Título: PT e PSDB confrontam prioridades e parceiros
Autor: Lima , Vandson
Fonte: Valor Econômico, 17/10/2012, Política, p. A8

Questionado durante a campanha sobre quando seu programa de governo para São Paulo veria a luz do dia, José Serra (PSDB) costumava sair-se com uma citação, cuja autoria atribui a Leonel Brizola. "O Brizola dizia uma coisa verdadeira: programa compra-se pela internet. Faz uns grupos, uns sujeitos escrevem, o candidato fica se informando sem saber direito do que se trata. Programa é assim: não vale muito no Brasil", dizia, antes de ressalvar que seu caso era diferente, como fez no lançamento de seu programa de governo anteontem, treze dias antes do segundo turno da eleição paulistana: "Para nós, programa é coisa séria. Apresentamos nele nossos propósitos, nossa linha de trabalho. É pra valer".

Em que pese fatalismo ou exagero na frase colocada na conta do gaúcho Brizola (falecido em 2004), que comandou seu Estado e o Rio de Janeiro, dificilmente os programas de governo apresentados por candidatos Brasil afora se arriscam a apontar como será feita, por exemplo, a realocação de recursos necessária para a implantação de seus projetos.

Fernando Haddad (PT) e Serra, em São Paulo, não fogem à regra. No entanto, se superficialmente seus programas se assemelham, com promessas de investimento em educação de tempo integral, corredores de ônibus e aumento do efetivo da Guarda Civil Metropolitana (GCM), nos detalhes os planos dos oponentes na sucessão paulistana mostram prioridades diferentes, bem como apontam parceiros diversos para o cumprimento das propostas.

Haddad mira parcerias com o governo federal, principalmente na intenção de trazer para a cidade programas do Ministério da Educação, que comandou, e na retomada de projetos da gestão da hoje ministra da Cultura Marta Suplicy. A promessa de fazer 150 km de corredores de ônibus e construir 20 novos Centros Educacionais Unificados (CEUs) são exemplos. O petista tem três vitrines próprias, exploradas à exaustão em sua propaganda: a Rede Hora Certa, o Bilhete Único Mensal e o Arco do Futuro.

Já Serra tentou fugir de projetos "publicitários", como definiu, em ataque velado ao programa do adversário. O tucano cita diversas vezes a ajuda do governo do Estado nos projetos e promete expandir vitrines de sua curta gestão como prefeito, de 2005 a 2006, e do sucessor e aliado Gilberto Kassab (PSD), como a Assistência Médica Ambulatorial (AMAs) e a Operação Delegada.

Dá ênfase ao ensino técnico, ao propor ampliar a oferta de vagas para 100 mil na cidade e criar o Protec, sistema que custeará bolsas de estudo para os cursos técnicos oferecidos por Senai, Senac ou escolas particulares. Inspira-se ainda no bem-sucedido "Mãe Paulistana" para propor programas com ênfase no atendimento infantil e ao idoso.

Tanto Serra como Haddad adotam discurso vago em diversos temas. O controverso projeto Nova Luz, de revitalização de uma porção central da cidade degradada pela Cracolândia - uma grande área de tráfico e uso de entorpecentes -, é apenas citado superficialente por ambos. Se nas ruas Haddad critica com ênfase o projeto, no programa de governo diz apenas que o Nova Luz, assim como parte das operações urbanas, "deverá ser revisto e implementado" com "base em novas diretrizes", sem especificar quais seriam.

Serra, que iniciou o Nova Luz, diz que pretende "requalificar a região [...] por meio de projeto que abrangerá implantação de novo mobiliário urbano". Nenhum deles responde aos temores dos 50 mil trabalhadores do comércio da região, que reclamam não serem ouvidos pelo governo. A lei de concessão urbanística delegou a uma empresa concessionária a execução do projeto, inclusive com poderes para desapropriar imóveis.

Haddad fala na construção de 150 km de corredores de ônibus e outros e 150 km de vias exclusivas, mas só cita um local que receberia o benefício, a avenida Celso Garcia, na zona leste. Serra, por sua vez, não se compromete com o número de quilômetros construídos, mas diz onde pretende fazer os corredores: nas avenidas Radial Leste, Luís Carlos Berrini, Aricanduva, Itaquera, Santo Amaro e Capão Redondo.

A levar em consideração os dois programas, os servidores da saúde, ávidos por um plano de carreira que os contemple, têm muito com que se preocupar. Haddad diz que sob seu governo um novo plano virá, sem mais detalhes. E Serra, de maneira vaga, diz que irá "praticar uma política de valorização permanente dos servidores da saúde".

Para o cientista político Sérgio Praça, pesquisador do Centro de Política e Economia do setor público da Fundação Getúlio Vargas (Cepesp-FGV), os programas devem equilibrar propostas genéricas e respostas a demandas específicas, mas avalia que no Brasil é comum os candidatos fugirem de compromissos pelos quais possam ser cobrados depois. "É um temor a meu ver infundado, que prejudica o debate público. Você pode fixar uma meta de 50 km de corredores de ônibus, por exemplo, e se só entregar 40 km, explicar os motivos. O eleitor não é criança, consegue entender as dificuldades, se explicadas de maneira honesta", avalia.

Para o pesquisador, Serra tinha a obrigação de apresentar mais metas do que as colocadas em seu programa. "Ele é o candidato da situação, teve acesso pleno à situação financeira do governo, inclusive com integrantes da prefeitura participando da elaboração do plano. É frustrante que fixe tão poucas metas em situação tão favorável".

Praça diz que os programas evoluiriam se existissem no país instituições que os analisassem a fundo. Ele cita o exemplo do Netherlands Bureau for Economic Policy Analysis, um instituto holandês independente que solicita aos candidatos do Executivo que façam uma proposta orçamentária, tal qual já estivessem eleitos. Esse mesmo instituto calcula os efeitos econômicos dos programas de cada partido. "Isso dá ao eleitor uma ferramenta fantástica de comparação. No Brasil, uma previsão dessas ajudaria muito a melhorar o nível do debate eleitoral e entender como os candidatos pretendem realocar recursos para cumprir suas propostas", avalia o pesquisador.