Título: Pressa, trapalhadas e desperdício
Autor: Torres, Izabelle
Fonte: Correio Braziliense, 21/11/2010, Política, p. 8

Ponto eletrônico é comprado, mas Casa não tem instalações para o sistema. Reemissão de crachás pode gerar prejuízo de R$ 200 mil A pressa do primeiro secretário do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI) para tentar emplacar o ponto biométrico para os servidores antes de acabar seu mandato fez com que a compra sem licitação dos equipamentos ocorresse antes de a estrutura física do Senado ficar pronta. O contrato com a empresa Sagem, de R$ 1,1 milhão, foi firmado por termo de adesão, e as máquinas que vão registrar a entrada dos funcionários já chegaram à Casa há semanas, mas não puderam entrar em funcionamento porque faltam instalações elétricas adequadas.

Por enquanto, a administração deu ordens para apenas registrar as digitais dos funcionários e emitir os novos crachás. É somente isso que pode ser feito no momento, apesar de o prazo estipulado publicamente pelo senador para que o sistema comece a funcionar ser 1º de dezembro. Sem a estrutura montada, as máquinas que farão o registro da entrada e da saída dos servidores e o programa que vai armazenar esses dados não podem ser instalados.

¿Nossa parte foi feita. Mas só poderemos colocar o serviço em funcionamento depois que as instalações forem concluídas. Sem elas, não podemos fazer nada¿, explica o representante da empresa, Marcelo Bleini. A assessoria do Senado informa que a licitação para aquisição de fios elétricos já foi realizada e em breve as obras para adaptação da Casa ao novo sistema serão iniciadas.

A atual situação do ponto eletrônico e a queima de etapas para implantar o sistema é resultado de uma estratégia malsucedida de Heráclito Fortes para conseguir mais um mandato de senador. Depois de anunciar por meses a ideia de controlar a frequência dos funcionários, o senador foi instruído pelos coordenadores da sua campanha a acelerar a implantação da proposta para que pudesse usar sua atuação à frente da Primeira Secretaria durante a campanha eleitoral pela reeleição. Foi o que fez. Pulou a licitação, copiou o modelo do contrato feito pela Câmara dos Deputados e esqueceu que a instalação dos equipamentos dependia de uma obra prévia na Casa.

O senador não se reelegeu, mas ainda tenta deixar a implantação do ponto como sua marca à frente da Primeira Secretaria. ¿Estão dizendo que não vai dar tempo. Mas vai sim. O prazo é dezembro e a administração está correndo para isso. Acho que esses boatos de falta de estrutura só interessam a quem não trabalha e não quer bater o ponto. Mas até o fim do ano deixarei tudo funcionando¿, diz Fortes.

Para o senador, a implantação do sistema biométrico representa a ação enérgica da Casa para dar respostas aos escândalos e às irregularidades que marcaram e sujaram a imagem do Senado por anos. ¿Apesar das campanhas contra o ponto, vamos colocá-lo em funcionamento. É importante para a sociedade e para a Casa. O que falta são alguns detalhes técnicos. Mas a programação está andando bem¿, garante o parlamentar.

Desperdício As trapalhadas que envolvem a implantação do ponto eletrônico no Senado não se restringem à falta de estrutura prévia para receber os equipamentos comprados. A pressa em colocar o sistema para funcionar ainda este ano não considerou que a maior parte dos servidores de 54 gabinetes de parlamentares que deixam a Casa no ano que vem será exonerada, já que ocupa cargos de confiança. Na prática, a renovação das identidades funcionais eletrônicas para funcionários que não vão permanecer no Senado no próximo ano e a emissão de crachás para os novos servidores deve custar mais de R$ 200 mil.

Apesar dos indícios de que o prazo de 1º de dezembro não será cumprido e a dança das cadeiras entre servidores deverá resultar na emissão desnecessária de credenciais, os 6.300 funcionários da Casa estão atendendo ao ato administrativo que os convocou para renovar os crachás.

Tecnologia A biometria é uma avançada tecnologia de reconhecimento de características físicas das pessoas. O ponto biométrico consiste no cadastro da impressão digital dos servidores. As informações coletadas são armazenadas em um sistema de dados e requeridas sempre que a pessoa tenta acessar alguma dependência do órgão que requeira o cadastramento. É considerado um dos mais seguros sistemas existentes.

MEMÓRIA Ponto para a morosidade

A polêmica em torno do ponto eletrônico para os funcionários do Congresso se arrasta há anos. Em 2009, uma série de escândalos envolvendo funcionários fantasmas levou os primeiros secretários da Câmara e do Senado a anunciar a instalação de um novo controle de frequência de servidores em substituição à antiga assinatura na folha de ponto.

A Câmara realizou licitação e contratou a empresa Sagem. O sistema, no entanto, foi implantado apenas em alguns setores da Casa, em caráter experimental, para posteriormente ser expandido. O que não deve acontecer, já que o padrinho da ideia, deputado Rafael Guerra (PSDB-MG) não se reelegeu.

No Senado, o primeiro secretário tentou implantar um sistema mais simples, que consistia na entrada do servidor na intranet com a senha, mostrando que estava nas dependências da Casa no horário em que fez o registro. Na época, Heráclito Fortes (DEM-PI) disse que o controle iria moralizar o funcionamento do Senado. Não foi bem assim. Os servidores começaram a burlar o sistema e a pedir que colegas registrassem suas senhas, estabelecendo um revezamento entre os funcionários.

Depois das denúncias, Fortes radicalizou e anunciou a compra de equipamentos de identificação biométrica, para evitar fraudes. Em plena campanha eleitoral, ele copiou o modelo de licitação feito pela Câmara e adquiriu os equipamentos às pressas. Desde o mês passado, os funcionários estão cadastrando digitais e recebendo os novos crachás. (IT)