Título: Ministros elegem Joaquim Barbosa para presidir STF
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 11/10/2012, Política, p. A11

Filho de um pedreiro com uma dona de casa, Joaquim Benedito Barbosa Gomes foi eleito presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) ontem, no mesmo dia em que a Corte seguiu o seu voto e confirmou, por oito a dois, a condenação ao ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu.

Barbosa foi eleito por nove votos a um e vai tomar posse no comando da Corte em 22 de novembro. Em 2003, pouco antes de ser indicado para o STF pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele se reuniu com Dirceu na Casa Civil. O encontro foi intermediado por Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, um contemporâneo de Barbosa na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), que hoje defende o publicitário Duda Mendonça no processo do mensalão. Na ocasião, Dirceu disse que a escolha para o STF levaria em conta o currículo e coube ao então ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos analisar o "vitae" de Barbosa. Na época, Bastos ficou muito bem impressionado com a vasta experiência acadêmica do então pretendente a ministro do STF. Hoje, ele advoga para José Roberto Salgado, réu condenado pela Corte por gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro com o voto condutor do relator do mensalão.

Após ser eleito, Barbosa negou que vá fazer política e se candidatar dada a repercussão positiva do julgamento perante a população. "Eu nunca fiz política e não será agora que vou fazê-lo." O ministro não se considera um herói, mas se revelou grato pelas manifestações de apoio que está recebendo. "Eu sou um anti-herói. Não dou bola para essas coisas." Segundo ele, sua gestão será "sem turbulências nem grandes inovações".

A votação que Barbosa obteve para assumir a presidência do STF, em substituição a Carlos Ayres Britto, que completa 70 anos em 18 de novembro e se aposenta, revela que a Corte não apenas está seguindo a tradição pela qual sempre é eleito quem está há mais tempo no STF e ainda não exerceu a presidência, mas também procura lhe dar segurança para assumir o cargo dentro de um sistema colaborativo pelo qual o tribunal funciona.

No STF, o presidente precisa dos demais ministros para fazer a sua gestão. Isolar-se significaria não conseguir colocar processos em pauta e perder a solidariedade dos colegas às suas decisões individuais. Para montar a pauta, o presidente precisa que os relatores dos processos autorizem a liberação para julgamento. Para chegar a uma decisão é necessário que os demais não peçam vista. Por isso, o STF necessita de conversas prévias entre o presidente e os relatores das causas mais importantes para funcionar.

Nesse contexto, o maior desafio de Barbosa será o de conter o seu ímpeto agressivo que já o levou a travar discussões ásperas com mais da metade dos integrantes da Corte. Ao longo dos nove anos em que está no STF, o futuro presidente protagonizou um número recorde de discussões tensas com os colegas. Algumas se tornaram notórias, como o debate em que ele chamou de "jeitinho" a revisão de uma decisão por Gilmar Mendes ou a entrevista em que acusou Cezar Peluso de manipular julgamentos.

A eleição de ontem funcionou como uma espécie de trégua na qual esses episódios foram colocados de lado. "Eu acho que posso falar em nome de todos os eminentes colegas que compõem esse egrégio sodalício que o ministro Joaquim Barbosa saberá exercer as suas funções com sabedoria, prudência e segurança", disse o decano da Corte, ministro Celso de Mello.

As discordâncias entre Barbosa e o revisor do mensalão, ministro Ricardo Lewandowski, foram atenuadas nesta semana de eleição interna no tribunal. Ontem, Barbosa completou três sessões consecutivas sem questioná-lo - prática que havia se tornado comum ao longo do julgamento. Eleito vice-presidente do STF também por nove votos a um, Lewandowski elogiou Barbosa e prometeu ser um coadjuvante em sua gestão. Foi um recado direto ao colega e aos demais integrantes da Corte, já que, como revisor, ele assumiu posição de contestação ao relator, dividindo o protagonismo da causa. "O papel do vice não é de protagonista, mas de coadjuvante e colaborador. Portanto, o ministro Joaquim poderá ter a certeza e convicção de que tudo farei para que sua excelência tenha uma administração plena de êxito como merece e como o Brasil espera", disse Lewandowski.

Pela tradição da Corte, o presidente não vota em si. Com isso, Barbosa votou em Lewandowski para vice e esse último votou em Barbosa para presidente. "Eu gostaria de agradecer a todos os colegas pela confiança em me eleger para esse cargo da Corte e dizer da minha elevada honra em ser eleito e futuramente exercer a Presidência da Casa. Muito obrigado", disse Barbosa aos demais ministros.

Após a sessão, o ministro declarou que ser o primeiro negro a presidir o STF e um poder da República, o Judiciário, "representa muita coisa" "Nós constituímos a maioria da população, então é um fato extraordinário de pela primeira vez ter-se alguém na presidência do Judiciário", disse Barbosa.

"A eleição do primeiro presidente afrodescendente é um grande estímulo à nossa nação", disse Roberto Caldas, juiz na Corte Interamericana de Direitos Humanos, que foi destacado para homenageá-lo no STF pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, lembrou que Barbosa passou 19 anos no Ministério Público Federal. "A procuradoria saúda a eleição com especial orgulho porque sua excelência integrou a carreira do MPF por longos anos", afirmou.

Além do STF, Barbosa vai comandar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e terá um mandato de dois anos nos dois cargos.

O ministro tem 58 anos, nasceu em Paracatu, no noroeste de Minas Gerais, teve infância pobre e se mudou para Brasília, onde trabalhou na gráfica do Senado e formou-se em direito na UnB na mesma turma pela qual Mendes se graduou. Barbosa foi oficial de chancelaria do Ministério das Relações Exteriores, nos anos 70, e tentou ser diplomata, sendo aprovado em todas as etapas do concurso, com exceção da entrevista. Em seguida, ele passou no concurso para procurador da República, cargo que exerceu entre 1984 e 2003.

Barbosa concluiu mestrado e doutorado, em Paris, pela Sorbonne e fez estudos nas universidades de Columbia, em Nova York, e da Califórnia, em Los Angeles. Ele fala inglês, francês, italiano e alemão, toca piano e torce para o São Paulo.