Título: Argentina aciona OMC contra sobretaxa brasileira na importação de resina PET
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 04/01/2007, Brasil, p. A2

A Argentina começa o ano abrindo uma disputa contra o Brasil diretamente na Organização Mundial do Comércio (OMC). Buenos Aires nem tentou antes o mecanismo de solução de controvérsias do Mercosul, já que o bloco não tem normas comuns sobre antidumping, a causa do confronto.

O governo de Néstor Kirchner acionou a OMC contra seu sócio maior no Mercosul contestando uma sobretaxa na entrada de resina de PET argentina, usada para envasar refrigerantes, óleos comestíveis e água mineral. Para Buenos Aires, o governo brasileiro violou acordos da OMC, com uma investigação deficiente para concluir pelo dumping (diferença entre valor normal e preço de exportação).

O argumento normalmente usado pelos governos para aplicar medida antidumping é o de combater importações com preços abaixo de custo, em concorrência desleal e provocando prejuízos à indústria nacional. Entre 1995 e julho de 2006, a Argentina foi o país que mais abriu investigações contra produtos brasileiros (36). Em comparação, o Brasil aplicou seis sobretaxas contra exportações argentinas.

Não é raro que divergências entre sócios de um bloco comercial acabem na OMC. O próprio Brasil denunciou a Argentina em 2000 por causa de salvaguardas contra têxteis brasileiros, e em 2001 contra barreiras nas exportações de frango. Mas nos dois casos, até pela sensibilidade política envolvendo os dois sócios, o governo brasileiro acionou antes o tribunal arbitral do Mercosul. Na disputa do frango, os juízes do bloco disseram que não podiam decidir, diante da falta de normas comuns sobre antidumping no acordo regional.

A dificuldade continua grande para harmonizar as regras no bloco, porque Brasil e Argentina resistem em mudar suas práticas, diferentes, de defesa comercial. Nas arrastadas negociações sobre o tema, sempre uma das duas partes rechaça propostas por não considerá-las benéficas para sua indústria. A disputa agora trazida pela Argentina à OMC ocorre em meio a uma briga persistente entre os produtores da resina PET e a indústria de bebidas no Brasil.

Presente no país desde 2002 com a aquisição da Rhodia-Ster, a companhia italiana M&G tem cerca de 60% do mercado de PET. Foi ela que acionou o Decon, órgão do Ministério de Desenvolvimento, alegando danos causados por importações procedentes dos Estados Unidos e da Argentina. Na época, a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas Não-Alcóolicas (Abir) reagiu, dizendo que a realidade era outra: a importação de resina de PET teria caído de 54% do total em 1999 para 40% em 2004.

A investigação do Decon concluiu, porém, que havia de fato dumping: enquanto o valor normal da resina de PET argentina era US$ 1.287 por tonelada, o preço de exportação caía para US$ 646,76. A Câmara de Comércio Exterior (Camex) aprovou, em setembro de 2005, a aplicação de "direitos antidumping" de US$ 345,09 por tonelada para a resina importada da Voridian argentina e de US$ 641,01 para as outras firmas argentinas. A sobretaxa foi de US$ 314,41 na resina originária da americana Invista (ex-KoSa) e de US$ 889,08 para as demais.

Com a fatura mais pesada, os fabricantes de refrigerantes sempre contestaram a sobretaxa e acusaram a M&G de querer o monopólio da resina de PET. A Abir chegou a publicar anúncio em jornal, advertindo o governo brasileiro que a sobretaxa elevaria os preços do óleo vegetal, refrigerantes e água mineral entre 2% e 4%.

Uma fonte que acompanha o assunto diz que a resina PET importada da Argentina pode ficar de 15% a 20% mais barata do que a comprada no país, no caso da aquisição de volumes grandes.

É nesse cenário que a Argentina enviou sua ação no dia 26 de dezembro à OMC, que ainda não foi oficialmente comunicada aos outros países. Pelas regras da entidade, primeiro o governo argentino teve que pedir consultas ao Brasil. Essas consultas devem ocorrer no prazo de 60 dias, para tentativa de conciliação. Mantida a divergência, Buenos Aires pode então partir para a fase seguinte, a instalação de um painel (comitê de especialistas), o que teoricamente poderia conduzir até à retaliação contra produtos brasileiros. A Argentina também deflagrou o mecanismo de disputa contra o Chile, para tentar derrubar sobretaxa de 23% na entrada de leite em pó naquele mercado.

Em outra disputa envolvendo o Brasil, a OMC adiou pela segunda vez a decisão a briga do pneu entre o país e a União Européia (UE), que envolve comércio, saúde e meio ambiente. A decisão preliminar estava prevista para o dia 8, mas os juízes pediram mais tempo. A decisão final fica para abril. A importação de pneu usado ou reformado está proibida no Brasil, por isso o país foi acusado pela UE de violar as regras da OMC. Liminares concedidas pela Justiça a empresas reformadoras no Brasil garantem a importação de 9 milhões de pneus usados por ano, quase todos procedentes da UE. (Colaborou Sergio Lamucci)