Título: Petrobras cede, mas garante remuneração maior e assegura o gás
Autor: Schüffner, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 30/10/2006, Brasil, p. A21

O resultado das negociações dos contratos relativos à exploração de petróleo e gás, assinados no sábado entre a estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) e dez companhias estrangeiras, permite que os dois lados se declarem vencedores. A Petrobras - maior investidora e considerada a negociadora mais difícil pelo governo boliviano -, diz que não terá prejuízos, que o fornecimento de gás está assegurado e que está satisfeita com os contratos, embora tenha feito concessões.

O presidente da estatal, José Sergio Gabrielli, contudo, admite que a companhia abriu mão do direito de recorrer a um tribunal internacional no caso de controvérsias futuras relacionadas à exploração e produção de gás nos campos de San Alberto e San Antonio, os maiores da Bolívia.

"Cedemos o direito (de recorrer a arbitragem internacional), e evidentemente criamos uma forma que nos proteja no futuro. Abrimos mão de recorrer em tribunal a eventos futuros ligados a esses contratos, que são de entrega do gás para a YPFB", disse Gabrielli ontem ao Valor.

O executivo explicou, contudo, que para o contrato que trata do fornecimento de gás da Bolívia ao Brasil, as regras de arbitragem não mudaram. "A arbitragem para esse contrato (de fornecimento de gás) continua a mesma", explicou, em referência às regras de resolução de controvérsias desse contrato em tribunais no exterior. A discussão sobre o preço do gás tem término previsto para 10 novembro. Também não tem resultado, ainda, a discussão sobre a remuneração da Petrobras para que ela ceda à YPFB o controle das duas refinarias que tem na Bolívia. A Petrobras ainda manteve os direitos de exploração dos blocos Rio Hondo, Ingre e Irenda.

Apesar das assinaturas dos contratos com dez companhias estrangeiras terem sido comemoradas na Bolívia, há entendimentos distintos sobre alguns aspectos da natureza dos contrato são distintos. O próprio Gabrielli deu uma mostra disso dizendo que uma das maiores discussões em La Paz se referiram à possível migração dos contratos existentes, do modelo de risco compartilhado para a prestação de serviços. "Para nós houve uma migração dos contratos, mas para a Bolívia não é isso. Para eles (os contratos antigos) não têm validade porque não foram aprovados pelo Congresso", afirmou.

Segundo o presidente da Petrobras, a companhia manteve os direitos de exploração e produção sobre os campos de San Alberto e Santo Antonio através de um contrato que prevê três tipos de remuneração para a Bolívia e os investidores. Gabrielli explicou que o compromisso da empresa é manter e desenvolver a atual produção de San Alberto e San Antonio, toda exportada para o Brasil. Isso significa que há possibilidade de perfurar novos poços para aumentar a produção de gás e unidades de tratamento. "Quanto mais investimentos fizermos, maior retorno teremos, pois o retorno é garantido", explicou o executivo, sem mencionar novos investimentos no país. Outras petrolíferas, como a Total e a Vintage, segundo o governo boliviano, já se comprometeram com novos projetos no país.

O decreto Supremo que estabeleceu a nacionalização previa uma taxação direta de 82% sobre a produção, com os 12% ficando para as empresas pagarem custos, recuperar investimentos e ainda ter lucro. Mas as petroleiras resistiram a isso. E a parcela de 82% caiu para uma fixa e mais uma variável.

No caso da Petrobras, Gabrielli explicou que o contrato prevê três parcelas de remuneração. A primeira, de 50%, será paga sob a forma de impostos e regalias. Outra parcela será destinada ao ressarcimento dos investimentos. E a terceira parcela, que é de risco compartilhado, estabelece remuneração variável para o investidor, de acordo com uma tabela progressiva dependendo do volume de produção, dos investimentos, da depreciação dos ativos e dos preços de comercialização.

Os contratos com oito petroleiras só foram assinados na madrugada de domingo, depois de um sábado tenso, com momentos em que os bolivianos fizeram uma "guerra de nervos" através de sua imprensa oficial. No sábado à tarde, o ministro da Presidência da Bolívia, Juan Ramón Quintana, rebateu na página da Agência Boliviana de Informações na internet um suposto pedido da Petrobras para mais 20 dias de prazo para negociar, dizendo que a brasileira tinha que entender que o governo boliviano não é um "governo de fantoches". No Brasil, fontes da companhia negavam esse pedido.

Pela Petrobras, os negociadores foram Décio Oddone, superintendente executivo para o Cone Sul e presidente do conselho da argentina Petrobras Energía, André Ghirardi (assessor de Gabrielli) e José Freitas, principal executivo da estatal na Bolívia. Eles tiveram mais de 22 horas de reuniões na semana passada, quando foram negociadas 16 versões de contrato. Pela Bolívia, estavam o presidente da YPFB, Juan Carlos Ortiz, o ministro de Hidrocarbonetos, Carlos Villegas, e o assessor do presidente Evo Morales, Manuel Morales.

À "Agência Globo", Gabrielli, explicou que não haverá confisco dos equipamentos e das instalações da estatal brasileira, como se falou. "Em algumas questões nós cedemos, e em outras a Bolívia teve de ceder. Temos a garantia de que vamos ter o ressarcimento de nossos investimentos", disse Gabrielli.

Segundo apurou o Valor junto a uma fonte que acompanhou as negociações, a Petrobras se comprometeu a passar à YPFB seus ativos na Bolívia, ao final do contrato (2036, segundo o ministro Silas Rondeau), sem necessidade de remuneração. A empresa acredita que, até lá, os ativos estarão depreciados, e os investimentos amortizados. A Bolívia queria a transferência imediata dos ativos. (Colaborou Sergio Leo, de Brasília)