Título: Vinho popular fica mais caro e vendas encolhem neste ano
Autor: D'Ambrosio, Daniela e Bueno, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 30/10/2006, Empresas, p. B6

Sem o charme atribuído a uma garrafa de boa safra de um cabernet sauvignon ou de um chardonnay, os vinhos populares ganham com folga da ala nobre da família em volume de vendas. Esses vinhos adocicados, que recebem cerca de 100 gramas de açúcar por litro, correspondem a mais de 85% das vendas nacionais. A expectativa para este ano é de que sejam vendidos 32,1 milhões de litros de vinhos finos e 185 milhões de litros dos chamados vinho de mesa.

Neste ano, porém, os fabricantes desse tipo de vinho - que custam entre R$ 3,50 e R$ 5,00 o litro - estão sentindo o impacto da quebra da última safra dos parreirais brasileiros e a forte concorrência com o suco de uva, que cresceu 30% no ano passado. Com uma seca que reduziu em 35,6 milhões de toneladas a oferta de uvas comuns em relação a 2005, para 387 milhões de toneladas, os estoques diminuíram e os preços subiram. Em um mercado extremamente sensível a preço, onde cada centavo faz diferença para o consumidor, as vendas diminuíram.

Segundo a União Brasileira Segundo de Vitivinicultura (Uvibra), as vendas de vinhos de mesa (ou comuns), produzidos com uvas de castas americanas, recuaram 5,7% nos oito primeiros meses deste ano em comparação com igual período de 2005, para 145,5 milhões de litros. Isto, depois de três anos de expansão contínua, quando os volumes passaram de 217 milhões de litros em 2003 para 270,7 milhões de litros em 2005, com uma alta acumulada de 24,7%.

Ao mesmo tempo, o consumo de vinhos finos, ou varietais (de castas viníferas européias), vinha crescendo menos. A alta havia sido de 18,6% de 2003 a 2005, para 59,4 milhões de litros, mas nos primeiros oito meses de 2006 ela chegou a 20,8%, para 40,7 milhões de litros. E, para desgosto das vinícolas nacionais, foram os produtos importados que puxaram o crescimento. Disponíveis a partir de R$ 10 ou até menos nas gôndolas dos supermercados, eles tiveram vendas 36,4% superiores às do período janeiro aagosto do ano passado, com 28 milhões de litros.

A produção menor não afetou o preço pago ao produtor pela uva comum, que neste ano ficou igual ao de 2005, em R$ 0,42 o quilo, ante R$ 0,39 em 2004. Mesmo assim, segundo o presidente da Uvibra, Antônio Salton, as vinícolas estão reajustando os preços, em função da redução dos estoques dos vinhos comuns, que devem chegar a três meses de comercialização no fim do ano, ante a média histórica de seis a sete meses para o período. Como conseqüência, o vinho a granel, vendido para as engarrafadoras, também passou de R$ 0,70 para até R$ 1,20 desde o fim de 2005, sem considerar a incidência de ICMS.

A Vinícola Aurora, maior cooperativa vinícola do Brasil, que produz o campeão nacional de vendas Sangue de Boi, reajustou suas linhas de vinhos de mesa em 10%. Na Vinícola Perini, que elabora o vinho Jota Pe, o aumento foi de 8% a 13% em maio e, depois de uma alta de 30% nos volumes gerais de vendas de janeiro a junho, o segundo semestre iniciou com "leve queda", disse o gerente comercial Franco Perini, sem revelar volumes.

A Aurora também está precisando "segurar" as vendas de vinho a granel, afirma Caio Zanotto, diretor comercial da Aurora. De acordo com ele, a cooperativa recebeu 50 milhões de quilos de uvas de 1,3 mil famílias de produtores associados neste ano, ante 60 milhões em 2005. Com isso, a elaboração de derivados recuou de 47 milhões para 38 milhões de litros, sendo 22 milhões de litros de vinhos de mesa, 12 milhões de litros de varietais e 4 milhões de litros de suco de uva.

O suco também começa a disputar as uvas comuns com os vinhos de mesa. O preço é menor, assim como o custo de produção, e há demanda crescente porque a bebida é, em geral, benéfica para a saúde, especialmente para o sistema cardiovascular, explica Salton. Pelos dados da Uvibra, o consumo interno do suco de uva cresceu de 17,8 milhões para 30,6 milhões de litros de 2003 para 2005, enquanto as exportações passaram de 4,9 milhões para 7,3 milhões de litros.

Ainda assim, as vinícolas brasileiras nem querem ouvir falar da importação de vinho a granel da Argentina, como deseja a Associação Nacional dos Engarrafadores de Vinho.

Segundo Zanotto, da Aurora, os problemas de oferta do produto nacional devem ser resolvidos já na próxima safra, que sinaliza para volumes semelhantes aos de 2005, quando foram colhidos 422,6 milhões de quilos de uvas comuns e 70,6 milhões de quilos de viníferas (que neste ano caíram para 56,6 milhões de quilos).

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A Campo Largo, de Curitiba, por exemplo, reajustou seus preços em 22% a partir de maio. "Se os fabricantes vendessem a mesma quantidade de 2005, faltaria vinho", diz Giorgeo Zanlorenzi, presidente da Vinhos Campo Largo.

Por conta dessas dificuldades, a empresa reviu para baixo suas metas. No ano passado a Campo Largo vendeu 22,5 milhões de litros de vinho, mas não deve chegar a 21 milhões de litros em 2006. O faturamento de 2005 foi de R$ 48 milhões e havia a expectativa de chegar a R$ 59 milhões em 2006, mas agora o empresário fala em faturar R$ 54 milhões. A queda nas vendas da Campo Largo estão em 5%.

Longe da complexidade e variedade dos vinhos finos, o vinho de mesa também tem as suas subdivisões. A Campo Largo, por exemplo, tem três marcas e três preços diferentes.

O Vinho do Avô foi lançado há quatro anos para ser o produto top de linha e é vendido, atualmente, por cerca de R$ 6,50 no varejo. O da marca Campo Largo, que foi lançado há 64 anos e representa 80% das vendas da empresa, está na faixa intermediária e sai por R$ 5. O da marca Paraná, mais simples, pode ser encontrado por R$ 4. A diferença entre eles está na seleção dos fornecedores e da uva que, embora seja da mesma qualidade, tem corte e maturação diferentes.

Um dos problemas do aumento de custo é o repasse para as grandes redes varejistas. "A dificuldade de negociar com o varejo é enorme", diz Luis Antônio Passarim, da Passarim, de Jundiaí, que produz o vinho Chapinha. "Não conseguimos repassar todo o aumento, tivemos que absorver uma boa parte e reduzir nossas margens", afirma.

A Passarim e outras marcas, como Góes, de São Roque, e empresas espalhadas por todo o país simplesmente engarrafam o produto. Compram das vinícolas do Sul do país, adicionam açúcar, engarrafam e vendem com as suas próprias marcas - muitas delas com mais de 50 anos de história.

Outra empresa que tentou repassar custos ao varejo é a Piagentini. "Tentamos um repasse de 15%, mas não conseguimos", afirma Flávio Piagentini, sócio. Os vinhos da marca custam entre R$ 2,80 e R$ 7,00 o litro.

A Piagentini está no mercado há 76 anos. Em 2006, a produção de vinhos de mesa ultrapassará os 5,5 milhões de litros. A receita com a produção de vinhos de mesa atinge mais de R$ 17,3 milhões, o que representa cerca de 38% do faturamento da companhia.

Os supermercados reservam um espaço até generoso para esse tipo de vinho. Nas diferentes bandeiras do Pão de Açúcar, os vinhos de mesa representam cerca de 22% das vendas da categoria. A rede é uma das que mais investem no negócio - mantém uma rede de 100 atendentes especializados em vinho. No ano passado, vendeu 20 milhões de garrafas e a expectativa é alcançar 25 milhões neste ano.

O vinho de mesa, mais barato, é considerado estratégico por ser a porta de entrada para a categoria. "É importante para aumentar a base de consumidores", afirma Rodrigo Adura, gerente de compras de líquidos do Pão de Açúcar. A rede importa o vinho argentino Facundo, vendido em caixinhas do tipo "longa vida" de um litro. Produzido pela vinícola Peña Flor, é vendido por R$ 5,90. A empresa não informa o volume de importação da bebida, mas Adura diz que planeja aumentar os pedidos em 2007.

Os importados também já começam a ganhar espaço entre os vinhos de mesa. Além do Facundo, o Pão de Açúcar importa com exclusividade outras marcas de vinho de mesa de origem argentina, como Casa de Campo, Marqués de La Colina e Rincón del Sol, vendidos em garrafas de 1 litro entre R$ 6,90 e R$ 7,90.