Título: Arbitragem no exterior e citação no Brasil
Autor: Lemes, Selma Ferreira
Fonte: Valor Econômico, 04/01/2007, Legislação & Tributos, p. E2

Quando o anteprojeto de lei sobre arbitragem foi elaborado, em 1991, tinha o objetivo de enfrentar, na área internacional, as principais dificuldades para a homologação e reconhecimento da sentença arbitral estrangeira no Brasil e, não necessariamente, regular a arbitragem internacional, que à época soava como algo muito distante. As alterações não deveriam ser drásticas, mas cautelosas, simples e eficazes. Foi neste sentido que o capítulo VI da Lei n° 9.307, de 23 de setembro de 1996 - a Lei de Arbitragem - dispôs que o previsto no referido capítulo conviveria harmoniosamente com as convenções e os tratados internacionais vigentes, operacionalizando o princípio da eficiência máxima ou da aplicação da regra mais favorável à arbitragem, previsto na Convenção sobre Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, firmada em Nova Iorque em 1958 e ratificada pelo Brasil pelo Decreto n° 4.311, de 2002.

O ponto seguinte seria a inversão do ônus da prova, introduzindo nos artigos 38 e 39, com pequenas alterações, o disposto no artigos V da convenção. A homologação de sentenças estrangeiras judiciais e arbitrais estão previstas na Resolução n° 9, de 4 de maio de 2005, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que impõe como condição para ter eficácia no Brasil a homologação pelo STJ. A citada resolução inova em termos de provimentos judiciais, pois passa a prever a antecipação de tutela também em procedimentos de homologação de sentenças arbitrais estrangeiras.

São condições essenciais para a homologação de sentenças arbitrais estrangeiras: a) haver sido proferida por autoridade competente, vale dizer, o tribunal arbitral estar regularmente constituído consoante o disposto na convenção de arbitragem e lei aplicável; b) terem sido as partes devidamente intimadas ou haver-se legalmente verificado a revelia; c) não estar sujeita a nenhum recurso judicial no país em que foi ditada a sentença arbitral (trânsito em julgado); e d) estar autenticada pelo cônsul brasileiro do país em que foi proferida a sentença arbitral e estar acompanhada de tradução legal. Não será homologada a sentença arbitral estrangeira que ofenda a soberania ou a ordem pública brasileira.

A parte brasileira será regularmente citada para contestar o pedido de homologação de sentença arbitral estrangeira. Na defesa apresentada, a parte brasileira somente poderá argumentar sobre autenticidade dos documentos, inteligência da decisão e observância dos requisitos da citada resolução. Nesta oportunidade poderão ser alegados os motivos previstos na Lei de Arbitragem, tais como a convenção de arbitragem não ser válida, ausência de notificação quanto ao processo arbitral no exterior etc.

Não existindo contestação, o presidente do STJ poderá homologar a sentença arbitral estrangeira e, se houver contestação, será submetida a julgamento na corte especial do STJ. A execução da sentença arbitral será processada perante Justiça Federal.

-------------------------------------------------------------------------------- Uma das inovações mais importantes da lei é o fim da necessidade de citação da parte brasileira por meio de carta rogatória --------------------------------------------------------------------------------

Note-se que, na linha dos objetivos perseguidos pelo legislador, uma das inovações mais importantes da Lei de Arbitragem, por seu indiscutível efeito prático, é a regulada no parágrafo único do artigo 39 ("não será considerada ofensa à ordem pública nacional a efetivação da citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive, a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito de defesa"). Assim, afasta-se a necessidade de citação da parte brasileira por carta rogatória e todos os inconvenientes da demora em cumpri-la (geralmente, mais de um ano).

O STJ, na Sentença Estrangeira Contestada n° 874, em 19 de abril de 2006, concedeu, por unanimidade, a homologação de uma sentença arbitral estrangeira esclarecendo que nos autos do referido processo ficou demonstrado, pelo farto conjunto probatório, que a empresa brasileira recebeu, por via postal, não somente a intimação (citação) como também intimações objetivando o seu comparecimento às audiências, que foram realizadas à revelia.

Foi também com base na revelia da parte brasileira que o STJ, na Sentença Estrangeira Contestada nº 887, em 6 de março de 2006, homologou por unanimidade uma sentença arbitral originária da França. A empresa brasileira alegou não ter participado do processo arbitral instaurado na câmara arbitral e ao não exercício do contraditório e da ampla defesa. A decisão esclarece que se a parte brasileira não exerceu seu direito de defesa, não foi por irregularidade no procedimento arbitral, mas por falta de interesse da requerida no acompanhamento da arbitragem.

Já no julgamento da Sentença Estrangeira Contestada n° 833, publicada em 30 de outubro de 2006, ocorreu situação interessante, pois o STJ, por maioria, indeferiu um pedido de homologação da sentença arbitral estrangeira. Neste caso, a parte submeteu a sentença arbitral ao Judiciário americano, tornando-a uma sentença judicial. Desta forma, no entendimento da maioria do STJ, passou a demandar a citação da parte brasileira por carta rogatória para responder ao processo judicial. Nesse caso, a ausência de citação não ocorreu na arbitragem, mas no processo judicial americano, cujo procedimento, aliás, era dispensável à luz da legislação brasileira.

Enfim, paulatinamente a jurisprudência brasileira dá vigência à inovação introduzida pela Lei de Arbitragem, que dispensou a citação/intimação da parte brasileira por carta rogatória para participar de arbitragem no exterior, imprimindo, indubitavelmente, eficiência à prestação jurisdicional.

Selma Ferreira Lemes é advogada, consultora em arbitragem, mestre e doutora pela Universidade de São Paulo (USP) e integrou a comissão relatora da Lei de Arbitragem

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