Título: A decisão do Supremo e a possibilidade de recurso
Autor: Magro , Maíra
Fonte: Valor Econômico, 17/10/2012, Política, p. A12

O transcorrer do julgamento do mensalão provoca a antecipação dos passos dos demais envolvidos na trama judicial, daí recentemente o ministro relator, em entrevista, qualificar como "um escracho para com nossas instituições" a possibilidade de um recurso dos réus a alguma corte internacional. Sem criticar conveniência ética de os juízes se pronunciarem sobre casos ainda em trâmite, o fato é que a questão demanda análise: é juridicamente viável recorrer da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF)?

Adianto meu posicionamento - que não será unânime entre os especialistas - relativamente concorde com a opinião do ministro relator, embora pretenda fundamentá-lo com argumentos mais brandos: é que o direito de pleitear a qualquer tribunal tem de ser honrado sem limitação, então uma interposição de recurso jamais merecerá crítica. Tema diverso é que ele seja aceito, pois acredito que no caso a decisão do pleno do Supremo é, no mérito, irrecorrível.

Sobre esse tema, o processo do mensalão traz, posso assim dizer, uma peculiaridade e uma novidade, mas começo com a primeira: o processo tem início já na Corte mais alta do país. Assim, se a revisão de uma decisão judicial exige, em regra, uma autoridade superior, haveria de criar-se um tribunal mais elevado que o Supremo, porque ele não existe. Há sim tribunais internacionais, que entretanto não detêm o poder de intervir em matéria ordinária, ou seja, matérias que não afrontem questões como os direitos humanos ou o status democrático, salvo que se entenda que condenar altos políticos signifique atentar contra os alicerces do Brasil. Questão de soberania, vigente ainda em tempos de globalização.

O principal argumento para a pertinência desse recurso amplamente revisional seria que o julgamento em única instância constituiria uma vedação ao princípio denominado "duplo grau de jurisdição", mas este, como sabe qualquer jurista, não está na Constituição. E o motivo dessa ausência não é, creio, um erro do legislador constituinte. Já previa uma fundada teoria de direito do Estado que as cláusulas pétreas podem reger a inconstitucionalidade da própria Constituição, portanto estava o legislador, já em 1988, consciente de que, se assegurado o duplo grau, seu texto se devoraria a si mesmo: é a própria Constituição, afinal, que recepciona os julgamentos em última instância e atribui ao Supremo o papel de Corte originária.

Que há então de originalidade, que suscita agora a discussão? De poucos anos para cá, mas especialmente na Ação Penal nº 470, ser alguém julgado no Supremo por corrupção deixou de significar absolvição. Fatores diversos convergiram para a tal novidade: mudança na composição do pleno, admissão de um juiz no gabinete do ministro (juiz que tem maior formação e tempo para dar andamento a essas ações), processo eletrônico, informatização em geral no cumprimento de diligências em tantos Estados, dentre outros. São essas condenações recentes, como a que se desenha na Ação Penal nº 470, que põem em pauta, como tema inaugural, essa chamada recorribilidade.

Cabe observar, porém, que o julgamento do Supremo, em única instância, reveste-se de uma série de garantias ímpares, dentre as quais se destaca não apenas a opinião de uma dezena de ministros atuantes, mas também o contraponto revelado pelo protagonismo - tão criticado pela opinião pública - do ministro revisor, quem ali cuida de descer a minúcias do processo, certamente para compensar o caráter definitivo, em mérito, de que se revestirá a decisão suprema.

O duplo grau de jurisdição, ao que me parece, foi então silenciado no texto constitucional exatamente por conta dessas ações penais originárias da Suprema Corte, e não creio ser esse direito a reanálise, pelas peculiaridades do julgamento, fator imprescindível para a legalidade ou a justiça de uma eventual decisão condenatória. Mas não se pode de modo algum inibir o direito da defesa dos réus de formular seus recursos e alegações, inclusive buscando todas as instituições, no país e fora dele, que intervenham em nome dos direitos que ela entenda violados.