Título: Alta "artificial" da cotação da soja preocupa mercado
Autor: Bouças, Cibelle
Fonte: Valor Econômico, 30/10/2006, Agronegócios, p. B11

As consecutivas valorizações nos preços futuros do complexo soja neste mês preocupam o mercado. Motivados por fatores externos - como a alta acumulada nos preços do milho e do trigo e a demanda por grãos para biocombustíveis - , os contratos de segunda posição da soja em grão acumularam, no mês, alta de 15,43% até sexta-feira. No mesmo período, os contratos de farelo subiram 14,86% e os de óleo, 14,73%.

A alta foi determinada essencialmente pela movimentação de fundos de investimento, que negociam cada vez mais contratos de biocombustíveis e commodities agrícolas. "Nos últimos 20 dias, 85% da movimentação nos contratos de soja foi feita por fundos", salienta Renato Sayeg, da Tetras Corretora.

Fabio Meneghin, analista da Agroconsult, observa que mais de 20% das posições compradas da soja estavam nas mãos dos fundos. Em 2005, sempre que esse percentual se aproximou de 25%, houve liquidações dos contratos. "Na nossa avaliação, uma realização de ganhos está próxima por causa do aumento das posições compradas pelos fundos na semana", afirma Meneghin.

Os dois analistas notam que a valorização nada tem a ver com as condições de mercado da soja, que neste momento conta com estoques globais altos, grandes volumes no mercado físico com a colheita nos Estados Unidos e previsões de clima favorável ao plantio da safra de verão sul-americana.

Dois fatores estimularam os fundos a negociar contratos de soja neste mês em grandes volumes. Um deles foi a valorização nos preços do trigo, que tem oferta global escassa por conta da quebra de safra nos principais países exportadores, como Austrália e Argentina. No mês, o contrato de trigo para março negociado em Chicago subiu 7,2%, para US$ 5,43 por bushel. "Esses fundos investem ao mesmo tempo em várias commodities agrícolas e a soja acabou pegando carona na alta do trigo e do milho", afirma Sayeg.

Outro fator apontado é a valorização nos preços do milho, por conta da forte demanda no mercado físico americano pelo grão para produção de biocombustíveis. Meneghin observa que os estoques americanos tendem a ficar muito apertados porque a produção nos EUA está menor que o previsto inicialmente devido à estiagem no Meio-Oeste e a demanda para etanol segue forte. Além disso, a chuva nos EUA atrasou a colheita de soja e, com isso, os produtores estão perdendo o tempo ideal de plantio do milho de inverno. "A tendência é que o país reduza a área de milho safrinha, o que também sustentará preços", diz Meneghin.

"Vivemos um momento artificial. O que nos resta é saber por quanto tempo o mercado financeiro manterá inflado o preço de soja", afirma Sayeg, observando que os fundamentos de mercado apontam para uma cotação próxima a US$ 5,50 por bushel. Na sexta-feira, o contrato com vencimento para janeiro subiu 7,25 centavos de dólar no dia (1,6%), para US$ 6,49 por bushel. No ano, o papel acumula alta de 26,99%.

A valorização da soja em Chicago motivou as vendas de soja e seus derivados no Brasil das safras 2005/06 e 2006/07. Conforme Sayeg, em torno de 95% da safra 2005/06 da soja já foi comercializada - em linha com o que foi registrado em outubro do ano passado. Ele calcula que 22% da soja prevista para o ciclo 2006/07 já foi comercializada, ante 21% no mesmo período do ano passado.

Os preços no mercado físico também subiram. A saca de soja negociada no porto de Paranaguá (PR) subiu 13% no mês, para R$ 34,50. Em Cuiabá (MT), a saca subiu 21%, para R$ 26 - influenciada em parte pelos leilões do governo. O farelo negociado em São Paulo valorizou 11,6% no mês, para R$ 430 a tonelada. "Quando os preços variam por causa dos fundamentos o mercado fica mais seguro. Essa alta artificial cria insegurança sobre o comportamento dos preços no fim do ano", diz Sayeg.