Título: Por maioria de votos, Supremo absolve Duda Mendonça e sócia
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 16/10/2012, Política, p. A5

O publicitário Duda Mendonça, que foi absolvido das acusações de lavagem de dinheiro e evasão de divisas

O publicitário Duda Mendonça e sua sócia Zilmar Fernandes foram absolvidos ontem, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), das acusações de lavagem de dinheiro e evasão de divisas imputadas a eles no processo do mensalão.

Duda Mendonça foi denunciado por ter recebido do PT mais de R$ 10,8 milhões em conta no exterior. O valor foi transferido, em 2003, através de 53 repasses para pagamento da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República em 2002. A quitação foi feita após a abertura de uma conta específica para tanto em Miami - a Dusseldorf - cujo número foi informado ao publicitário Marcos Valério, o operador do mensalão. Na época dos repasses não houve declaração à Receita Federal nem a devida informação ao Banco Central.

A maioria dos ministros concluiu que Duda e Zilmar não poderiam ser condenados por lavagem porque não tinham ciência dos crimes antecedentes do mensalão. Ambos receberam o dinheiro no primeiro semestre de 2003, antes, portanto, da eclosão do escândalo. "Eles não faziam parte da quadrilha nem poderiam fazê-lo", argumentou o revisor do processo, ministro Ricardo Lewandowski. "Os saques foram resultado de pagamento devido por serviços licitamente constituídos", continuou, referindo-se à campanha eleitoral de 2002. "Eles não tinham plena ciência da origem ilícita dos recursos a eles pagos", justificou o presidente do STF, Ayres Britto.

Além de Britto, Lewandowski foi seguido nesse ponto por Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Marco Aurélio e Celso de Mello. O relator, Joaquim Barbosa, e os ministros Luiz Fux e Gilmar Mendes ficaram vencidos. Duda foi absolvido, portanto, por sete votos a três quanto ao crime de lavagem. Já quanto ao crime de evasão de divisas o placar foi ainda maior: nove votos pela absolvição de ambos contra apenas um, de Marco Aurélio, pela condenação.

O resultado irritou Barbosa. Logo após a confirmação da maioria de votos para absolver Duda, ele não poupou críticas ao Ministério Público Federal, autor da denúncia, por não ter especificado qual seria o crime antecedente necessário para punir Duda por lavagem. "Eu poderia muito bem reformar o meu voto para que o MP pudesse fazer a denúncia de maneira explícita", disse Barbosa. "Que diga qual foi o crime, e não de maneira global", completou.

Ao longo do dia, Barbosa travou diversas discussões tensas com Lewandowski. "Se nem o Ministério Público tem certeza de que houve evasão de divisas como podemos dizer que esses réus tinham ciência disso?", questionou o revisor. "Em meu voto, eu acredito que tenha deixado claro o porquê. Eles foram partícipes da evasão de divisas. Eles procuraram o BankBoston para abrir conta no exterior", respondeu Barbosa. Em seguida, Lewandowski disse que Duda tinha conta fora do país desde 1999: "Ele não é um marinheiro de primeira viagem que foi ao BankBoston para saber como abrir conta no exterior". Barbosa retrucou que a conta foi aberta para indicar o número a Marcos Valério de modo a permitir os repasses.

A discussão, então, tornou-se insustentável. "Vossa excelência tem certezas. Eu tenho dúvidas", afirmou Lewandowski, visivelmente incomodado. Ele ressaltou que Duda pagou o que devia à Receita e, por isso, não foi acusado por sonegação: "Quem pretende lavar dinheiro não vai à Receita e paga aquilo que deve." "Mas ele foi à Receita depois, excelência", rebateu Barbosa. "Eu respeito o ponto de vista de vossa excelência e espero que respeite o meu", cobrou Lewandowski. "Mas eu tenho a obrigação de esclarecer ao plenário os fatos", continuou Barbosa. "Ao invés de receber no Brasil como qualquer empresa, eles abriram conta no exterior, entregaram o número dessa conta a Marcos Valério para lavar, esconder esse dinheiro no exterior", completou o relator.

Quando o debate parecia superado e Lewandowski concordava com o pedido de Barbosa para que Valério fosse condenado, houve mais um momento tenso. O relator disse que o revisor deveria ser coerente e absolver Valério. "A se absolver o beneficiário por lavagem [Duda] temos que absolver quem promoveu essa evasão [Valério]", argumentou. "Existe um mau vezo dos colegas em querer cobrar coerência dos votos dos demais. Isso é inaceitável numa Corte como essa", afirmou Lewandowski. "Vossa excelência já me cobrou coerência, já me cobraram antes. Não me cobre isso senão vamos passar pente fino nos votos e encontrar contradições", continuou. "Valério tinha plena consciência da origem ilícita das verbas. Isso ficou claro e eles estavam envolvidos em todo o esquema."

Outros ministros conseguiram evitar discussões mais ásperas, a começar por Rosa Weber. Ela votou por mais absolvições do que Lewandowski, pois, além de achar que Duda e Zilmar não lavaram dinheiro, absolveu a ex-presidente do Banco Rural Kátia Rabello e o ex-diretor da instituição José Roberto Salgado por evasão de divisas. Esses foram os primeiros votos a favor desses réus, que já foram condenados por unanimidade por gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro e têm como advogados os ex-ministros da Justiça José Carlos Dias e Marcio Thomaz Bastos.

Em meio ao voto de Rosa, Barbosa pediu a palavra para dizer que, "ao invés de receber de maneira transparente no Brasil Duda resolveu receber no exterior por uma offshore, um mecanismo para ocultar". "O dinheiro era transferido não em nome dele, mas da offshore", enfatizou o relator. "As intervenções sempre enriquecem o debate", respondeu Rosa, evitando discussões ásperas com o relator.

Ao fim, Marcos Valério, seu advogado Ramon Hollerbach e sua ex-diretora financeira Simone Vasconcellos foram condenados por evasão de divisas, assim como Kátia Rabello e Salgado. Já Geiza Dias e Cristiano Paz, ex-secretária e ex-sócio de Valério, foram absolvidos por falta de provas, bem como Vinícius Samarane, vice-presidente do Rural.

Ontem, o STF inverteu a ordem prevista para o dia e começou a julgar o penúltimo item do processo, envolvendo as acusações contra Duda Mendonça, ao invés de terminar o antepenúltimo, que trata de imputações de lavagem de dinheiro contra ex-deputados do PT que receberam dinheiro do Banco Rural. A inversão ocorreu porque os ministros Celso e Gilmar não estavam na Corte no começo do julgamento - além deles, falta o voto de Britto para concluir o item dos ex-deputados. Nesse item, há cinco votos para absolver os ex-deputados Paulo Rocha (PT-PA) e João Magno (PT-MG) e o ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto contra dois para condená-los. Já o ex-deputado Professor Luizinho (PT-SP), Anita Leocádia, ex-secretária de Rocha, e José Luiz Alves, ex-chefe de gabinete de Adauto, já obtiveram maioria de sete votos pela absolvição. A votação desse item será retomada amanhã. Na quinta, a Corte vai iniciar a votação do último item do mensalão: a acusação de quadrilha que teria sido liderada pelo ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu.