Título: O controle efetivo da malária
Autor: Sachs, Jeffrey D.
Fonte: Valor Econômico, 04/01/2007, Opinião, p. A9

Muitos programas de ajuda internacional fracassam porque são mal estruturados e/ou excessivamente complicados. O resultado é que os pobres não recebem a ajuda de que necessitam e os contribuintes do fisco em países ricos perdem a confiança na aplicação de seus recursos de ajuda.

Um exemplo disso tem sido o controle da malária. Se os países ricos adotassem estratégias mais simples e mais práticas para ajudar a África a combater a malária, poderiam salvar milhões de africanos, simultaneamente ampliando um apoio entusiástico entre seus cidadãos.

A malária é uma enfermidade assassina transmitida por uma espécie específica de mosquitos. Esses mosquitos dependem de temperaturas relativamente altas, e por isso trata-se de uma doença predominantemente tropical. A África é particularmente desafortunada porque tem uma combinação de temperaturas elevadas e mosquitos que provavelmente transmitem a enfermidade. Por essa razão, na África ocorrem 90% de todas as mortes por malária no mundo - com cerca de dois milhões de crianças por ano entre as vítimas.

Mas, mesmo na África, a malária é em larga medida evitável e inteiramente tratável a baixo custo. Até hoje, houve muito pouco controle da malária. A melhor prática de prevenção envolve o uso de modernos mosquiteiros anti-malária, que são tratados com inseticidas. Essas redes cobrem as pessoas enquanto elas dormem, e repelem ou matam os mosquitos, que tendem a picar durante a noite. Os mosquiteiros reduzem o número de picadas, e a incidência da doença, mas não os eliminam. Se uma pessoa for picada apesar dos mosquiteiros, será preciso tratá-la em poucas horas após a manifestação dos sintomas.

Há dois grandes obstáculos à solução do problema da malária. Em primeiro lugar, na África os pobres não podem arcar com o custo de mosquiteiros tratados com inseticidas e das medicações apropriadas. Muitas pessoas acabam tomando medicamentos baratos que não são eficazes porque o parasita da malária desenvolve resistência a eles. Em segundo lugar, os habitantes de vilarejos africanos não contam com acesso a automóveis ou caminhões, e por isso precisam caminhar quilômetros para chegar a uma clínica. Uma criança infectada geralmente já está em coma ou morta, quando sua mãe consegue chegar a uma clínica.

Se os governos dos países ricos tomassem atitudes práticas em relação à malária e reconhecessem que trata-se de uma emergência em larga escala, poderiam apoiar soluções simples e práticas: mosquiteiros para as camas e acesso oportuno a medicamentos. Os países ricos adquiririam mosquiteiros das empresas que os produzem e colaborariam com governos africanos para distribui-los gratuitamente a cada família africana. E agiriam em concerto com governos africanos para assegurar a rápida disponibilidade dos medicamentos apropriados em cada vilarejo.

Há um bilhão de pessoas vivendo em países doadores ricos e o custo total do controle exaustivo da malária na África - distribuindo gratuitamente mosquiteiros aos africanos e disponibilizando os medicamentos apropriados em cada vilarejo - é de aproximadamente US$ 2,5 bilhões por ano, ou apenas US$ 2,50 por cidadão nos países ricos.

-------------------------------------------------------------------------------- Se os governos dos países ricos reconhecessem que a malária é uma emergência em larga escala, poderiam apoiar soluções simples e práticas --------------------------------------------------------------------------------

Mas os países ricos, em vez disso, adotaram estratégias malogradas. Em vez de doar os mosquiteiros, as organizações do países ricos, como a United States Agency for International Development (Usaid) tentam vendê-las a populações extremamente pobres, ainda que com grandes descontos sobre os preços. Essa política reflete um objetivo míope - estimular a formação de mercados -, em vez de cumprir imediatamente os prementes objetivos de salvar vidas e eliminar gargalos ao desenvolvimento econômico de longo prazo. O resultado trágico dessa política tem sido o uso extremamente raro dos mosquiteiros na maior parte da África, porque os pobres não têm poder de compra suficiente para adquirir os mosquiteiros.

Em segundo lugar, os governos doadores não incentivaram maneiras simples de assegurar a disponibilidade de medicamentos nos vilarejos em todo o continente. Em vez de despachar medicamentos para cada país com base em necessidades estimadas, as agências doadoras instituíram um complicado sistema de compras que resultou em anos de atraso na chegada dos medicamentos aos vilarejos.

A indústria farmacêutica, tendo à frente a Novartis, está muito à frente das agências doadoras. A Novartis concordou em tornar esses medicamentos disponíveis a custo de produção. Mas a despeito da grande capacidade de produção da empresa, as agências doadoras simplesmente não emitiram pedidos, adquiriram ou despacharam os medicamentos nas quantidades necessárias.

O controle da malária está agora diante de um período de crescente urgência, bem como de renovada esperança. A malária está se disseminando e novas provas científicas indicam ser maior a probabilidade de pessoas infectadas com HIV o transmitirem a outras pessoas quando também infectadas com a malária. Mas há também uma crescente percepção de que a malária é uma calamidade que precisa ser enfrentada. O presidente americano George W. Bush deslanchou uma importante nova iniciativa para ajudar 15 países africanos a controlar a malária e patrocinou uma reunião sem precedentes na Casa Branca, em dezembro, para aglutinar o apoio do setor privado.

Na mesma linha, o governo chinês, o Banco Mundial e o Banco Islâmico de Desenvolvimento anunciaram recentemente planos de aumento na escala de suas contribuições para o combate à malária. Uma importante nova iniciativa não governamental denominada Malária Nunca Mais está levantando recursos privados para distribuir mosquiteiros anti-malária.

Em toda a África, as pessoas demonstraram que estão dispostas a articular seus esforços, se oferecermos meios práticos para ajudá-las. A segurança mundial, inclusive a segurança das populações que vivem nos países ricos, depende da capacidade da comunidade mundial de provar que virá em socorro de todos os que se encontram em desesperada necessidade. A ajuda internacional pode fazer maravilhas, se for prática e dirigida àqueles em necessidade. O controle da malária pode comprovar mais uma vez essa lição.

Jeffrey D. Sachs é professor de economia e diretor do Instituto Terra na Universidade Colúmbia. © Project Syndicate 2007. www.project-syndicate.org