Título: Um vaivém sem fim de processos
Autor: Souto, Isabella
Fonte: Correio Braziliense, 21/11/2010, Política, p. 10

Derrotados nas urnas, 54 deputados perdem o foro privilegiado e podem ser beneficiados pela lentidão do Poder Judiciário, uma vez que suas ações retornarão aos tribunais de origem

Derrotados nas urnas nas eleições de outubro, 54 deputados federais terão pelo menos um consolo: a chance de ver processos criminais em que são réus tramitarem com ainda mais lentidão na Justiça. Graças ao chamado foro privilegiado a que têm direito por ocuparem cadeiras na Câmara dos Deputados, eles respondem hoje a ações no Supremo Tribunal Federal (STF). Sem o mandato, os processos passam a correr nas instâncias inferiores, nas respectivas unidades da Federação. O julgamento local pode até ser mais rápido - até porque a história do STF mostra que o órgão raramente julga processos de parlamentares -, mas não dá para negar que o vaivém dos processos contribui para que a sentença demore ainda mais.

Concorre para isso o fato de que novos juízes terão que ficar a par de todos os atos processuais tomados no Supremo e avaliar se são necessárias novas diligências ou provas e depoimentos. Em relação aos quase ex-deputados, os magistrados estaduais estarão diante de 20 ações por infrações à legislação eleitoral, 11 por crimes de responsabilidade, 10 de improbidade administrativa e nove relacionadas ao desrespeito à Lei das Licitações. Há ainda casos de perda de mandato, investigação penal, prestação de contas irregular, corrupção, peculato e crimes contra a honra. Único do Distrito Federal da lista, o deputado Laerte Bessa (PSC) responde por dano moral, crimes eleitorais, peculato, crimes contra a paz pública e lavagem ou ocultação de bens, direitos ou valores.

"O foro privilegiado não permite que se realize a Justiça no Brasil. Ele não faz sentido e impede o julgamento na prática", diz o presidente da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis), Bruno Terra Dias. O magistrado lembra que, ao receber um processo, o juiz ainda pode se deparar com o constrangimento de verificar, por exemplo, alguma nulidade que não foi vista no STF. "É complicado porque o juiz que recebe um processo que vem de outro lugar, com provas que não foi ele quem colheu, pode entender que não há elementos suficientes para formar a convicção dele. Isso só faz com que o processo demore ainda mais", observa.

Um exemplo claro de vaivém processual diz respeito a uma das ações penais por crime de responsabilidade respondidas pelo deputado federal Jairo Ataíde (DEM-MG). Prefeito de Montes Claros entre 1997 e 2004, ele é acusado de ter feito contratações de funcionários sem concurso público. A ação foi recebida pela Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais em novembro de 2004. Encerrado o mandato, o Tribunal de Justiça a encaminhou para a Justiça em Montes Claros. Como Jairo Ataíde foi diplomado deputado federal em 2007, o processo foi para o STF. Suplente, Jairo deixou a Câmara em 2008, quando o Ministério Público Federal (MPF) requereu o reenvio do processo para Montes Claros. No ano seguinte, no entanto, ele assumiu definitivamente a cadeira de deputado federal porque Custódio Mattos (PSDB), eleito prefeito de Juiz de Fora, renunciou ao mandato. Moral da história: novamente o processo seguiu para o STF.

Agilidade Para o presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), César Bechara Nader Mattar Júnior, na Justiça estadual, a chance de ter um julgamento mais rápido é muito maior. Por isso, ele argumenta que é necessário que os tribunais de Justiça e o Ministério Público se mobilizem para que essas ações sejam julgadas com mais agilidade. "O retorno das ações pode, sim, dar mais celeridade, mas é preciso uma mobilização no sentido de ultimar os procedimentos", opina.

Pela legislação brasileira, o envio dos processos do Supremo para os órgãos judiciais de origem deve ser feito automaticamente, logo depois da posse dos eleitos. Mas a Conamp recomenda ao MPF - encarregado de acompanhar ações que tramitam no STF - que fique de olho na tramitação dos processos para garantir que o ato seja tomado rapidamente. "Sabemos que o Supremo está sobrecarregado e, se não ficarmos em cima, a coisa não desenvolve, e o tempo da remessa pode se alongar ainda mais", diz Bechara.

Jefferson Rudy/CB/D.A Press - 17/10/01 Tatico será o primeiro deputado do país obrigado a cumprir pena de prisão em regime semiaberto EM 22 ANOS, QUATRO CONDENADOS

Nos últimos 22 anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou apenas quatro deputados federais que respondiam a processos criminais: Zé Gerardo (PMDB-CE); Cassio Taniguchi (DEM-PR); José Fuscaldi Cesílio (PTB-GO), o Tatico; e Natan Donadon (PMDB-RO).

Condenado por unanimidade há quase dois meses por apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária por empresa de propriedade do parlamentar, Tatico foi o primeiro deputado obrigado a cumprir pena de prisão em regime semiaberto do país. A pena é de sete anos, além de multa de 60 salários mínimos pelo valor vigente em 2002. Eleito deputado federal por Goiás em 2006, ele, dessa vez, disputou a reeleição por Minas Gerais. Como o acórdão com a decisão ainda não foi publicado no Diário do Judiciário, Tatico continua solto.

Zé Gerardo foi condenado a pagar multa de 50 salários mínimos e prestar serviços à comunidade durante dois anos por crime de responsabilidade. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), durante sua gestão na Prefeitura de Caucaia (CE), ele usou os recursos da construção de um açude para montar pontes erguidas com pedras em áreas alagadas.

Condenado pelo STF em 20 de maio, Cassio Taniguchi recebeu a pena de prisão, mas não terá que cumpri-la porque o crime já prescreveu. A investigação é referente a sua gestão na Prefeitura de Curitiba. Segundo o MPF, ele autorizou o pagamento de R$ 4,9 milhões em precatórios de desapropriação de imóveis não incluídos no orçamento do município. Em 28 de outubro, Natan Donadon recebeu a pena de 13 anos, quatro meses e 10 dias de prisão, em regime fechado, pelos crimes de formação de quadrilha e peculato. Ele foi acusado de fazer parte de um esquema que fraudou licitações para contratos de publicidade da Assembleia Legislativa de Rondônia entre 1998 e 1999. (IS)

AS AÇÕES DE UM REELEITO

Maria Clara Prates

O deputado federal mineiro João Lúcio Magalhães Bifano (PMDB), reeleito para o seu quinto mandato, é considerado por muitos um fenômeno. Pesam contra ele 29 ações de improbidade administrativa na Justiça Federal de Governador Valadares e de Ipatinga; ações e inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), um deles por crime contra o sistema financeiro nacional; além das acusações de envolvimento em dois dos maiores escândalos do país nos últimos anos: a Máfia dos Sanguessugas (2006) e a Operação João de Barro (2008), ambos por venda de emendas do orçamento para recebimento de propina. Sem condenação, ele não foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa e pôde se reeleger para nova legislatura.

Punições administrativas também passam longe do parlamentar. Mesmo tendo sido alvo da Comissão de Ética da Câmara dos Deputados por duas vezes, está ileso. A primeira investigação foi arquivada sem análise do mérito, apesar das acusações de envolvimento dele na compra superfaturada de ambulâncias com emendas de sua autoria. A alegação é de que faltaram as provas. Em julho de 2008, nova investigação foi aberta na comissão, dessa vez por suspeita de participação no desvio e superfaturamento em obras com emendas do orçamento, revelado na Operação João de Barro da Polícia Federal. Dois anos depois, tudo permanece como antes: paralisado.

A análise da tramitação do caso na Comissão de Ética causa espanto aos leigos. A apuração está em sua 11ª prorrogação, sem que um papel sequer tenha sido anexado ao pedido inicial de investigação. Apenas a defesa de João Magalhães foi apresentada. A relatora do caso, deputada Iriny Lopes (PT-ES), explica que o caso está paralisado porque o STF se recusa a enviar para a Câmara dos Deputados cópia das investigações em razão de o fato estar sob segredo de Justiça, já que não houve resposta oficial.

Dificuldades Segundo a relatora, sem a documentação, seu trabalho fica prejudicado, já que o material disponível é apenas notícias em jornais. Na semana passada, depois de uma reunião com o corregedor Antônio Carlos Magalhães Neto, ficou acertado que o pedido seria novamente reforçado. Para tentar superar a resistência, foi tentada até mesmo apenas uma visita para consulta dos autos no Supremo. Essa proposta também não prosperou, segundo a deputada. O próximo prazo para a apresentação de relatório expira em 22 de dezembro e já se desenha mais uma prorrogação em razão do recesso parlamentar.

Para se ter ideia do tamanho da dor de cabeça que Magalhães tem com a Justiça, apenas no escritório da Procuradoria da República de Governador Valadares tramitam entre 20 e 25 procedimentos investigatórios que analisam as emendas propostas pelo parlamentar em diferentes situações. Há ainda contra o parlamentar ações de execuções no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, duas delas promovidas pelo Instituto Nacional do Seguro Social em razão do não recolhimento de contribuições previdenciárias.

O deputado João Magalhães, no entanto, encara o problema com naturalidade, reafirmando sua inocência: "Isso faz parte da vida dos políticos", diz. Para o parlamentar, é direito do Ministério Público promover as investigações que julgar necessário e, dele, o direito de se defender. "Se houvesse alguma coisa de concreto contra mim, já teria sido punido. Até hoje, não existe nenhuma denúncia criminal formalizada", defende-se, finalizando: "Tenho certeza de que tudo será arquivado".