo e que haja brecha para reintroduzir questões que ele enterrou nos quatro anos". A crítica à política econômica foi minimizada, quase deixada de lado. Não que a discordância tenha acabado. "Mas a abertura pode ser por outro caminho, pelo social. Minha esperança é que o Bolsa Família se transforme em um problema, que cresça tanto que supere a política do superávit primário".

O principal receio de Oliveira sobre os próximos quatro anos é que a desigualdade social se consolide ainda mais no país. "Uma revolução sem ruptura". "Pode ser que a vitória seja acachapante e faça com que Lula dispense os partidos e o faça voltar ao populismo".

A cobrança não é mais sobre o PT e sim em cima do presidente. "Lula não é mais PT", e o partido que ajudou a fundar "não vai valer nada no segundo mandato": "Lula vai ter uma eleição consagradora e a força vai estar nele". O Congresso nunca foi problema para os presidentes - "a não ser para João Goulart" - e no segundo mandato Lula deve se beneficiar de uma oposição débil, marcada pelo enfraquecimento do PSDB, diz o sociólogo.

Oliveira acredita que os partidos passarão por fortes reformulações depois desta eleição. O fim da era das legendas que foram construídas na abertura do processo democrático, pós ditadura militar, ficou consolidado com a derrota de parte dos criadores do PSDB e do envolvimento das bases históricas do PT em corrupção. "O PSDB fundador perdeu. Vai sobrar Serra, mas ele não se parece muito com a turma de Pindamonhangaba, nem com Fernando Henrique Cardoso. O partido está muito fragmentado e eles estão sem rumo", aponta.