Título: Euro prejudica pouco e ajuda muito a Itália
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 30/10/2006, Internacional, p. A23

Incumbido da ingrata tarefa de ajustar as finanças públicas italianas, Tommaso Padoa-Schioppa está se empenhando ao máximo. Infelizmente, duas agências de classificação de crédito acreditam que isso não bastará. O ministro das Finanças enfrenta um grande déficit fiscal (4,1% do PIB em 2005) e uma enorme dívida pública (109% do PIB). Standard & Poor´s e Fitch dizem que o projeto de orçamento italiano implica um esforço muito pequeno. As agências julgam que o orçamento depende demais de alta de impostos e muito pouco de cortes de gastos, que, para economistas, é um caminho certo para a disciplina fiscal duradoura. A S&P e a Fitch estão menos otimistas que o ministro sobre quanto dinheiro extra poderá ser arrecadado com a repressão à evasão fiscal. E ainda detectaram truques contábeis. Há duas semanas, as agências rebaixaram a dívida soberana italiana.

As finanças públicas não são o único problema da Itália. A taxa de crescimento tem sido patética. Pode chegar a 1,5% neste ano, após quatro anos abaixo de 1%. As empresas italianas têm dificuldades para acompanhar os concorrentes de outros países da zona do euro: o custo unitário de mão-de-obra, em relação à Alemanha, cresceu mais de 20%, desde 2000. Uma solução óbvia (ainda que temporária), a desvalorização da moeda, não é possível, pois o país participa de uma união monetária.

Poderia-se concluir que, para um país em lento crescimento e muito endividado, como a Itália, estar na zona do euro é uma situação desconfortável. De modo algum. Justamente por causa da moeda única, a Itália, visto o estado de suas finanças e de suas empresas, tem sido excepcionalmente bem vista pelos mercados de bônus. Seus bônus de dez anos rendem cerca de 4,15%, só 30 pontos-base (0,3 ponto percentual) a mais que bônus equivalentes alemães. Os mercados têm a mesma atitude benévola em relação a outros gastadores na zona do euro. Os bônus da Grécia (déficit no ano passado: 5,2% do PIB; endividamento: 108%; mas crescimento do PIB saudável) rendem aproximadamente o mesmo que os da Itália. Os de Portugal (déficit: 6%; endividamento: 63%; crescimento, melhor este ano, depois de um período fraco) rendem dez pontos-base menos.

Uma das razões pelas quais o rendimento dos bônus está baixo em toda a zona do euro é que a inflação está sob controle e a expectativa é que permaneça assim. Mas o fato de o mercado não fazer distinção entre os bônus dos membros da zona do euro é, de todo modo, notável. Parte da explicação é que a rentabilidade em geral, inclusive dos papéis de dívidas de mercados emergentes, está baixa, deixando pouca margem para diferenciar os tomadores de financiamento. Outra razão, porém, é a criação do próprio euro. Nos anos que antecederam o nascimento da moeda, os investidores deram-se conta de que o risco de desvalorização estava evaporando. Por isso, o spread (ou ágio) que exigem para compensá-los por esse risco despencou (veja gráfico). Essa tendência é também favorecida pelo fato de o Banco Central Europeu (BCE) aceitar bônus soberanos dos países-membros como garantia sob termos indiferenciados - desde que mantenham uma classificação de crédito A ou superior. E embora o BCE insista em que não socorrerá governos das conseqüências de sua insensatez fiscal, os mercados podem pensar de outro modo, estimando que, se um país correr risco de inadimplência, seria de alguma forma socorrido. O resultado é a atual postura indiferenciada dos mercados em relação à dívida dos países da zona do euro.

O barateamento dos empréstimos implica pouco estímulo para que os governos apertem o cinto. É verdade que, antes da criação do euro, os governos empenhavam-se em reduzir seus déficits para 3% do PIB e em baixar seu endividamento até a meta de 60%, o teto imposto aos novos membros. Agora, há um pacto de estabilidade e crescimento cuja finalidade é manter baixos os déficits e as dívidas. Portugal está se esforçando para cortar gastos, mas os países grandes têm se comportado a seu bel-prazer. Em 2005, quatro países-membros tinham déficit superior a 3% do PIB; para outro país, o déficit era de 2,9%. Sete países têm dívida superior a 60% do PIB (veja gráfico).

A imposição de limites arbitrários a finanças governamentais faz pouco sentido. Mas, com pacto ou sem pacto, a Itália e outros países precisam pôr suas finanças em ordem e elevar seu crescimento. Esses dois problemas estão relacionados. À medida que o crescimento lento prejudica a receita fiscal, e assim a capacidade de arcar com o serviço da dívida, os mercados podem assumir uma postura menos benevolente em relação aos bônus de países que crescem pouco. E, quanto maior a dívida, maiores os danos que uma mudança no humor do mercado por causar.

Infelizmente, não há uma saída fácil. Numa união monetária, sendo inexistente a possibilidade de desvalorização, há só duas maneiras de reduzir o custo unitário de mão-de-obra em relação aos outros países-membros. Uma delas é aceitar um crescimento salarial inferior ao dos outros países. Isso é possível (um crescimento salarial baixo deu à Alemanha um modo de escapar dos problemas depois de alguns anos infelizes), mas doloroso. Os trabalhadores não aceitam facilmente pequenos aumentos salariais, que dirá reduções; e um crescimento salarial lento pouco contribui para a demanda interna. A outra opção é elevar a taxa de crescimento da produtividade, algo que não parece mais fácil. Tanto a Itália como Portugal têm produtividade insatisfatória, embora as reformas microeconômicas propostas pelo recém-empossado governo italiano sejam passos na direção certa. E as empresas nesses países estão competindo com os alemães. Elas disputam também cabeça-a-cabeça com países da Ásia e centro-europeus.

Sanear as finanças públicas e, ao mesmo tempo, conter salários ou implementar uma reforma microeconômica pode parecer pedir demais. Afinal, é exatamente nestes momentos que a demanda interna poderia beneficiar-se da ajuda do Estado. Mas, como argumentaram Alberto Alesina e Francesco Giavazzi, dois economistas italianos, um aperto fiscal, desde que baseado em corte de gastos, e não em aumento de impostos, poderia até mesmo aquecer a demanda, pois os cidadãos passam a acreditar que terão de pagar menos impostos no futuro. Essa parece ter sido a experiência da Irlanda e da Dinamarca na década de 80.

Nem todo mundo vê a Itália com tão mal. Eric Chaney, do banco Morgan Stanley, diz que as empresas italianas estão mais bem posicionadas do que julga a maioria dos analistas. Ainda assim, países gastadores não podem se dar ao luxo de esperar que suas economias cresçam para reduzir a dívida. Se os mercados tiverem um pouco de seletividade e discernimento, e cobrarem mais por seu dinheiro, a vida na zona do euro poderá ficar muito menos confortável. (Tradução de Sergio Blum)