Título: Para FGV, juro real abaixo de 2% não se sustenta
Autor: Santos , Chico
Fonte: Valor Econômico, 17/10/2012, Brasil, p. A4

O Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV) está convencido que o Brasil não tem condições de manter de forma sustentável os juros básicos (Selic) reais abaixo de 2%, como ocorre hoje, em uma conjuntura de expansão da economia doméstica, recuperação da economia internacional, e com a atual política cambial de proteção à indústria, com o real na faixa de R$ 2 por dólar, apesar de haver pressões para valorização da moeda brasileira. É o que está dito na Carta do Ibre, editorial da revista "Conjuntura Econômica", seu órgão de debates, que circula a partir do fim desta semana.

Escrito antes da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), que reduziu a taxa Selic de 7,5% para 7,25%, o texto diz que "fatores singulares, como os juros reais internacionais em território negativo e a fraquejada da demanda no Brasil, fizeram com que os juros reais brasileiros caíssem ao nível de 2%, satisfatório e promissor sob qualquer ângulo de análise. Como essa queda foi concomitante à manutenção da política de forte acumulação de reservas e de restrições à mobilidade de capital, pode-se ter criado a impressão de que convergir para juros internacionais e proteger a indústria pela interferência no câmbio não são objetivos excludentes".

Para o Ibre, "há, infelizmente, fortes indicações de que essa feliz conjunção é efêmera e não resistirá à normalização sucessiva da demanda no Brasil e nos países avançados". Nesse momento, a equipe do Ibre entende que se imporá uma escolha: "Se a preferência recair na mudança da condução da política cambial - dando vazão à valorização determinada pelo passivo externo e pelos termos de troca -, os juros reais brasileiros convergirão para o padrão internacional de forma duradoura. Essa porém é uma difícil escolha, porque a política cambial pós-2005 é um anteparo importante para a indústria nacional atormentada por problemas de competitividade."

O Valor teve acesso ao estudo econométrico que dá sustentação ao editorial da revista, detalhado por seu autor, Samuel Pessôa, com o apoio de três outros formuladores do pensamento do Ibre, seu presidente, Luiz Guilherme Schimura, e os economistas Régis Bonelli e Armando Castelar.

O trabalho mostrado por Pessôa tem como principal instrumento de apoio um gráfico que representa os principais formadores da taxa de juros básica de janeiro de 1997 a agosto de 2012. O exercício trabalha com a taxa de juros de 360 dias esperada pelo Focus (instrumento do BC de consulta ao mercado), usando uma fórmula de extrapolação para o período no qual o Focus ainda não existia.

A composição dos juros começa pela taxa de juros real do mercado americano, passa pelo risco Brasil e chega ao que os economistas do Ibre chamam de "diferencial do juro real livre do risco soberano". Esse diferencial, que oscila ao longo do tempo, fixa-se em torno de 5% a partir de 2003 até a atual conjuntura que, além de tudo, tem juros americanos negativos e risco Brasil no nível mais baixo das últimas décadas, em torno de 2%. Explicar a razão do diferencial acima do risco, que tenderia a zero em condições normais (o câmbio de amanhã tendendo a ser igual ao de hoje), é a principal razão de ser do estudo. Para alcançar o objetivo, o período em estudo foi dividido em cinco momentos distintos.

No primeiro período, que vai de 1997 a janeiro de 1999, o diferencial alcança picos muito acima do elevadíssimo risco Brasil. Naquele momento, explica Pessoa, o mercado antecipava que haveria a qualquer momento uma maxidesvalorização do câmbio que então era a principal âncora para sustentar a recém-alcançada (1994) estabilidade dos preços.

De 1999 a outubro de 2001 o gráfico mostra o diferencial de juros acima do risco soberano nulo, coincidindo com o período de adoção do regime de metas de inflação e de câmbio flutuante. A partir de outubro de 2001e até o começo de 2003 o gráfico volta a mostrar um descolamento do diferencial dos juros em relação ao risco Brasil. Para os economistas da FGV, o novo surto está associado a uma forte desvalorização do real relacionada como risco eleitoral. O mercado temia a provável vitória, que efetivamente ocorreu, do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o tucano José Serra.

De 2003 a dezembro de 2005, apesar de o governo Lula já haver demonstrado que não iria alterar a política macroeconômica, "o mercado precifica forte desvalorização cambial", refletido no elevado diferencial dos juros acima do risco soberano. Apesar de, a partir do fim de 2005, ter "caído a ficha" do mercado de que o Brasil era "outro país", o diferencial de juros manteve-se elevado. Na interpretação de Pessôa, "o diferencial de juros livre de risco parece que sobrevive em função de intervenções no mercado de câmbio".

É a partir desse momento que, segundo os economistas da FGV, o esforço de acumulação de reservas pelo BC "enxuga" a oferta de dólares no mercado, impedindo uma valorização maior do real e o aumento do déficit em conta corrente da economia brasileira. De acordo com Pessôa, os exercícios mostram que o câmbio ficou sempre cerca de 20% mais desvalorizado do que seria normal devido ao passivo externo líquido do país, representado pelo diferencial acumulado entre investimentos estrangeiros no Brasil e investimentos brasileiros no exterior, e pelos termos de troca das exportações brasileiras ante as importações.

A acumulação de reservas mais as restrições (imposição de IOF, por exemplo) estariam impedindo a entrada maior de capitais no mercado brasileiro e mantendo o câmbio artificialmente desvalorizado. A hipótese da FGV é que, com o consumo doméstico em recuperação e sem poupança interna suficiente para financiar os investimentos necessários à sustentação desse consumo, ou os juros voltam a subir, segurando a inflação e a expansão, ou o câmbio terá que flutuar (e se valorizar), permitindo a entrada de capitais para financiar esses investimentos.