Título: Municípios elevaram gastos com pessoal
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 30/10/2006, Brasil, p. A20

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) teve "erros de calibragem" que geraram distorções nas finanças públicas municipais, aponta um balanço feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre a legislação, promulgada em 2000. O limite de 60% para a proporção de gastos com pessoal, em relação à receita corrente líquida, estimulou o aumento desse tipo de despesa para a maioria dos municípios que apresentavam despêndios muito inferiores ao teto determinado, numa lógica inversa ao espírito da LRF. No entanto, a minoria que ultrapassava esse limite se ajustou, segundo o Ipea.

No que se refere ao endividamento, a lei teve um "efeito controlador" para o pequeno número de municípios cuja dívida consolidada líquida ia além do teto de 120% da receita corrente líquida, fixado pela legislação. Em contrapartida, as prefeituras que não se ajustaram viram seus indicadores de endividamento explodir e passam hoje ao largo dos parâmetros da LRF - ou seja, houve uma concentração de dívidas.

No estudo do Ipea, que restringiu sua análise às finanças municipais, foram comparados dois períodos: antes das exigências da LRF (1998-2000) e depois (2001-2004). Com base em dados do Tesouro Nacional, os pesquisadores do instituto se debruçaram sobre um universo de 5.212 municípios - os demais não tinham indicadores para todos os anos da comparação - e como eles reagiram à lei, que busca fomentar políticas fiscais responsáveis.

A média geral da relação despesa com pessoal/receita corrente líquida manteve-se praticamente estável entre os dois períodos comparados, tendo variado de 42,6% para 42%. Por trás da aparente estabilidade, a diferença entre os gastos mínimos e máximos das prefeituras diminuiu sensivelmente. De 1998 e 2000, havia 1.298 municípios em que essa relação ia de zero a 36% - concentrados em Mato Grosso, Bahia, Maranhão e Piauí. Do lado oposto, 200 municípios gastavam mais de 60% com pessoal - principalmente no Rio Grande do Sul e na região Norte do país.

Com a implantação da LRF, formou-se o seguinte quadro entre 2001 e 2004: caiu para 32 o número de municípios com gastos acima de 60% (esse é o dado positivo), mas foi reduzida para 1.019 a quantidade daqueles cuja despesa com pessoal está abaixo de 36% da receita corrente líquida (dado que, se não pode ser imediatamente tachado de negativo, é controverso e merece uma análise mais aprofundada, ressaltam os pesquisadores).

"Esse fato levou ao questionamento da eficiência efetiva da LRF em controlar gastos excessivos dos municípios brasileiros", afirmam os três pesquisadores que assinam o trabalho - Dea Guerra Fioravante, Maurício Mota Saboya Pinheiro e Roberta da Silva Vieira. Para eles, percebe-se uma "nítida" convergência de despesas. "Há que se verificar se os municípios que aumentaram seus gastos realmente apresentavam essa necessidade. E, por outro lado, se os municípios que diminuíram seus gastos não estão passando por um estrangulamento dos serviços públicos."

Quanto a outro aspecto fundamental da LRF, o movimento captado pelo estudo do Ipea foi a concentração do endividamento em poucos municípios. A lei estabelece que a dívida consolidada líquida não deve ser superior a 120% da receita corrente. O número de prefeituras que excedem o limite caiu de 40 para 12 entre os dois períodos pesquisados. As cidades que tinham endividamento baixo ou que eram credoras líquidas, com relação de até 20% nesse indicador, aumentaram de 3.493 para 4.094.

A má notícia é que o grupo de 12 prefeituras superendividadas, incluindo a de São Paulo, pode estar numa rota perigosa. A participação desse grupo no endividamento total dos municípios subiu de 48,5% para 61,8%. Só a prefeitura paulistana tinha mais de 49% de todas as dívidas. O estudo recomenda uma análise da sustentabilidade da dívida dos municípios que ultrapassam a LRF. Também adverte que muitos conseguiram reduzir o endividamento aumentando a arrecadação municipal, o que pode ser mantido no curto prazo, mas não no longo prazo.